quarta-feira, 5 de março de 2014

Simples concurso de delinquentes?

A tarde do dia 27 de fevereiro de 2014 deve passar, com toda certeza, como fato bastante negativo para a história da República, por ter sido marcada pela indisfarçável tristeza do povo brasileiro diante do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de embargos infringentes, que resultou na isenção de petistas do crime de formação de quadrilha. A maioria dos ministros reconheceu, sem apresentar argumentos ou elementos plausíveis, em contraposição aos fatos robustamente constantes dos autos, que os mensaleiros não se uniram para funcionar com a eficiência e a excelência de organização criminosa e muito menos que eles tivessem constituído estrutura operacional segundo os princípios fundamentais de quadrilha, sob a harmonia no seu funcionamento criminoso. Foi notória a indignação do presidente da Suprema Corte diante da reforma da decisão sobre formação de quadrilha, que certamente encontra ressonância no âmbito das pessoas sensatas e honradas, que entenderam corajoso e oportuno seu feroz e adequado desabafo, consistente na afirmação, entre tantas verdades, de que se trata de “tarde triste para o Brasil”, em clara evidência da dimensão do quanto a medida adotada pela Excelsa Corte de Justiça representou malefício e prejuízo às pretensões de consolidação dos princípios democráticos, pilares do aperfeiçoamento e do desenvolvimento da humanidade, que não pode dissociar dos preceitos basilares da dignidade e da honradez. Há até quem tenha ousado concluir que o julgamento dos embargos infringentes representa clara derrota do presidente do Supremo, como se o seu magnífico trabalho de relator do processo do mensalão estivesse sendo avaliado na ocasião. Trata-se de conclusão precipitada e absolutamente errônea, porque, à toda evidência, quem restou devastada e derrotada, nesse episódio, foi a dignidade do povo brasileiro, que já se sentia satisfeito e um pouco honrado com a penalidade aplicada, com inteira justiça, pelo próprio tribunal, pela caracterização, com base nas investigações, do crime de formação de quadrilha, embora a leveza da dosimetria não se coadune com a gravidade das irregularidades, representadas pelo horroroso crime de desvio de recursos dos cofres públicos, justamente por servidores públicos que tinham a incumbência de zelar pela lisura e probidade no exercício de cargos públicos relevantes. Diante da diversidade dos crimes cometidos contra a administração pública, os mensaleiros deveriam ficar por muito mais tempo nas masmorras brasileiras, como forma de pagar pelos danos causados à sociedade, ante o indecoroso desvio de recursos públicos, e de as condenações exemplares poderem servir de lição para os corruptos que infestam a política brasileira. Na verdade, a reformulação do entendimento do Supremo tem o condão de causar enorme perplexidade no âmbito jurídico, pelo fato de os votos pela condenação terem por fundamento critérios da imparcialidade, da isenção e, sobretudo, da materialização dos fatos, à vista dos elementos constantes dos autos, a exemplo da anotação, agora, do decano do Supremo que chamou os réus de "meros e ordinários criminosos comuns" e classificou de "leniência" a decisão de absolvê-los por formação de quadrilha e que "Tal organização visceralmente criminosa em seu aparato funcional não pode ser lenientemente qualificada por expressão menor de simples concurso de delinquentes. Tem que se designada como quadrilha composta por pessoas comprometidas ao longo de extenso período de tempo com práticas criminosas, que merecem a repulsa do ordenamento jurídico". Veja-se que o decano da Corte tem autoridade de sobra para enquadrar os réus no crime de formação de quadrilha, em virtude de deixar claro que teria analisado o processo, enquanto o benjamim do Tribunal e seus seguidores terem demonstrado completo desprezo a igual cuidado, dando a entender que suas elucubrações argumentativas se distanciaram dos fatos reais. O certo é que a interpretação dos fatos não pode ser tão gritante e absurdamente afastada da realidade dos acontecimentos, a ponto de uns magistrados enxergarem com clareza a tipificação do crime de formação de quadrilha, enquanto outros somente conseguem vislumbrar a mera coautoria nos fatos delituosos, sem possibilidade de serem enquadrados em qualquer espécie de crime, como se nada tivesse acontecido de grave. Trata-se de desempenho nitidamente desrespeitoso tanto à magnitude da Excelsa Corte, que não combina com decisão questionável, quanto aos fins visivelmente pretendidos, como à dignidade do povo brasileiro, que repudia, com veemência, a formulação de entendimentos por encomenda e ao sabor das conveniências e dos interesses, em cristalino desrespeito aos princípios da dignidade, da moralidade e do decoro. A sociedade, no estrito cumprimento do seu dever cívico e patriótico, a exemplo do que fez o digno presidente do Supremo Tribunal Federal, tem obrigação de se indignar diante de fatos que não condizem com a normalidade dos preceitos de civilidade e de responsabilidade republicana. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 04 de março de 2014

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