A
pedido de um ministro do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Corte
solicitou ao ministro da Economia, à procuradora-geral da República e ao
secretário da Receita Federal que adotem “providências
cabíveis” a respeito de investigação envolvendo um colega do mandatário do
Supremo.
O
ministro do Supremo enviou ofício ao presidente da Corte, após ter descoberto que
ele e a sua esposa são alvos de investigação pela Secretaria da Receita
Federal.
Conforme
a Reuters, a Receita Federal planejava promover “ação fiscal” para verificar a possibilidade dos crimes de
corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e tráfico de influência,
além de indícios de lavagem de dinheiro por parte da esposa do ministro.
No
ofício enviado ao presidente do Supremo, o ministro revela que teve acesso “extraoficialmente” aos documentos e
critica a ação dos fiscais.
O
ministro escreve no citado documento o seguinte: “O que causa enorme estranhamento e merece pronto repúdio é o abuso de
poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma
estratégia deliberada de ataque reputacional a alvos pré-determinados”.
O
magistrado também afirma que não recebeu qualquer intimação referente à suposta
apuração criminal, e que não teve acesso ao seu inteiro teor.
Em
razão da queixa do ministro, o presidente do Supremo houve por bem dar
conhecimento do caso às autoridades indicadas na inicial e pedir providências por
parte delas, nos seguintes termos, verbis:
“Solicito
que sejam adotadas as providências cabíveis quanto aos fatos narrados pelo
ministro Gilmar Mendes, conforme cópia do ofício em anexo, consistentes na
prática de atos ilícitos e respectivos responsáveis, os quais merecem a devida
apuração”.
Em
nota enviada à imprensa, o secretário da Receita Federal informou que “determinou, imediatamente, que a
Corregedoria da Receita Federal inicie a devida apuração” dos fatos citados
no supracitado ofício, cuja medida foi ratificada pelo ministro da Economia.
Em
princípio, os fatos permitem a ilação segundo a qual a investigação sobre o
ministro, pela Receita Federal, diz respeito exclusivamente ao magistrado, que,
para fins fiscais, ele precisa se explicar diretamente ao órgão que cuida dos
interesses do Leão, evidentemente depois das devidas notificações de praxe,
diante da evidência de se tratar de assunto pessoal, sem o envolvimento de
órgão público, em termos de investigação.
Ou
seja, o caso em si não tem qualquer vinculação com o Supremo nem com o seu
presidente, órgão ao qual o juiz apenas integra e quem ele jamais poderia
reclamar sobre as investigações que são, repito, estritamente de natureza pessoal.
O
que o ministro fez, pedindo providências às autoridades vinculadas à Receita
Federal, por intermédio do presidente do Supremo, não condiz com os princípios
republicanos da impessoalidade e da imparcialidade, porque compete exclusivamente
a ele, em se tratando de caso particular, pessoal, simplesmente procurar
resolver, moto próprio, porque o que ele fez chama-se simplesmente de abuso de
autoridade, na tentativa de solucionar questão pessoal, por meio do apoio do
presidente do Supremo, que envolveu o Ministro da Economia, a procuradora-geral
da República e o Secretário da Receita.
É
preciso que o ministro do Supremo se conscientize de que os pobres mortais, que
não é o caso dele, pegos na malha fina da Receita, não contam sequer com o socorro
dos servidores da Receita – quanto mais daquelas autoridades -, que normalmente
aplicam as normas previstas no ordenamento jurídico sobre a espécie e ainda os submetem
às penosas filas e outros insuportáveis maus-tratos próprios do sistema, porque
ali ninguém tem regalia nem pode esperar que as autoridades máximas do país vão
socorrê-los.
À
toda evidência que não se pode fazer juízo de valor sobre algo que se desconhece,
mas o ministro do Supremo precisa compreender que ele não é intocável, que não
possa ser investigado, em se tratando das graves suspeitas elencadas acima, envolvendo
possíveis crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e
tráfico de influência.
Sabe-se
que a investigação é procedimento normal de verificação se o cidadão comum,
aplicável a todo contribuinte, está corretamente em estado de regularidade
perante o Fisco, porque, se ele estiver, cumpre-se apenas ritual passível de aplicação
aos contribuintes, sem exceção, que, por lei, não podem merecer qualquer forma
de privilégio, nem mesmo de que sua situação pessoal seja cuidada pelo
presidente do Supremo, que certamente, em iguais condições, não vai se
interessar pelo caso do José Maria, porquanto, ele, por dever de Justiça, deveria
ter se recusado a ajudar o ministro, tendo a sensibilidade de não tomar as
dores de colega de trabalho, por dever ínsito dos ensinamentos insculpidos nos
princípios da imparcialidade e da impessoalidade.
O
ministro até pode criticar a ação fiscalizadora da Receita Federal, mas, no
Estado Democrático de Direito, esse órgão tem competência para apurar a
legitimidade sobre as movimentações patrimoniais dos contribuintes, não importando
se o alvo se trata de autoridade da República, que, nesse caso, realmente
precisa ser testada e passar pelo rigoroso crivo da regularidade das declarações
prestadas ao Fisco, na mesma forma como acontece com os demais contribuintes,
ou seja, para fins da confirmação sobre a correção patrimonial, não existe o
chamado foro privilegiado, porquanto todos são iguais perante a legislação
fiscal.
O
ministro perde excelente oportunidade para mostrar imaculabilidade e conduta
ilibada sobre seus atos na vida pública, ao invés de se insurgir contra mero
procedimento de fiscalização do Fisco, que não passa de ato de rotina com relação
aos contribuintes, embora, quando isso acontece, normalmente tem como base
alguma suspeita de irregularidade, principalmente quando determinadas operações
não baterem, no jargão contábil.
Nesse
caso, somente será resolvido por meio da devida investigação e, em termos de
transparência, não ficam bem as indevidas intromissões e interferências de
autoridades da República, porque o assunto precisa ser tratado na exclusiva seara
entre a Receita e o contribuinte, como se faz nos países sérios, civilizados e
evoluídos, em termos da legislação tributária.
Esse
lamentável fato somente demonstra que as autoridades da República brasileira
precisam se conscientizar, com urgência, sobre a ingente necessidade de
evolução quanto à responsabilidade sobre o verdadeiro sentido do interesse
público, que tem sido menosprezado e confundido, por vezes, com o interesse
particular, como nesse caso do ministro do Supremo, que jamais deveria
transferir a sua obrigação pessoal para a incumbência de autoridades da República.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 9 de fevereiro de 2019
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