domingo, 9 de março de 2014

A distante modernidade democrática

Já se tornaram rotineiros os encontros da presidente da República, em pleno expediente, no Palácio do Planalto ou Palácio da Alvorada com seu alto comando de campanha à reeleição, composto, basicamente, pelo ex-presidente da República petista; ministro da Casa Civil, ex-ministro da Comunicação Social do governo anterior, que deve comandar a equipe de redes sociais e operações de internet da campanha dela; chefe de gabinete da Presidência; marqueteiro da sua campanha; presidente do PT e futuro tesoureiro da campanha. Logo depois do Carnaval, a presidente se reuniu na residência oficial, com primazia de trabalho, durante o expediente, com os aludidos membros da sua campanha, conforme registro selado por foto, que foi divulgada pelo Instituto Luta. O encontro, segundo apurado pela imprensa, foi marcado, basicamente, para tratar da insatisfação do PMDB com o PT e o Palácio do Planalto. O assunto era tão importante que o ex-presidente chegou ao Palácio da Alvorada, por volta das 17h30 de quarta-feira. Não obstante, o PSDB, tendo considerado estranho o encontro da presidente com o ex-presidente e demais integrantes da equipe da campanha de reeleição, no Palácio da Alvorada, por identificar quebra da regra prevista na legislação eleitoral, decidiu questioná-lo junto ao Tribunal Superior Eleitoral, alegando a evidente prática de irregularidade. O partido de oposição deverá alegar à Justiça Eleitoral que o encontro em causa se reveste de patente ilegitimidade, em razão de ter ocorrido durante horário de expediente e em dependência pública, envolvendo o uso de patrimônio dos brasileiros, quando se trata de interesse particular, no caso, para discutir assunto relacionado à reeleição da presidente. A oposição está convicta de que houve a inobservância do disposto no artigo 73 da Lei nº 9.054, de 1997, que estabelece claras normas para as eleições, não possibilitando abuso dessa natureza. Entre as regras se encontra a de que proíbe agentes públicos de “ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária". Um parlamentar tucano disse que "Foi constrangedor. A presidente, ao retornar a Brasília, em pleno horário de expediente, abriu as portas do Palácio da Alvorada para uma reunião eleitoral. O TSE precisa se manifestar sobre isso. Se entender que pode, abre um precedente para todos os prefeitos, governadores. É um precedente perigoso e, a depender do posicionamento do TSE, ninguém mais vai poder questionar". No Estado Democrático de Direito, realmente, o governante não tem direito de fazer uso de bens públicos em aproveito pessoal ou partidário, eis que o patrimônio público não pertence ao mandatário ou ao partido ao qual é filiado. Ao contrário disso, o uso de repartições públicas para fins estranhos ao serviço público constitui grave irregularidade, configurando inclusive explícito abuso de poder. Além disso, a inobservância à regra que proíbe fazer campanha antecipadamente infringe flagrantemente a norma de regência, desrespeita as autoridades incumbidas de fiscalizar o processo eleitoral e trata os eleitores como ignorantes, por imaginar que eles não têm condições de perceber que esses encontros não se harmonizam com as regras que obrigam igualdade de condições para os candidatos, o que vale dizer que, se a presidente pode tratar da sua campanha antes do período previsto, os demais candidatos teriam o mesmo direito, inclusive de reunião também no Palácio da Alvorada, com direito ao usufruto das mordomias, que, como é notório, rolam à vontade nesses encontros. Nos termos da legislação eleitoral, a Justiça tem poder para aplicar multa aos agentes públicos que cederem ou usarem em benefício de candidato, partido ou coligação bens móveis ou imóveis pertencentes ao poder público. Como medida cautelar e pedagógica, além da penalidade legalmente prevista, é justo que também sejam apurados os prejuízos causados pelo desvio de função dos servidores públicos que participaram da reunião, bem assim do material público utilizado na ocasião, para fins do devido ressarcimento, como forma de moralizar a administração pública. Na verdade, o encontro antecipado da candidata situacionista somente demonstra o nível da campanha presidencial, a demandar seguidas infrações das normas legais aplicáveis à espécie, em clara demonstração de que o país ainda se encontra bastante distante da modernidade democrática, segundo a qual as regras pertinentes ao pleito eleitoral são observadas com o rigor compatível com o desenvolvimento cultural dos homens públicos e da população, que têm o dever não somente de cumprir, mas de exigir respeito à legislação eleitoral. Compete à sociedade, no estrito dever cívico, avaliar os verdadeiros homens públicos que têm condições de administrar o país com responsabilidade e competência, respeitando fielmente os princípios ético, moral, legal e principalmente a dignidade que se exige no exercício dos cargos públicos eletivos. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 08 de março de 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário