domingo, 1 de março de 2015

Inexistência de escrúpulo

Diante da enorme e negativa repercussão em decorrência da decisão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados de liberar a concessão de passagens aéreas para cônjuges dos parlamentares, o presidente dessa Casa simplesmente reagiu quase ignorando as indignações da população sobre o caso, afirmando que os deputados não são obrigados a usá-la e que "só usa quem quiser".
À vista da decisão do PSDB de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para barrar o citado benefício, o mencionado presidente disse que "Veja bem, é só não usar. Não tem dificuldade nenhuma. Acho ótimo, quanto menos usar, menos a despesa. Eles poderiam também usar e diminuir a cota. Aí consequentemente facilitaria a economia". 
O PSDB alega que a terceira secretária da Mesa, que integra esse partido, teria votado contra a medida, contrariando o presidente da Câmara, que contou o voto dela, que apenas questionou a medida, tendo concordado com a proposta, na hora da votação. Ele disse que "A mesa aprovou com a participação do PSDB. Um dos deputados que mais me pediram é do próprio PSDB, que vem do Maranhão e que precisa".
Causa enorme estranheza a posição do presidente da Câmara, ao considerar "normal" a repercussão negativa sobre decisão tão absurda e contraditória com a realidade brasileira, e ainda tendo a indignidade de afirmar que, se a Mesa quiser, poderá revê-la. Ele ressaltou que o benefício era liberado até 2009 e que o PSDB o "usava muito. Por que se até 2009 não questionaram e estão questionando agora? Então deveriam ter questionado naquele momento".
O líder do PSDB na Casa, demonstrando perplexidade com a vergonhosa magnanimidade com recursos dos contribuintes, informou que o partido estaria impetrando medida judicial junto à Excelsa Corte de Justiça contra o indecente benefício. Ele alegou que "É inaceitável que, num momento em que a sociedade é penalizada com o aumento de impostos e alta nos preços, conceda-se esse privilégio aos parlamentares. É um contrassenso. O PSDB não fará parte dessa vergonha, também em respeito aos próprios cônjuges de seus parlamentares".
Na vã tentativa de justificar a tresloucada decisão, o presidente da Câmara ressaltou que a concessão de passagens aéreas para cônjuges não é um benefício extra, que muitos deputados precisam desta cota e que, no passado, seu uso não era tão restrito como é hoje, quando os parlamentares faziam uso livre da cota e o saldo acumulado poderia ser utilizado para lazer turismo. A insensibilidade do peemedebista é tanta que ele apenas disse que "Cada um faz o uso do mandato da forma que entender melhor", como se o parlamentar não tivesse compromisso com os princípios ético, moral de decoro.
A atitude do peemedebista dá a exata dimensão do quanto existe de promiscuidade na concepção do presidente de uma das Casas do Congresso, em cristalina demonstração da mínima preocupação do responsável e ordenador de despesas de bilhões de reais com a res publica, deixando transparecer não possuir a menor responsabilidade com os princípios da economicidade e da contenção de despesas, que sinalizam para a obrigatoriedade da observância da boa e regular aplicação dos recursos públicos, ou seja, em empreendimentos que tenham por propósito tão somente a satisfação do interesse público, que, à toda evidência, a concessão das questionadas passagens não se encaixa nesse salutar princípio de gasto governamental.
Impende se ressaltar que os cônjuges dos parlamentares tinham deixado de usufruir as benesses das passagens aéreas em 2009, graças à constatação de que congressistas, desavergonhadamente, faziam usa de recursos públicos para oferecimento de passagens para amigos e familiares viajarem tranquilamente pelo Brasil e exterior - caso que foi denominado como a “farra das passagens”.
Diante da situação de penúria dos brasileiros, à vista de mais de 56 milhões deles, representando mais de um quarto da população do país, encontrarem-se na dependência da transferência de renda do governo federal, por meio do benefício do Bolsa Família, causa motivo de consternação e de piedade diante da alegação do presidente da Câmara de que o deputado do Maranhão precisa das passagens, esquecendo ele que os parlamentares já têm direito, mensalmente, à verba de gabinete, no valor de R$ 92.053,20, para a contração de até 25 servidores; à cota parlamentar, para o pagamento de despesas com passagens aéreas, telefonia, correios, aluguel de escritórios de apoio à atividade parlamentar, hospedagem, combustíveis e fretamento de carros, entre outros inadmissíveis privilégios; auxílio moradia, no valor de R$ 4.200,00, além da remuneração mensal de mais de R$ 33 mil, que já seria mais do que suficiente para o custeio de suas despesas.
Impende se observar os servidores públicos estatutários fazem jus tão somente à sua remuneração, vetados os estapafúrdios e injustificáveis benefícios, mordomias, regalias e privilégios concedidos aos parlamentares, os quais não correspondem à sua contraprestação, em termos de produtividade, os quais ainda estabeleceram, em resolução, a necessidade do comparecimento ao Congresso Nacional somente de terça-feira a quinta-feira, enquanto os trabalhadores brasileiros são obrigados, sob pena de perder o emprego, ao comparecimento ao trabalho, pelo menos, quarenta horas semanais, cujo salário normalmente tem como parâmetro o mísero mínimo de R$ 788,00.    
É extremamente lamentável que a Câmara dos Deputados, que não tem o mínimo de escrúpulo de ser o segundo Parlamento do mundo mais caro e possivelmente o que menos produz em benefício da sociedade, tenha o desplante de aprovar a excrescência da concessão de passagens aéreas para quem não é servidor público e, por isso, jamais teria direito a se beneficiar de coisa alguma custeada com recursos públicos.
          Não há a menor dúvida de que essa medida não somente envergonha a classe política, como também demonstra pouco ou nenhum interesse dela quanto ao zelo pela coisa pública, quanto mais no momento crucial por que passam o povo e a economia brasileiros.
Urge que a sociedade se conscientize sobre a necessidade de reformulação dos padrões de representatividade da população, mediante a imposição de exigências aos homens públicos quanto à imperiosa obrigatoriedade do cumprimento dos princípios de economicidade e legalidade na aplicação dos recursos públicos, que somente podem ser destinados aos fins inerentes à satisfação do interesse público, sob pena de responsabilização pelo mau emprego do dinheiro proveniente dos tributos. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 1º de março de 2015

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