domingo, 1 de março de 2020

Por que precipitação?


A Câmara de Vereadores de Uiraúna, Paraíba, decidiu, em Sessão Extraordinária, negar o pedido de renovação da licença do cargo ao prefeito dessa cidade, que se encontra preso em João Pessoa, capital do Estado, por seu envolvimento na Operação Pés de Barro, da Polícia Federal.
O prefeito vinha do gozo de licença do cargo, por 60 dias, devidamente concedida, por unanimidade, inclusive com os votos da oposição, que agora houve por bem dizer não à continuidade do afastamento legal daquela autoridade, em contrariedade aos quatro votos dos vereadores da situação.
Como o prefeito vinha de licença autorizada legalmente, a negação em tela implica que ele tem, na forma prevista na Lei Orgânica do Município de Uiraúna, 15 dias para a reassunção do cargo, evidentemente sob pena de perda do mandato, segundo o entendimento preliminar sob o caso.
À primeira vista, causa estranheza a mudança de entendimento da colenda Câmara de Vereadores, ao adotar, agora, decisão que poderia ter sido firmada já com relação ao primeiro pedido, considerando, se assim era a sua vontade, eis que, de lá para cá, ao que se tem conhecimento, não aconteceu, em absoluto, nada de novidade a ensejar tão brusca mudança de posição, a justificar medida, por certo, draconiana, atento ao fato de que não depende da vontade do prefeito a iniciativa se tomar posse ou não, eis que ele se encontra preso por força de r. decisão judicial, que o impede de exercer as funções normais do seu cargo.
Ou seja, a princípio, com as devidas vênias, não parece justa e muito menos racional a decisão que se obriga o fazimento de algo sabidamente impossível, diante da inviabilidade do resultado cogitado, quando medida de compreensão pode perfeitamente ser adotada, em atendimento aos interesses da elevação das relações sociais e políticas.
É evidente que não se sabe as reais motivações para que essa decisão viesse a ser confirmada, diante das virulentas consequências jurídicas que ela pode suscitar, inclusive com a implicação da perda do mandato, que até poderia acontecer normalmente, em razão do lastimável ocorrido, que consiste no possível desvio de recursos públicos sob a gestão do prefeito, que, à toda evidência, não reúne mais a mínima condição de confiabilidade para gerir recursos públicos, à vista das evidência e materialização da prática de atos irregulares, em verdadeira afronta aos princípios da administração pública.
Nesse sentido, conviria que partes interessadas demandassem ação apropriada na Justiça competente, alegando os fatos ocorridos, que são amplamente do conhecimento da sociedade, com a devida demonstração de que o prefeito, embora ainda não condenado pela Justiça, em razão do ato irregular cuja autoria lhe é atribuída, não merece mais a confiança da sociedade uiraunense para retomar às importantes atribuições de prefeito de Uiraúna e isso, por razões óbvias, o próprio denunciado deve ter absoluta consciência, ante o seu elevado nível de experiência na vida pública.
A população dessa cidade esperava que o prefeito tivesse aproveitado todo esse tempo, enquanto se encontrava na prisão, para apresentar elementos plausíveis em demonstração cabal da sua inocência, em atendimento à perplexidade da população, diante  do lamentável acontecimento.
Havia sim esperança de que o político já tivesse mostrado não somente à  Justiça, mas também à população a sua inocência sobre os fatos denunciados pela Polícia Federal contra ele, mediante a apresentação dos elementos e das contraprovas juridicamente válidos, em contestação às provas que serviram de base com consistência e robusteza suficientes para o Supremo Tribunal Federal determinar a sua prisão, que vem sendo cumprida, normalmente, na forma do ordenamento jurídico de regência.
Nas circunstâncias, não se pode negar que a relocação do acusado no exercício do cargo de prefeito de Uiraúna haverá, por certo, geração de forte instabilidade institucional, diante dos fatos nefastos à gestão pública, ainda não esclarecidos, que são, à toda evidência, extremamente prejudiciais ao regular funcionamento da coisa pública e à normalidade da democracia, que tem como princípio a sua harmonização com as salutares práticas de atos revestidos de regularidade e imunes a questionamentos.
Estranha-se que, no caso sob exame, por enquanto, não há a mínima justificativa para os lamentáveis e sinistros acontecimentos, dando a entender que a sociedade, que, em última análise, se tornou vítima desse imbróglio, não merece qualquer forma de esclarecimento, o que é de se lamentar, em se tratando de gestão de recursos dos cidadãos.
Na verdade, a situação jurídica envolvendo o caso do prefeito não é tão fácil como se poderia imaginar, diante da ausência de legislação precisa disciplinando os procedimentos sobre os fatos pertinentes, a começar da norma sobre a responsabilidade dos prefeitos, no caso, o Decreto-lei n* 201/67, editado nos idos do regime militar, que sequer se refere à licença do prefeito do cargo, em caso de prisão determinada pela Justiça, o que ajudaria a compreender se isso seria motivo legal ou não para amparar a decisão da Câmara de Vereadores de Uiraúna.
Por sua vez, a falta de norma específica na Lei Orgânica do Município de Uiraúna é outro complicador que dificulta o seguimento de ritual confiável e seguro sobre o caso, deixando dúvida até mesmo sobre o acerto ou não acerca da negação da licença em apreço, nas circunstâncias bastante especiais e cercadas de dúvidas.
Há de se ver que o art. 5* do aludido decreto-lei manda proceder, nos casos de cassação do mandato do prefeito pela Câmara, por infrações definidas no artigo anterior, ao rito previsto no art. 6*, quando houver incompatibilidade com a dignidade e o decoro do cargo, se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo, o que não é exatamente o caso tratado com relação ao prefeito de Uiraúna, porque não há qualquer processo de cassação em andamento nesse órgão.
Não há margem de dúvida de que a Câmara de Vereadores de Uiraúna, ante o princípio da sensatez, poderia apenas se acautelar, procurando cumprir a sua regular missão institucional de não se antecipar às respeitáveis decisões judiciais ou, ainda, se pretender, adotar as necessárias medidas, na via da Justiça competente, com vistas ao definitivo impedimento da posse do prefeito no cargo, ante os fatos irregulares cuja autoria lhe é atribuída, independentemente do desfecho na via judicial, por questão de defesa da moralidade pública.
Diante do exposto, peço vênia aos ilustrados componentes da colenda Câmara de Vereadores de Uiraúna  para sugerir, muito modestamente, que se abstenham à adoção de medidas que possam levar à antecipação da cassação do prefeito dessa cidade, em razão, sobretudo, de falta de previsão legal para o caso e ainda que se trata de assunto especial que vem sendo examinado diretamente pela Excelsa Corte de Justiça brasileira, o que, em princípio, obrigaria que essa Casa Legislativa se acautelasse ao máximo, no sentido de seguir, rigorosamente e passo a passo, o entendimento superior a ser dado no processo pertinente, sob pena de a sua antecipada precipitação vir a ser prejudicial à normalidade jurídica aplicável ao caso, cujas consequências podem ser imprevisíveis e nada agradáveis aos interesses de Uiraúna.
Brasília, em 29 de fevereiro de 2020

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