sábado, 9 de fevereiro de 2019

Terrível mistura do público com o privado


A pedido de um ministro do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Corte solicitou ao ministro da Economia, à procuradora-geral da República e ao secretário da Receita Federal que adotem “providências cabíveis” a respeito de investigação envolvendo um colega do mandatário do Supremo.
O ministro do Supremo enviou ofício ao presidente da Corte, após ter descoberto que ele e a sua esposa são alvos de investigação pela Secretaria da Receita Federal.
Conforme a Reuters, a Receita Federal planejava promover “ação fiscal” para verificar a possibilidade dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e tráfico de influência, além de indícios de lavagem de dinheiro por parte da esposa do ministro.
No ofício enviado ao presidente do Supremo, o ministro revela que teve acesso “extraoficialmente” aos documentos e critica a ação dos fiscais.
O ministro escreve no citado documento o seguinte: “O que causa enorme estranhamento e merece pronto repúdio é o abuso de poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma estratégia deliberada de ataque reputacional a alvos pré-determinados”.
O magistrado também afirma que não recebeu qualquer intimação referente à suposta apuração criminal, e que não teve acesso ao seu inteiro teor.
Em razão da queixa do ministro, o presidente do Supremo houve por bem dar conhecimento do caso às autoridades indicadas na inicial e pedir providências por parte delas, nos seguintes termos, verbis:  Solicito que sejam adotadas as providências cabíveis quanto aos fatos narrados pelo ministro Gilmar Mendes, conforme cópia do ofício em anexo, consistentes na prática de atos ilícitos e respectivos responsáveis, os quais merecem a devida apuração”.
Em nota enviada à imprensa, o secretário da Receita Federal informou que “determinou, imediatamente, que a Corregedoria da Receita Federal inicie a devida apuração” dos fatos citados no supracitado ofício, cuja medida foi ratificada pelo ministro da Economia.
Em princípio, os fatos permitem a ilação segundo a qual a investigação sobre o ministro, pela Receita Federal, diz respeito exclusivamente ao magistrado, que, para fins fiscais, ele precisa se explicar diretamente ao órgão que cuida dos interesses do Leão, evidentemente depois das devidas notificações de praxe, diante da evidência de se tratar de assunto pessoal, sem o envolvimento de órgão público, em termos de investigação.
Ou seja, o caso em si não tem qualquer vinculação com o Supremo nem com o seu presidente, órgão ao qual o juiz apenas integra e quem ele jamais poderia reclamar sobre as investigações que são, repito, estritamente de natureza pessoal.
O que o ministro fez, pedindo providências às autoridades vinculadas à Receita Federal, por intermédio do presidente do Supremo, não condiz com os princípios republicanos da impessoalidade e da imparcialidade, porque compete exclusivamente a ele, em se tratando de caso particular, pessoal, simplesmente procurar resolver, moto próprio, porque o que ele fez chama-se simplesmente de abuso de autoridade, na tentativa de solucionar questão pessoal, por meio do apoio do presidente do Supremo, que envolveu o Ministro da Economia, a procuradora-geral da República e o Secretário da Receita.
É preciso que o ministro do Supremo se conscientize de que os pobres mortais, que não é o caso dele, pegos na malha fina da Receita, não contam sequer com o socorro dos servidores da Receita – quanto mais daquelas autoridades -, que normalmente aplicam as normas previstas no ordenamento jurídico sobre a espécie e ainda os submetem às penosas filas e outros insuportáveis maus-tratos próprios do sistema, porque ali ninguém tem regalia nem pode esperar que as autoridades máximas do país vão socorrê-los.
À toda evidência que não se pode fazer juízo de valor sobre algo que se desconhece, mas o ministro do Supremo precisa compreender que ele não é intocável, que não possa ser investigado, em se tratando das graves suspeitas elencadas acima, envolvendo possíveis crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e tráfico de influência.
Sabe-se que a investigação é procedimento normal de verificação se o cidadão comum, aplicável a todo contribuinte, está corretamente em estado de regularidade perante o Fisco, porque, se ele estiver, cumpre-se apenas ritual passível de aplicação aos contribuintes, sem exceção, que, por lei, não podem merecer qualquer forma de privilégio, nem mesmo de que sua situação pessoal seja cuidada pelo presidente do Supremo, que certamente, em iguais condições, não vai se interessar pelo caso do José Maria, porquanto, ele, por dever de Justiça, deveria ter se recusado a ajudar o ministro, tendo a sensibilidade de não tomar as dores de colega de trabalho, por dever ínsito dos ensinamentos insculpidos nos princípios da imparcialidade e da impessoalidade.
O ministro até pode criticar a ação fiscalizadora da Receita Federal, mas, no Estado Democrático de Direito, esse órgão tem competência para apurar a legitimidade sobre as movimentações patrimoniais dos contribuintes, não importando se o alvo se trata de autoridade da República, que, nesse caso, realmente precisa ser testada e passar pelo rigoroso crivo da regularidade das declarações prestadas ao Fisco, na mesma forma como acontece com os demais contribuintes, ou seja, para fins da confirmação sobre a correção patrimonial, não existe o chamado foro privilegiado, porquanto todos são iguais perante a legislação fiscal.
O ministro perde excelente oportunidade para mostrar imaculabilidade e conduta ilibada sobre seus atos na vida pública, ao invés de se insurgir contra mero procedimento de fiscalização do Fisco, que não passa de ato de rotina com relação aos contribuintes, embora, quando isso acontece, normalmente tem como base alguma suspeita de irregularidade, principalmente quando determinadas operações não baterem, no jargão contábil.
Nesse caso, somente será resolvido por meio da devida investigação e, em termos de transparência, não ficam bem as indevidas intromissões e interferências de autoridades da República, porque o assunto precisa ser tratado na exclusiva seara entre a Receita e o contribuinte, como se faz nos países sérios, civilizados e evoluídos, em termos da legislação tributária.  
Esse lamentável fato somente demonstra que as autoridades da República brasileira precisam se conscientizar, com urgência, sobre a ingente necessidade de evolução quanto à responsabilidade sobre o verdadeiro sentido do interesse público, que tem sido menosprezado e confundido, por vezes, com o interesse particular, como nesse caso do ministro do Supremo, que jamais deveria transferir a sua obrigação pessoal para a incumbência de autoridades da República.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 9 de fevereiro de 2019

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