sexta-feira, 8 de abril de 2016

Ocorrência de desvio de finalidade


Em parecer considerado fenomenal e surpreendente, o procurador-geral da República teve a sensatez de se manifestar, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal, sobre a nomeação do ex-presidente da República petista para o cargo de ministro da Casa Civil, com o peso da competência institucional que os brasileiros esperam sempre da atuação do Ministério Público.
Ele ressaltou, com muita propriedade e oportunismo, “a atuação fortemente inusual da Presidência da República em torno da nomeação”, para, em seguida, arrematar, com absoluta convicção, que “há elementos suficientes para afirmar ocorrência de desvio de finalidade no ato e, por conseguinte, para declarar nulidade do decreto presidencial”.
O procurador-geral, que até então insinuava proteger, de forma velada, a presidente do país contra as investigações sobre fatos denunciados, disse, de forma surpreendente e conclusiva, que “o momento da nomeação, a inesperada antecipação da posse e a circunstância muito incomum de remessa de um termo de posse não havida à sua residência reforçam a percepção de desvio de finalidade”.
No parecer em comento, ele também ressalta sobre a necessidade da abertura de inquérito contra a presidente da República, com vistas à investigação sobre os atos dela, diante do possível crime de obstrução da Justiça.
À toda evidência, porque os fatos mostram isso com muita clarividência e robusteza, que a presidente do país e o petista agiram, de forma ardilosa, com a finalidade de tumultuar as investigações da Operação Lava-Jato e de evitar a eventual prisão do ex-presidente, com a sua nomeação para cargo que dá direito ao foro privilegiado no STF e a outras benesses inerentes à sua ocupação.
As escutas telefônicas interceptadas de diálogos entre o petista e um cientista político; o então ministro da Casa Civil e o presidente do PT; e a presidente e o petista mostram, de maneira inequívoca, a sequência de iniciativas que conduziu, às pressas, o ex-presidente para dentro do Palácio do Planalto, com completo conluio que tem o verdadeiro nome de trama diabólica.
O brilhante parecer tem uma passagem que pode ser chamada de lapidar, por exprimir verdades que jamais podem ser omitidas em trabalho jurídico responsável, sob pena de não se poder fazer justiça ao esforço de pura interpretação jurídica sobre os acontecimentos do submundo da política.
A propósito, convém se transcrever o primoroso texto, ipsis litteris: “Os elementos oriundos dessas interceptações telefônicas e da colaboração premiada do ex-líder do Governo no Senado Federal, associados à existência de denúncia oferecida, com pedido de prisão pendente de exame judicial, e de investigações em curso constituem indícios convergentes de que a evolução do caso Lava Jato e as medidas processuais penais dele decorrentes, requeridas pelo Ministério Público Federal, provocaram forte apreensão no núcleo do Poder Executivo Federal e geraram variadas iniciativas com a finalidade de prejudicá-las, em distintas frentes. Nesse cenário, a nomeação e a posse do ex-presidente foram mais uma dessas iniciativas, praticadas com a intenção, sem prejuízo de outras potencialmente legítimas, de afetar a competência do juízo de primeiro grau e tumultuar o andamento das investigações criminais no caso Lava Jato. Os fatos que antecederam e se seguiram à nomeação e posse de Luiz Inácio Lula da Silva no cargo de Ministro Chefe da Casa Civil corroboram a conclusão de desvio de finalidade do ato.”.
O parecer em referência se reveste de especial importância porque o procurador-geral da República, há poucos dias, havia opinado favoravelmente à nomeação em apreço, dizendo que se tratava de ato privativo da presidente da República, conquanto tivesse sugerido que o caso do petista fosse julgado na primeira instância.
O parecer do procurador-geral da República sinaliza, com muita clareza, que o possível dever de "gratidão" que ele tinha para com o ex-presidente se encerrou nos pareceres anteriores, onde ele se manifestou pela legalidade da questionada nomeação, em processo que era também importante, mas a opinião para valer do Ministério Público, que deve prevalecer, por sintetizar a verdade, saiu agora e foi elaborado com maestria, que dá o verdadeiro tom do que representa o ato da presidente, inegavelmente destinado a interferir nas ações da Justiça, que até então desempenhava excelente trabalho para desvendar os fatos com possíveis irregularidades envolvendo o homem público mais emblemático da história política deste país.
Os brasileiros anseiam por que o Supremo Tribunal Federal apenas chancele as abalizadas e consistentes manifestações do procurador-geral da República, que se fundamentaram nos fatos reais e condizem com a premente necessidade de não mais se permitir que se possam prevalecer, em pleno século XXI, atos administrativos manifestamente com conteúdo arranjado, amoldado ao repudiável desvio da finalidade pública, visivelmente contrário ao interesse do bem comum, que a Excelsa Corte de Justiça não pode mais referendar a sua materialização, por representarem medidas absurdas e contrárias ao saudável princípio republicano. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 08 de abril de 2016

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