quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Agressão à dignidade

O congressista, que teria agredido verbalmente deputada petista, se defende da acusação da quebra do decoro parlamentar alegando que se encontra protegido pelo manto da imunidade parlamentar prevista na Carta Magna. Com base nessa proteção, ele entende que não pode ser punido pelo que disse à petista em discurso na tribuna da Câmara dos Deputados, mas esse caso já foi objeto de denúncia pela Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, além da abertura de processo no Conselho de Ética da Câmara, por falta de decoro no exercício do cargo.
Em revide ao discurso proferido pela deputada, com acusação ao regime militar, o deputado teria repetido, agora, frase dita há 11 anos, em meio de discussão entre ambos, inclusive com trocas de empurrões e ofensas, quando o parlamentar disse que não a estupraria porque ela não mereceria, expressão esta que não se coaduna, nem de longe, com os termos coloquiais próprios do elevado nível que se exige, naturalmente, dos lídimos representantes do povo, a qual pesa como cristalina agressão à dignidade do ser humano, sendo absolutamente inaceitável num país com o mínimo de seriedade.
À toda evidência, a figura exponencial da imunidade parlamentar deve ser empregada tão somente para proteger os congressistas contra tentativa de punições por opiniões e votos que tenham a ver exclusivamente com o exercício do mandato parlamentar, a qual não pode servir de escudo para manifestações de cunho agressivo e destrutivo da moralidade, com a finalidade clara de se atingir a dignidade do ser humano, não importando que a índole também seja de agressividade e de menosprezo aos princípios humanitários, porque nenhum erro é capaz de justificar falha que tenha por intenção ferir a imagem ou a dignidade humanas.
Não há a menor dúvida de que a agressividade do deputado não corresponde, em absoluto, ao tema desenvolvido pela petista, que acabara de opinar contrariamente sobre os malefícios do regime militar, por meio de críticas duras próprias de quem se opôs a ele, o que seria bastante normal que o parlamentar fizesse uso da tribuna para contra-argumentar a favor da administração do país pelos militares, no campo estritamente das ideias, em consonância com os princípios democrático e republicano, respeitados os salutares costumes pertinentes à civilidade que se impõem aos Parlamentos dos países desenvolvidos, como forma de contribuir para a consolidação das relações amistosas e construtivas entre opositores.
Há que se notar a clara dissintonia da afirmação do deputado com as funções parlamentares, pela possibilidade de haver interpretação no sentido de que, a juízo pessoal, haveria mulheres que mereceriam ser estupradas, fato esse que é passível de distorcer os salutares sentimentos da razoabilidade e da civilidade, que são fundamentais para a construção do conceito de respeito ao ser humano.  
Não há a menor dúvida de que somente nas republiquetas devam prevalecer essa história ridícula de parlamentar ter imunidade para agredir seu semelhante, porquanto, nos países civilizados e desenvolvidos, os congressistas devem ter imunidade à vontade somente para a prática do bem, que se relaciona ao seu dever constitucional de contribuir para o aperfeiçoamento e o fortalecimento das ações construtivas e benfazejas, o que não o caso em comento.
          Não há como se pretender conquistar a simpatia de parcela de eleitores com atitudes deletérias e desconstrutivas dos princípios de civilidade e de boa conduta, porque isso somente demonstra agressão ao conceito de humanização e de respeito ao seu semelhante.
          É muito provável que o deputado tivesse o objetivo de conseguir a desforra contra a deputada da sua relação negra, mas certamente a sua imagem foi severamente atingida e desbotada, pelo menos diante das pessoas sensatas e bem-educadas, que não compactuam, de forma nenhuma, com agressividade gratuita, porque isso apenas demonstra subdesenvolvimento sociocultural e falta de princípios morais.
É induvidoso que o deputado, tão operoso e participativo nas funções legislativas, nesse caso em particular, extrapolou por completo os princípios fundamentais da civilidade e da dignidade, tendo-se em conta não somente a relevância do cargo por ele ocupado de representante do povo e até mesmo se ele nada representasse para a sociedade, haja vista que a sua atitude é indiscutivelmente desqualificável, não importando a circunstância, ante a liturgia do relevante cargo de deputado federal.
No caso específico, mesmo que ele tivesse sido agredido pela petista e não o regime militar, não seria justo que o revide não correspondesse senão a promoção de demandas nas vias próprias, como forma de reparação de possíveis danos morais e ferimento de imagem, visto que existem os caminhos nas vias administrativa e judicial, onde se devem buscar os remédios para os casos de ofensas à integridade e à moralidade das pessoas e das instituições, conforme o caso.
O certo é que os dois congressistas, ofensor e ofendida, não se comportaram com a dignidade e a decência que se exigem das pessoas civilizadas, cujos procedimentos de agressões mútuas representaram péssimos exemplos, que merecem o repúdio e a indignação da sociedade, como forma de exigir respeito e dignidade no exercício dos cargos públicos eletivos.
O povo precisa de bons e saudáveis exemplos de decoro, moralidade, dignidade e decência, notadamente advindos da vida pública, sob pena de os atos de incivilidade e de desumanidade somente contribuírem para a disseminação da violência e da criminalidade, tendo como maus exemplos as atividades daqueles que têm o dever de servir como parâmetro para a boa formação moral da sociedade. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 17 de dezembro de 2014

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