terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Cenas imagináveis e lastimáveis

O Congresso Nacional aprovou, depois da explícita e aviltante chantagem do Executivo imposta aos congressistas sobre o condicionamento da liberação das verbas pertinentes às emendas parlamentares à flexibilização da meta fiscal, o texto principal do projeto de lei que altera a meta de superávit primário deste ano, numa sessão tumultuada que configurou espetáculo próprio da questionada decisão de mandar para o espaço sideral princípio de fundamental importância para a seriedade e moralidade da execução do Orçamento da União, que tinha como cerne, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, o máximo equilíbrio entre as receitas e as despesas, impondo a obrigação de o governo não poder gastar além dos recursos arrecadados.
Na prática, pela primeira vez, desde que houve a aprovação da citada Lei de Responsabilidade Fiscal, o projeto libera o governo, que teria gastado de forma irresponsável além do arrecadado, da responsabilidade de cumprir, neste ano, qualquer meta de economia para pagamento de juros da dívida pública.
Diante da aprovação do projeto em causa, o governo demonstra, de maneira inequívoca, que se houve muito mal quanto ao desempenho da economia, tendo como consequência forte impacto negativo na arrecadação e nos meios que contribuiriam para o cumprimento da meta fiscal deste ano, causado pelos descontrolados gastos com os programas vinculados à reeleição da presidente do país, que provocaram completo desajustamento das contas públicas, com inevitável reflexo no desequilíbrio fiscal, cuja irresponsabilidade administrativa passa a ser perdoada por medida legislativa, absurdamente imoral e indigna para os padrões de moralidade que se exigem para a grandeza do país como o Brasil, que não merece os homens públicos com tamanha mentalidade capaz de passar borracha sobre ato indiscutivelmente grave e prejudicial ao conceito de seriedade e de dignidade junto ao concerto das nações.
Depois desse lastimável episódio, a presidente da República disse ter ficado "muito satisfeita" com o resultado da votação pelo Congresso Nacional, o que não era para menos, porquanto a flexibilização da meta de superávit fiscal autoriza o governo a fechar as contas públicas, neste ano, com superávit primário, ou seja, com poupança para o pagamento da dívida pública bem menor que o previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias. 
Ao que tudo indica, isso somente acontece no Brasil, onde a mandatária do país se sente satisfeita com a prática de barbaridade e ilegitimidade, ao mandar para os ares norma essencial de administração orçamentária, que obrigava o cumprimento do equilíbrio entre as receitas e despesas, logo depois de o governo ter gastado muito além do arrecadado, como demonstração de falta de sensibilidade quanto à necessidade da fiel observância dos princípios constitucionais e legais, inclusive dos conceitos fundamentais sobre diretrizes orçamentárias.
Por sua vez, os parlamentares governistas demonstraram, de forma cristalina e inconsequente, ser absolutamente cediços aos "afagos" generosos do Palácio do Planalto, por terem decidido pela flexibilização do superávit primário, sem o menor escrúpulo e completa falta de pudor com relação à gestão dos recursos públicos, à vista de o governo ter extrapolado, injustificadamente, a meta fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Não há a menor dúvida de que os poderes Executivo e Legislativo protagonizaram, com a aprovação da liberação da meta fiscal, cenas imagináveis e lastimáveis em pleno século XXI, que provavelmente isso jamais poderia ocorrer nas piores republiquetas, onde as leis sequer são observadas, mas, no país tupiniquim, isso não faz a menor diferença nem fere o menor conceito de pudor se jogar para as calendas o que de mais puro existia quanto à necessidade do cumprimento da meta fiscal, ou seja, do respeito aos já consagrados limites dos gastos públicos, que obrigavam o equilíbrio entre receitas e despesas.
Na verdade, o governo deu péssimo exemplo de como se administra um país com a grandeza do Brasil, que merece, no mínimo, competência no que diz respeito à observância do regramento constitucional e legal, à vista do compromisso de posse do presidente da República, que agora foi completamente ignorado pela mandatária do país, com o respaldo do Congresso Nacional, com o emprego de expedientes deploráveis e ofensivos aos princípios da dignidade e da honorabilidade.
Compete à sociedade repudiar e censurar, com extrema veemência, a forma inescrupulosa e espúria como o princípio da meta fiscal foi soterrada solenemente sob os tapetes do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, sem o menor sentimento de responsabilidade pela res publica, que merece ser tratada com o máximo de dignidade. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
          Brasília, em 08 de dezembro de 2014

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