De
maneira absolutamente extemporânea, o governo federal publicou, em edição extra
do "Diário Oficial da União", decreto que autoriza a liberação de
mais R$ 444 milhões, destinados ao pagamento de emendas parlamentares, usadas
por deputados e senadores para a execução de obras em seus redutos eleitorais.
Não
obstante, o conteúdo da generosa medida em apreço, pasmem, condiciona, de forma
explícita, a ampliação do repasse à aprovação pelo Congresso Nacional do
projeto de lei que derruba a meta fiscal e permite ao governo fechar as contas
públicas de 2014, sem a obrigação de cumprir o superávit primário, que é a economia
para o pagamento dos juros da dívida pública. A previsão de superávit, no
início do ano, era de R$ 99 bilhões, mas o projeto do governo, cuja votação
está a cargo do Congresso, passa para R$ 10 bilhões.
Causa
perplexidade o fato de que o governo sempre ignorou as pressões dos
parlamentares para a liberação de suas emendas, sob a alegação da falta de recursos
para atendê-los, mas a inexplicável generosidade do decreto, além da liberação
das verbas pertinentes, ainda concede para cada parlamentar o direito a cerca
de R$ 750 mil a mais. A “bondade” do governo eleva a previsão inicial de até R$
10,8 milhões em cada emenda para cerca de R$ 11,6 milhões, totalizando o repasse
do governo aos congressistas no valor de R$ 6,9 bilhões.
Para
a concretização do gesto de bondade, a presidente da República se reuniu, no
Palácio do Planalto, com 23 líderes de partidos da base aliada ao governo no
Congresso, para fazer apelo no sentido da aprovação do projeto que altera a
meta fiscal.
O
desespero do governo para a aprovação do projeto que libera a obrigatoriedade
da meta fiscal o deixou completamente desnorteado quanto ao senso de racionalidade
administrativa, ao condicionar maior liberação de verbas às emendas dos
parlamentares.
Isso,
em bom português, denomina-se chantagem, que é lançada em terreno bastante
fértil, porquanto os parlamentares já demonstraram que são vulneráveis a esses
gestos "generosos" do Planalto, quando há resistência aos projetos do
governo.
Não
há dúvida de que se trata da maneira mais deselegante das práticas
político-administrativas, por evidenciar promiscuidade com o emprego dos
recursos públicos, que não deveria descer em nível de menosprezo aos princípios
da ética, da moral, do decoro e da dignidade na gestão das verbas públicas, as
quais jamais deveriam servir de moeda de troca para a satisfação do interesse
do governo, quanto mais em se tratando de aprovação de projeto reconhecidamente
inconstitucional, ilegal e imoral, por se tratar da eliminação do regramento
jurídico de norma da maior importância para a preservação dos conceitos de
competência, seriedade e responsabilidade quanto à execução do Orçamento da União,
mais especificamente no que se refere ao rigoroso limite dos gastos públicos,
que foi injustificadamente descumprido pelo governo, em completa desmoralização
da liturgia do relevante cargo de mandatário do país, que tem como princípio
primordial o compromisso de cumprir e respeitar as normas constitucionais e
legais do país.
Caso
os parlamentares aceitem o “presente” natalino do Planalto, fica escancarada a
indignidade no exercício das atividades legislativas, ante a sua nítida submissão
aos objetivos do Executivo e a fragilidade com que suas deliberações são
compradas por meras emendas, que, no caso, se prestam a moeda de manobra
política.
A
sociedade anseia porque o Parlamento, no âmbito da sua independência e autonomia,
exerça suas nobres funções de legislar e fiscalizar o governo com absoluta
competência e eficiência, não se submetendo às chantagens espúrias que somente
têm o condão de apequenar ainda mais o descrédito quanto à sua atuação junto
aos seus representados. Acorda, Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 1º de dezembro de 2014
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