quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Degeneração dos princípios administrativos

A revista Veja noticia, em reportagem de capa, que a presidente da República teria sido avisada sobre irregularidades em contratos da Petrobras, conforme aviso feito em 2009 – quando ela era ministra da Casa Civil do governo de seu antecessor – pelo ex-diretor de Abastecimento da estatal, preso pela Operação Lava Jato.
Segundo a revista, as mensagens foram encontradas pela Polícia Federal em computadores do Palácio do Planalto, que afirmam a sua intenção de advertência de que, “por ter encontrado irregularidades pelo terceiro ano consecutivo”, o Tribunal de Contas da União (TCU) havia recomendado ao Congresso Nacional a paralisação de três obras da Petrobras, referentes à construção e modernização das refinarias Abreu e Lima (PE) e Getúlio Vargas (PR) e do terminal do porto de Barra do Riacho (ES).
A reportagem diz que “Assim, como quem não quer nada, mas querendo, Paulo Roberto Costa, na mensagem à senhora ministra Dilma Vana Rousseff, lembra que no ano de 2007 houve solução política para contornar as decisões do TCU e da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional.” e “Foi com a atenção aguçada de quem cuida dos próprios interesses e dos seus sócios que, em 29 de setembro de 2009, Paulo Roberto Costa decidiu agir para impedir que secassem as principais fontes de dinheiro do esquema que ele comandava na Petrobras. Costa sentou-se diante de seu computador no 19º andar da sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, abriu o programa de e-mail e pôs-se a compor uma mensagem que começava assim: ‘Senhora ministra Dilma Vana Rousseff…’”.
Consta na reportagem que o envio da mensagem tem a característica de “atitude inusitada” e “ousadia” do ex-diretor, por não ser normal que diretores de estatais se dirijam diretamente ao chefe da Casa Civil da Presidência da República.
Como não poderia ser diferente, o Palácio do Planalto contestou a matéria de que trata a reportagem em apreço, ao reafirmar a sua evidente inconsistência, uma vez que as pendências apontadas pelo TCU já haviam sido comunicadas, em agosto de 2009, à Casa Civil pelo Congresso Nacional, tendo sido repassadas à Controladoria Geral da União.
O governo esclarece que as pendências foram solucionadas no âmbito do TCU, da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia, tendo o Congresso Nacional, posteriormente, concordado com o prosseguimento das obras na refinaria Abreu e Lima.
O governo diz que, mais uma vez, a revista Veja desinforma seus leitores, tenta  manipular a realidade dos fatos e irá fracassar.
Embora tivesse sido avisado sobre as irregularidades em obras importantes, com substanciais prejuízos para o erário, conforme apurado pelo órgão competente de controle das despesas públicas, o governo não esboçou o menor interesse na adoção de medidas para estancar a sangria dos cofres públicos, porque o presidente da República entendia que a paralisação seria extremamente prejudicial aos empregados e ao andamento das obras, mas, por via de consequência, havia o implícito propinoduto que não poderia também ser interrompido, para não interferir na contumácia das práticas irregulares de desvio de recursos públicos, justamente em razão dos sobrepreços, fatos demonstrados implicitamente com a preocupação do ex-diretor da estatal, como forma de garantir o funcionando do esquema em benefício do crime organizado.
É lamentável que o abusivo desvio de recursos para fins ilícitos partia justamente do aparelhamento montado na estatal, por elementos integrantes do partido do governo e de outras duas agremiações aliadas políticas dele, conforme denúncia do ex-diretor da empresa, em depoimento prestado à Justiça, por força da delação premiada, dando a entender, com isso, que as irregularidades não poderiam parar, sob pena de contrariar os interesses dos companheiros da base de sustentação do governo e de enfraquecer os caixas que abasteciam os cofres da sustentação das milionárias campanhas eleitorais à custa da dinheirama proveniente de origem suja dos contratos.
 Mesmo correndo o risco sobre a possível acusação de leniência com as irregularidades, a execução dos contratos não sofreu solução de continuidade, em que pese a constatação de sobrepreços pelo TCU, que teriam por finalidade, na prática, a irrigação dos caixas de partidos da coalizão de governabilidade, fato que demonstra que a administração, não providenciando a interrupção das irregularidades denunciadas, assumiu a responsabilidade direta pelos escândalos, com o que teria contribuído para beneficiamento do esquema criminoso vigente à época.
Causa enorme perplexidade se perceber que a sociedade não tenha ainda se conscientizada sobre a degeneração da indignidade na administração pública, que foi transformada, nos últimos tempos, na sala Vip da corrupção por partidos do governo e da sua base de sustentação, como se isso fosse considerado normal, embora represente simplesmente a forma mais indigna do funcionamento da máquina pública, que deveria ser imune ao desgaste dos conceitos essenciais de dignidade, probidade, moralidade, honestidade e legalidade, caso houvesse os cuidados primários do eficiente sistema de controle e fiscalização da gestão dos recursos públicos.
A falta de cuidados essenciais da administração pública certamente contribui para a banalização das irregularidades com recursos da sociedade, à vista dos constantes escândalos trazidos à lume, em que as autoridades tomavam conhecimento da sua incidência, mas as poucas medidas adotadas para o saneamento delas quase sempre se tornavam apenas inócuas ou paliativas, em evidente demonstração de desmoralização dos princípios da honestidade, dignidade e moralidade que devem predominar na gestão pública.
A situação se torna ainda mais grave porque as investigações revelaram que os rombos poderiam ter sido evitados, caso as autoridades tivessem entendido ao pé da letra os sinais e as manifestações dos órgãos de controle, porque os alertas foram dados em concomitância à execução das obras, mas eles não foram correspondidos na forma pretendida, que era exatamente no sentido de serem apurados, de imediato, os fatos abusivos e criminosos de desvio de recursos dos cofres da maior empresa brasileira.
Infelizmente, significativa parcela da sociedade também é responsável pela materialização e continuidade das irregularidades na administração pública, que, de forma desleixada e injustificável, deixou de adotar as medidas adequadas ao saneamento do caso, não decidindo pelas apurações pertinentes, em consonância com os alertas para a ocorrência das graves irregularidades que estavam contribuindo para a dilapidação do patrimônio dos brasileiros.
Esse sentimento impensado e irresponsável de muitos eleitores contribui não somente para prejudicar os interesses de adversários que não comungam com o mesmo entendimento deletério do patrimônio nacional, mas de toda sociedade, que é obrigada a pagar pela incompetência da administração do país, à vista da leniência com os fatos questionados e as práticas ilegítimas na gestão pública, onde a corrupção se beneficiou e se alastrou para o fortalecimento dos interesses espúrios da classe política dominante e de alguns apaniguados, que menosprezaram os conceitos de dignidade, legalidade e honestidade na gestão dos recursos públicos.
É se lamentar que, em pleno século XXI, com os avanços e progressos das ciências e da tecnologia, o Brasil ainda seja administrado mediante práticas que não se coadunam com os basilares princípios da dignidade e da honestidade, em evidente contribuição à degeneração das instituições democrática e republicana, que são a base do desenvolvimento da nação, em clara contraposição às ansiadas mudanças das retrógradas práticas político-administrativas, que levaram o país ao estado caótico de submissão às graves crises de administração do país, agravada pelo descrédito e pela desmoralização. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 03 de dezembro de 2014

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