segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Desespero ou chantagem?

De maneira absolutamente extemporânea, o governo federal publicou, em edição extra do "Diário Oficial da União", decreto que autoriza a liberação de mais R$ 444 milhões, destinados ao pagamento de emendas parlamentares, usadas por deputados e senadores para a execução de obras em seus redutos eleitorais.
Não obstante, o conteúdo da generosa medida em apreço, pasmem, condiciona, de forma explícita, a ampliação do repasse à aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de lei que derruba a meta fiscal e permite ao governo fechar as contas públicas de 2014, sem a obrigação de cumprir o superávit primário, que é a economia para o pagamento dos juros da dívida pública. A previsão de superávit, no início do ano, era de R$ 99 bilhões, mas o projeto do governo, cuja votação está a cargo do Congresso, passa para R$ 10 bilhões.
Causa perplexidade o fato de que o governo sempre ignorou as pressões dos parlamentares para a liberação de suas emendas, sob a alegação da falta de recursos para atendê-los, mas a inexplicável generosidade do decreto, além da liberação das verbas pertinentes, ainda concede para cada parlamentar o direito a cerca de R$ 750 mil a mais. A “bondade” do governo eleva a previsão inicial de até R$ 10,8 milhões em cada emenda para cerca de R$ 11,6 milhões, totalizando o repasse do governo aos congressistas no valor de R$ 6,9 bilhões.
Para a concretização do gesto de bondade, a presidente da República se reuniu, no Palácio do Planalto, com 23 líderes de partidos da base aliada ao governo no Congresso, para fazer apelo no sentido da aprovação do projeto que altera a meta fiscal.
O desespero do governo para a aprovação do projeto que libera a obrigatoriedade da meta fiscal o deixou completamente desnorteado quanto ao senso de racionalidade administrativa, ao condicionar maior liberação de verbas às emendas dos parlamentares.
Isso, em bom português, denomina-se chantagem, que é lançada em terreno bastante fértil, porquanto os parlamentares já demonstraram que são vulneráveis a esses gestos "generosos" do Planalto, quando há resistência aos projetos do governo.
Não há dúvida de que se trata da maneira mais deselegante das práticas político-administrativas, por evidenciar promiscuidade com o emprego dos recursos públicos, que não deveria descer em nível de menosprezo aos princípios da ética, da moral, do decoro e da dignidade na gestão das verbas públicas, as quais jamais deveriam servir de moeda de troca para a satisfação do interesse do governo, quanto mais em se tratando de aprovação de projeto reconhecidamente inconstitucional, ilegal e imoral, por se tratar da eliminação do regramento jurídico de norma da maior importância para a preservação dos conceitos de competência, seriedade e responsabilidade quanto à execução do Orçamento da União, mais especificamente no que se refere ao rigoroso limite dos gastos públicos, que foi injustificadamente descumprido pelo governo, em completa desmoralização da liturgia do relevante cargo de mandatário do país, que tem como princípio primordial o compromisso de cumprir e respeitar as normas constitucionais e legais do país.
Caso os parlamentares aceitem o “presente” natalino do Planalto, fica escancarada a indignidade no exercício das atividades legislativas, ante a sua nítida submissão aos objetivos do Executivo e a fragilidade com que suas deliberações são compradas por meras emendas, que, no caso, se prestam a moeda de manobra política.
A sociedade anseia porque o Parlamento, no âmbito da sua independência e autonomia, exerça suas nobres funções de legislar e fiscalizar o governo com absoluta competência e eficiência, não se submetendo às chantagens espúrias que somente têm o condão de apequenar ainda mais o descrédito quanto à sua atuação junto aos seus representados. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 1º de dezembro de 2014

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