Entre 1998 e 2002, o então prefeito de uma cidade
do interior do Estado de Rondônia fraudou processos de licitações, direcionando
os resultados dos certames a empresas de pessoas próximas, mediante formação de
quadrilha para desviar recursos públicos. Decorridos mais de dez anos, hoje, o
político, além de muito rico, é senador da República. Finalmente, o processo,
em obediência ao regime de foro privilegiado, foi julgado pelo Supremo Tribunal
Federal, que considerou ter havido intenção de fraudar 12 procedimentos licitatórios,
mas não houve configuração da prática do crime de formação de quadrilha, uma
vez que não houve propósito dos envolvidos de se reunirem para cometer crimes
aleatórios. Além do senador, que ordenou o direcionamento do processo
licitatório a empresas de amigos, foram cometidos crimes de fraude em
licitações e formação de quadrilha por mais seis empresários, que se
beneficiaram do certame, porém a Suprema Corte entendeu que eles não tiveram
intenção de fraudar as licitações e, por isso, foram absolvidos de formação de
quadrilha e fraude em licitações. Por fim, o senador foi condenado a quatro
anos e oito meses de prisão, em regime misto, aquele que permite que o réu
durma no xadrez e trabalhe durante o dia. Desta feita, a Excelsa Corte de Justiça
contrariou seu entendimento adotado no caso do mensalão, ao transferir para o
Congresso Nacional a competência para a definição do mandato do parlamentar
condenado em ação penal. A mudança de entendimento foi motivada em razão da
nova composição do plenário, que conta com dois novos ministros que não integravam
o STF no julgamento do mensalão. Embora o Supremo tenha competência privativa e
derradeira para dirimir as questões controversas decorrentes da interpretação
da Carta Magna, ele foi incapaz de firmar posição diante da divergência existente
entre o disposto nos artigos 15 e 55 da Constituição Federal, que estabelecem,
respectivamente, a perda dos direitos políticos se dará no caso de
"condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos"
e a perda do mandato "será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo
Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta", no caso de deputado
que "sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado". Não há a menor dúvida de que o Brasil é o país das piores e maiores contradições
no mundo jurídico, ao se permitir que o cidadão público pratique crime de fraude
em processos licitatórios, com a finalidade de desviar recursos públicos e de se
enriquecer ilicitamente, mas, ao invés de ser punido exemplarmente pelo crime
praticado contra o Estado, é investido, como espécie de prêmio às falcatruas,
no cargo público eletivo de senador da República, quando deveria ter sido
impedido de concorrer a cargos públicos, pelo menos, até o trânsito em julgado
do caso. Não obstante, a suave pena aplicada ao senador, que nada representa
diante da gravidade do crime cometido, poderá ser ainda mais insignificante à
vista da possibilidade de ser convertida a condenação em meras cestas básicas,
em desmoralização da legislação penal, que deveria existir para punir os crimes
com condenações compatíveis com a gravidade dos fatos pertinentes. Também
merece censura a eterna morosidade para o julgamento conclusivo sobre ação
penal decorrente de ato prejudicial ao interesse público. A sociedade anseia
por que as normas jurídicas sejam aperfeiçoadas e modernizadas, com vistas a
permitir que os atos infracionais sejam punidos imediatamente à sua ocorrência,
com penas equivalentes à gravidade dos crimes, inclusive, se for o caso, com o
afastamento em definitivo dos maus políticos da vida pública, pela
incompatibilidade de criminoso condenado continuar exercendo cargo público
eletivo e por ferir de morte a pureza dos princípios da administração pública e
da democracia. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 09 de agosto de 2013
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