O
Tribunal de Contas da União houve por bem solicitar que a presidente da
República encaminhe explicações pertinentes a 13 fatos, preliminarmente,
considerados irregulares que travaram a aprovação de suas contas, referentes à gestão
de 2014, cuja responsabilidade foi atribuída diretamente à mandatária.
Nos
termos do voto do relator das contas do governo, as explicações devem ser dadas
pela petista, porque os atos irregulares partiram de documentos que só podem
ser assinados por ela, mesmo a responsabilidade pelos atos irregulares
vincula-se à figura da presidente do país, que tem a obrigação constitucional
de responder pessoalmente pelas consequências de seus atos.
Segundo
o TCU, as irregularidades se referem a atos que atrasaram repasses do governo
para bancos públicos pagarem benefícios sociais e programas de governo, as
chamadas "pedaladas", sendo que os casos considerados como mais
graves são as artimanhas no Orçamento de 2014, para se evitar que o governo
tivesse que conter despesas no ano em que a presidente disputava a reeleição.
O
relatório esclarece que o governo já tinha consciência, desde fevereiro de 2014,
de que ele não realizaria a arrecadação prevista e que suas despesas
obrigatórias seriam superiores à previsão orçamentária. Nesses casos, a Lei de
Responsabilidade Fiscal obriga o governo a cortar despesas não obrigatórias a
cada dois meses, o que não foi feito.
Sem
a menor preocupação com o agravamento da já periclitante situação de
descumprimento das normas de administração orçamentária e financeira, o Palácio
do Planalto, no fim do ano, aumentou suas despesas em mais R$ 10 bilhões e ainda
contou com o beneplácito do Legislativo, cujos parlamentares receberam dinheiro
de emendas para aprovação de lei desobrigando o governo de fazer economia de
gastos prevista no orçamento do ano, a título de superávit primário,
procedimento também considerado proibido pelo TCU, que concluiu que o governo
teria que cortar pelo menos R$ 28 bilhões, mas não fez.
O
imbróglio ganha contorno de gigantescas complicação e gravidade porque é a
primeira vez, na história republicana, que um presidente brasileiro é obrigado
a apresentar defesa pessoal sobre os gastos do seu governo, por imposição
constitucional e legal do órgão do controle externo, evidentemente tudo em consequência
da má gestão de verbas públicas, por força da irresponsabilidade e da
prepotência em nome da reeleição à Presidência da República, que levaram a
mandatária do país e assessores diretos a desprezarem as normas fundamentais de
administração orçamentária e financeira, de forma consciente e tranquila, sem a
menor preocupação com as consequências, inclusive possíveis sanções.
As
irregularidades apontadas pelo TCU consistem na infringência de dispositivos da
Constituição Federal, Lei de Responsabilidade Fiscal e Lei Orçamentária,
basicamente na falta de contabilização de dívidas do governo junto ao Banco do
Brasil, BNDES e FGTS (R$ 40,2 bilhões acumulados até 2014); no adiantamento da
Caixa Econômica Federal para pagar Bolsa Família, Seguro Desemprego e Abono Salarial
(R$ 7 bilhões em 2014); nos adiantamentos concedidos pelo FGTS à União, para
cobertura de despesas no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida (R$ 1,4
bilhão); nos adiantamentos concedidos pelo BNDES à União, para cobertura de
despesas no âmbito do PSI (Programa de Sustentação do Investimento); na ausência
de rol de prioridades e metas no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de
2014; no pagamento de dívida contratual junto ao FGTS do Minha Casa, Minha Vida
sem autorização do Orçamento; no uso de recursos além do aprovado no Orçamento
por estatais ligadas à Petrobras, Telebrás e Eletrobrás; na execução de despesa
de investimento sem dotação nos orçamentos de estatais ligadas à Petrobras e
Eletrobrás; na ausência de contingenciamento de despesas discricionárias da
União de, pelo menos, R$ 28,54 bilhões, quando já se sabia que não haveria
dinheiro para gastar; no condicionamento de aumento de gastos públicos à
aprovação de lei no parlamento que mudava meta de superávit; na inscrição
irregular em Restos a Pagar (dívida de curto prazo) de R$ 1,367 bilhão,
referentes a despesas do Programa Minha Casa Minha Vida, no exercício de 2014; na
omissão de transações deficitárias da União junto ao Banco do Brasil, BNDES e
FGTS, nas estatísticas dos resultados fiscais de 2014; e na existência de distorções
no Plano Plurianual 2012-2015, tornando-o sem confiabilidade.
Como
se pode verificar, sem qualquer dificuldade, as irregularidades levantadas pela
fiscalização são de extrema gravidade, por comprometerem a regularidade e a
exatidão das contas públicas, em razão de as chamadas “pedaladas fiscais” terem
o condão de distorcer, de forma continuada o resultado do desempenho
econômico-financeiro da União, pelo uso irregular de dinheiros de entidades
públicas, em dissonância com as normas aplicáveis à espécie, em que pesem as
reiteradas denúncias, à época, dos meios de comunicação, mostrando os
flagrantes e abusivos ferimentos das normas constitucionais e legais, nos casos
enfocados.
Não
há dúvida de que o TCU, ao divulgar a penca das irregularidades praticadas pelo
governo, por suas graves lesões aos regramentos jurídicos do país, que a
presidente brasileira teria se obrigado a observá-los, entre outros, no
juramento de posse, torna o caminho sem retorno quanto à materialização de
contas irregulares, eis que as infringências aos dispositivos indicados, em
cada caso, não apontam senão para a recusa das justificativas da presidente
sobre as suas manjadas “pedaladas”, que macularam irremediavelmente as contas
do governo, referentes ao exercício de 2014, tornando impossível o mesmo
tribunal se convencer em contrário, por força de argumentação sem o menor grau
de transformação dos atos irregulares em regulares, num simples passe de mágica,
mesmo em situação excepcionalíssima, porque haveria completa desmoralização da
imagem e do poder fiscalizador do principal órgão de controle das contas do
governo federal.
Compete
não somente ao Tribunal de Contas da União, mas também à sociedade repudiar e reprovar
a forma absolutamente promíscua como o país vem sendo administrado, ao sabor
das conveniências e oportunidades políticas, com indiscutíveis reflexos na
prestação dos serviços públicos, marcada pela péssima qualidade e pela completa
ausência de prioridades das políticas públicas; na condução das políticas
econômicas, com seu desastroso desempenho a contribuir para a recessão e a
perda das condições de desenvolvimento socioeconômico; na degeneração dos
princípios da moralidade, por meio dos reiterados casos de corrupção, que impõem
falta de confiança na gestão do governo e ausência de investimentos; e nas
abusivas e inadmissíveis inobservâncias de normas constitucionais e legais
pertinentes a despesas governamentais, em visível demonstração de incúria e de falta
de zelo quanto ao relevante desempenho das funções constitucional e legal inerentes
ao principal cargo do país. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 20 de junho de 2015
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