quarta-feira, 19 de março de 2014

Distorção da finalidade institucional

Há pouco tempo, a Comissão de Ética da Presidência da República decidiu punir com advertência um ministro, por ter usado avião da Força Aérea Brasileira para viagem de interesse estranho ao serviço público. No caso, a advertência tem por finalidade tão somente prestar de “efeito moral” e servir de alerta a autoridade para evitar a repetição da conduta questionada. Segundo o presidente da aludida comissão, trata-se de puxão de orelha à autoridade, que foi advertida pelo uso indevido de avião oficial, não havendo necessidade de recomendação de demissão ou de algo mais contundente, porque não era nada muito grave, não houve agressão ao patrimônio público e o dano foi ressarcido aos cofres públicos, resultando simples imprudência compatível com a advertência aplicada ao ministro. O colegiado também decidiu mandar para o arquivo a representação contra a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, em razão de ela ter acusado, de forma imprudente, a oposição pela indústria dos boatos sobre o fim do programa Bolsa Família. Ele foi enfática ao aduzir que o “Boato sobre fim do bolsa família deve ser da central de notícias da oposição. Revela posição ou desejo de quem nunca valorizou a política”. Os integrantes da Comissão de Ética concluíram que a ministra não violou o Código de Conduta da Alta Administração Pública, que prevê regras de atuação das autoridades e dos servidores públicos, com o objetivo de evitar conflitos de interesse e violações éticas. Logo em seguida à boataria, a Polícia Federal concluiu que não ter havido ocorrência de crimes ou contravenções na onda de falsos boatos sobre o Bolsa Família, que resultaram na corrida de milhares de beneficiários às agências bancárias e casas lotéricas. No final das investigações, a Polícia Federal chegou à conclusão de que os boatos "foram espontâneos", não havendo como responsabilizar uma pessoa ou um grupo pelo incidente. O resultado das investigações da Comissão de Ética Pública é tão "importante" para o serviço público que, ao invés de recomendar punições ou medidas corretivas com cunho efetivamente exemplar, faz mero "puxão de orelha", que serve muito mais como incentivo e até liberação para que as autoridades se sintam bem à vontade para continuar cometendo falhas semelhantes, em total desvirtuamento da função precípua para a qual ela foi instituída, com o objetivo de examinar os fatos e dar parecer conclusivo, à luz da legislação aplicável à administração pública, oferecendo recomendação ou medidas substanciais e construtivas, para que sirvam de verdadeiras lições a serem seguidas como modelo de orientação para a melhor conduta do servidor público, em todos os níveis, inclusive de ministro. Na verdade, a sua função é apurar se os fatos denunciados constituem desvios graves de conduta e apontar medidas condizentes com os princípios da administração, inclusive mandar ressarcir, quando for o caso, os danos causados ao erário, além de recomendar a aplicação de penalidades que dignifiquem a administração pública. Não há a menor dúvida de que a primordial finalidade da Comissão de Ética Pública é assegurar a melhor qualidade ao exercício das funções e atividades públicas, de modo que os procedimentos de investigação, processo administrativo, sindicância e demais apurações possam realmente contribuir para o aperfeiçoamento e a modernização do serviço público, de modo que os fatos irregulares mereçam adequadas análises e conclusões, compatíveis com a finalidade institucional da comissão em apreço, que jamais deveriam ficar em simples puxões de orelha, que, na realidade, por não condizerem com a sua verdadeira função, mesmo porque medidas nesse diapasão não servem para justificar a sua existência, ante os elevados gastos despendidos com a sua manutenção e o comprometimento dos ilustrados e capacitados membros que a integram, que são servidores altamente qualificados e possuidores de notórios conhecimentos jurídicos e da ciência da Administração Pública, não justificando que as pessoas envolvidas ou denunciadas, quase sempre ocupantes de cargos relevantes, sejam invariavelmente inocentadas e os processos arquivados. Diante da sublime importância da Comissão de Ética Pública, seria de bom alvitre que a sua atuação levasse em conta a sua finalidade institucional de analisar os fatos denunciados e dar parecer técnico sobre eles, segundo a violação ou não dos ditames do Código de Conduta da Alta Administração Pública, como forma de aferir a regularidade dos casos envolvendo autoridades e servidores públicos, com o objetivo de aclarar possíveis conflitos de interesse e violações éticas e de sugerir as medidas realmente cabíveis e consentâneas com a realidade dos fatos. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
 Brasília, em 18 de março de 2014

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