terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Dissonância com o princípio da dignidade

Com a nítida marca da fidelidade ao processo de escolha, apenas em reedição, do censurável loteamento da Esplanada dos Ministérios, e ainda com o exclusivo propósito de conseguir consolidar a força da base do governo no Congresso Nacional, a presidente da República vem anunciando, em gota-gotas, os novos ministros, todos originários de partidos que participaram da campanha da sua reeleição, como absoluta forma de recompensa e de fortalecimento da aliança formalizada com base no recíproco entendimento do espúrio toma lá, dá cá, que representa notório menosprezo aos princípios da dignidade e da moralidade na administração pública, que deve primar pelo respeito à legalidade e probidade, por cuja responsabilidade se encaixa a execução do Orçamento da União.
Somente ao PMDB, a presidente do país fez entrega de seis ministérios, sendo um a mais na nova gestão, com destaque para o controle do setor elétrico e de infraestrutura da nação, tudo para agradar o maior partido que vem sendo o principal apoiador do governo, ficando claro o loteamento dos ministérios entre os partidos aliados, segundo a sua importância estratégica quanto ao apoio político.
Com a saída do cenário político nacional do ainda senador maranhense, que resolveu abandonar a vida pública, seu grupo partidário ficou sem representação no novo ministério, dando provas do velho ditado popular de que rei morto, rei posto, significando que, pela primeira vez nos governos petistas, ele não terá o prestígio que sempre teve. Em contraprestação, o vice-presidente da República - que se tornou o principal “bombeiro” político do governo para apagar os incêndios nas crises com o Congresso e tem sido o contraponto ao “dissidente” líder do partido na Câmara dos Deputados – ganhou prestígio no Planalto e passou a ter muito mais influência no governo, que foi contemplado com a escolha de dois ministros do PMDB com ligação a ele, como os novos titulares da Aviação Civil e dos Portos.
Causa espécie que a presidente petista esteja agradando os caciques dos partidos aliados com a escolha de candidatos derrotados em eleições majoritárias do último pleito, como prova de que os fiéis aliados, mesmo tendo sido derrotados, serão recompensados no próximo governo com novos ministérios, muitos dos quais têm exatamente senão essa finalidade de sustentação das alianças e do apoio político.
Exemplo clássico desse esforço presidencial se encontra na escolha do novo ministro da Pesca, em nítido preito de gratidão ao clã de um senador paraense, ficando claro que, embora o filho dele tenha perdido a eleição no estado do Pará, o reconhecimento sobre o apoio dele se materializa com o cargo, forma compensatória pela derrota, independentemente de qualquer comprovação de competência ou experiência indispensável para o exercício do cargo indicado.
As escolhas dos novos ministros teriam causado alguma espécie de surpresa se a presidente do país tivesse a capacidade de fazê-las em estrita obediência aos salutares critérios da competência administrativa, em consonância com a comprovação da experiência nas respectivas áreas dos ministérios, a qual teria correspondido ao atendimento do requisito da eficiência que deve sempre se exigir na administração pública.
Não obstante, contrariamente, mais uma vez o critério da competência, as escolhas vêm prevalecendo pela falta de critério apropriado às finalidades da administração pública, dando-se prioridade ao anacrônico e ineficiente loteamento dos ministérios entre os fiéis aliados, em comprometimento da competência e da eficiência da execução das políticas públicas, por serem distribuídos os cargos públicos mais importantes do Executivo tão somente pelo indigno critério da fidelidade política, mediante o reconhecimento e o prestígio conquistados nas campanhas políticas, que têm sido capazes de contribuir para a perenidade no poder, em evidente detrimento dos interesses nacionais.
A sociedade tem a obrigação de se insurgir contra as formas espúrias de escolhas de ministros senão pelo recriminável critério de apoio político, como forma de fidelidade ao projeto de perenidade no poder e de contribuição decisiva à reeleição da presidente da República, em pura demonstração de reconhecimento, conquanto haja nisso ilegítimo emprego de recursos públicos para a consecução de projetos políticos, em evidente contraposição à eficiência da administração do país, ante a escolha de políticos sem o perfil, os requisitos e a qualificação desejáveis para prestação dos serviços públicos de qualidade, em dissonância com o princípio da dignidade na administração pública. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 29 de dezembro de 2014

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