terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Menosprezo à dignidade?

De forma extremamente inusitada e de incomum explicitação, para não dizer apenas escandalosa e afrontosa à dignidade ao Parlamento, o governo condiciona o pagamento do restante das emendas parlamentares individuais, previstas para este ano, à flexibilização do superávit primário.
Como se sabe, as referidas emendas são instrumento de suma importância para que deputados e senadores possam satisfazer com obras seus redutos eleitorais, fato que o governo se aproveita desse detalhe para jogar a liberação de recursos como verdadeira peça de aviltante moeda de troca, porém de indisfarçável manobra política, usada com a tentativa de garantir a aprovação do projeto de lei que o desobriga do cumprimento da meta do aludido superávit.
O Palácio do Planalto, sem o menor rodeio e de direta forma inescrupulosa, condicionou a liberação das emendas em apreço à aprovação da proposta considerada "prioridade total" pelo Executivo, deixando clara a disposição para a maior desmoralização ética e de decoro do Parlamento brasileiro, que perde ainda mais a dignidade de representante do povo, ao se submeter facilmente à proposta que menospreza os princípios da honestidade e da pureza que devem predominar no exercício de função tão nobilitante de legislar e de fiscalizar os atos do governo, por envolver no episódio esdrúxulo envolvimento da liberação de verbas sob a condição da aprovação de projeto considerado inconstitucional e ilegal, que porá por terra, pela primeira vez, a essência do princípio sobre o controle dos gastos públicos, que havia sido simplesmente desprezado pelo governo, ficando caracterizado, se concretizada a negociata, o abominável, vexaminoso e humilhante procedimento do “toma lá, dá cá”, recriminável até mesmo nas piores republiquetas, onde são desrespeitados os princípios da moralidade, legalidade, dignidade e honestidade na execução das despesas públicas.
Sem o menor escrúpulo, o governo confirmou que a liberação das programações aguarda a votação do projeto que modifica as regras da política fiscal, nestes termos: "Com a aprovação do PLN 36/2014 (flexibilização do superávit), todas as emendas serão pagas assim que estiverem em conformidade para receber os recursos", deixando claro que será plenamente factível o pagamento do montante das emendas que obrigatoriamente precisa ser executado até o final do ano.
A atitude escancarada do Palácio do Planalto não deixa dúvida quanto à maneira cristalina, direta e desavergonhada de se chantagear os congressistas, que certamente esperavam por medida desse jaez para a liberação da irresponsabilidade fiscal e a confirmação da inevitável desmoralização do governo de não ter conseguido cumprir o superávit primário, nos termos de disposição da Lei de Diretrizes Orçamentárias, votada no Congresso Nacional e sancionada pela mandatária do país. 
O governo apenas põe em prática a sua “inteligência” e “habilidade” para tratar de matéria enroscada que não seria solucionada facilmente se não houvesse os ingredientes da “criatividade” e da “sabedoria” para lidar com a sensibilidade dos parlamentares, que já demonstraram terem incomum voracidade quando o assunto descamba para o trato com as verbas pertinentes às chamadas emendas parlamentares, com vistas à liberação de recursos para suas bases eleitorais.
Não há dúvida de o governo bateu forte no ponto bastante frágil, sensível e irresistível, capaz de convencer, sem muito esforço, a capacidade contrária ao sentimento de dignidade no exercício das funções legislativas, à luz das evidências, que não deixam dúvidas de que o fator liberação de verbas públicas abre os piores ferrolhos existentes no Congresso, ainda que esteja em jogo a quebra de princípios de moralidade e legalidade, nos termos do projeto versando sobre a redução do superávit primário.
Compete à sociedade, imbuída do sentimento de civilidade e brasilidade, recriminar e repudiar as propostas e atitudes espúrias protagonizadas pelo Executivo e Legislativo brasileiros, que demonstram, caso haja a efetivação das medidas em comento, completo menosprezo aos comezinhos princípios da dignidade e da honorabilidade no exercício dos relevantes cargos públicos eletivos, pela cristalina demonstração da falta de puder que deve imperar nas têmperas dos homens públicos. Acorda, Brasil!
 
          ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
          Brasília, em 02 de dezembro de 2014

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