sexta-feira, 24 de maio de 2019

A essência da democracia


Diante de questionamentos que a sociedade vem fazendo sobre a liberação da posse de armas para algumas categorias, eu disse, em crônica, que até podem constituir inconstitucionalidade os atos presidenciais nesse sentido, mas nada se compara, em termos de responsabilidade pública, à fenomenal omissão das autoridades públicas quanto ao disposto no artigo 144 da Lei Magma do país, que estabelece precisamente que é obrigação do Estado proteger a sociedade e o patrimônio.
Na verdade, a regra ali prescrita não passa de letra gelada e inútil, sem qualquer eficácia, confirmando a plenitude da degradação imposta à segurança pública, que tem sido objeto de monstruoso desuso, há muito tempo, deixando à vista a esculhambação do que seja realmente o sistema pertinente, quando as autoridades públicas permitem o seu progressivo sucateamento, diante da completa falta de prioridade como política de Estado, além da visível incapacidade de formulação das estratégias de eficiência e efetividade da segurança pública, nos exatos termos inscritos no texto constitucional, que têm sido letras mortas e apagadas do mundo jurídico, embora a sua vigência é incontestável.  
Pouco importa, neste exato momento, se há ou não inconstitucionalidade nos decretos presidenciais, que até podem ter alguma valia para parcela ínfima da população, porque o governo e as autoridades públicas não estão nem aí para a principal causa da insegurança pública, com vistas à sua preocupação com a proteção das pessoas e do patrimônio, que deveriam merecer a atenção deles, como forma de se promover o saneamento da magistral crise reinante na segurança pública, que chegou ao limite, diante da banalização da criminalidade, a ponto de manter as pessoas de bem em verdadeiro estado de pânico, encurralada e reprimida, diante da violência e das limitadas condições de segurança e proteção.
Em razão desse quadro tenebroso de explícita falta de segurança e da impossibilidade de haver revolução por parte do governo, o atento amigo Ditinho Minervino, incursionando no mundo do ilusionismo, preconizou que, em apenas 90 dias, haverá recrudescimento da violência, obviamente por culpa da liberação das armas.
Eu disse ao Ditinho que eu sabia que ele era pessoa inteligente, mas desconhecia seu lado visionário, de fazer previsão sobre o que pode vir a acontecer com os fatos, no futuro, na expectativa de que ele pudesse prevê bons acontecimentos, para logo.   
Em resposta, ele me disse que “(...) bem que eu gostaria de prever coisas boas, mais infelizmente não depende de mim, já tenho falado muitas vezes que me considero realista, pois procuro ver o lado real da coisa. Bem que, na minha juventude, tive muita vontade de ser um ILUSIONISTA (só nos palcos). Acho que ver os acontecimentos pelo lado real, dói menos. Você sempre me fala que os problemas do Brasil devem ser resolvidos DEMOCRATICAMENTE. Seria maravilhoso se os políticos usassem a democracia com uns temperos, como HONESTIDADE, interesses em prol da nação e não usar a tal democracia como uma máscara. Veja a Constituição, no meu entender, dar trabalho fazer essa Carta Magna, que seria cumprida rigorosamente, com igualdade para todos. Mas, qualquer um que queira enxergar, verá que ela é toda remendada a cada necessidade de favorecimento ao político. ISTO É OU NÃO É REALIDADE?”.
Sem muita dificuldade, eu disse ao Ditinho que a verdade é que a democracia brasileira, na atualidade, depende muito de quem a pratica, à vista do que vem acontecendo, na prática.
Infelizmente, tem corrente que imagina que o desvio de conduto do homem público acontece normalmente em nome da democracia e como se isso fizesse parte dela, dando a entender que, mesmo em falta gravíssima, ele tivesse agido em benefício do bem comum, confundido propositadamente, de forma completamente distorcida e absurda, nesse caso, o verdadeiro sentido de interesse público.
Na verdade, essa aceitação plácida da falta de moralidade nada mais é do que a negação da conduta ética e não pode fazer, em hipótese alguma, parte da democracia, que tem como princípio essencial a correção, a legitimidade, os bons costumes e a dignidade.
Nesse viés distorcido da democracia, há quem ainda defenda que, mesmo estando fora da bitola do princípio da legitimidade, errado e indigno é aquele que se opõe aos desacertos e às irregularidades na gestão pública.
Na atualidade, a democracia brasileira é defendida por quem tem mais força de argumentos e consegue convencer o povão que o errado é considerado certo e vice-versa, em completa inversão de valores e princípios políticos e democráticos, em clara demonstração de que expressiva massa da população ainda se encontra ano-luz da realidade e da modernidade.
Exemplo real dessa afirmação se encaixa na cabeça de quem, a todo momento defende pessoa que teria sido considerado o melhor presidente do Brasil, sem nunca ter feito e concluído uma única obra pública de impacto, em longo período de governo, tendo conseguido tão somente fazer o que todo governo mediano e sem expressão tem o dever de fazer, como a construção de algumas escolas, universidades, estradas, além da manutenção de programas assistenciais de incumbência obrigatória do Estado, que terminaram se transformando em viés eleitoreiro - conforme mostram os resultados de eleições -, por meio de marketing vinculando à pessoa, quando tudo não passa de obrigação de Estado, a exemplo do que vem sendo feito pelo atual governo, que é de direita e até pretende pagar contribuição adicional, em forma de 13º, o que não constitui nenhuma novidade nem nada extraordinário, porque isso faz parte da assistência prestada normalmente à população carente, sem nenhuma conexão com fins eleitoreiros, senão com a obrigação de cumprir o dever assistencial regular, sem nenhuma exortação a indevido endeusamento.
Além do mais, a par de mostrar unicamente as qualidades de gestor, são omitidas, de forma proposital, as faces degradantes de gestão pública, notadamente acontecidas em todo processo de roubalheira acontecido durante grande parte de governo, conhecido pelos escândalos do mensalão e petrolão, em que, no último caso, os cofres da Petrobras serviram de “propinoduto” para abastecimento dos cofres de três partidos políticos, que tinham participação em percentuais de valores de contratos celebrados entre empresas e a petrolífera brasileira.
Tais recursos sujos serviram para fins escusos e imorais nas eleições, permitindo que houvesse burlas e ilegitimidades nos resultados eleitorais, ante o uso e a participação de dinheiro sujo no processo pertinente, mas absolutamente ninguém ousou assumir nada sobre essa sujeira que era indiscutível e mais do que suficiente para que o povo com o mínimo de dignidade e brio na cara tivesse coragem de se olhar no espelho e se perguntar se isso é realmente certo, correto, em termos de legitimidade e democracia, em que alguém foi considerado bom gestor, mas teve, de forma comprovada, reprovação nos quesitos probidade e moralidade com relação a aplicação de recursos na sua gestão, conforme mostram os fatos a todo instante sendo exibidos na imprensa escrita e televisada, que não deixam dúvidas quanto à falta de lisura e licitude no gerenciamento da caisa pública, dando a entender, por parte dessas pessoas, que não se pode condenar o homem público, por possíveis erros, quando ele teria sido pessoa boa no passado, ou seja, um fato é capaz de compensar outro, em total inversão de valores.  
Seria justo que, em termos democráticos, houvesse o confronto entre os atos de gestão regulares e os fatos desabonadores, para o fim de se verificar claramente que eles não se confundem, em relação à avaliação sobre a conduta moral que precisa ser sopesada diante da responsabilidade pública, que deve ser atribuída quando há necessidade de se depurar as condutas intrínsecas dos homens públicos, que têm o dever constitucional e legal de prestar contas sobre seus atos na vida pública, que não podem se desviar da regularidade, sob pena da responsabilização, como acontece normalmente nos países sérios, civilizados e evoluídos, em termos políticos e democráticos.
A democracia ou é real, edificadas em pilares consistentes de moralidade e licitude, ou simplesmente não existe, porque ela se consubstancia com a sublime e soberana vontade do povo, tudo em completa harmonia com os princípios intrínsecos de condutas exemplares e de atitudes dignas e verdadeiras, com embargo das demagogias e hipocrisias, que são próprias dos homens públicos aproveitadores das coisas públicas, que renegam os fundamentos do interesse público, como forma essencial das atividades políticas.     
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 24 de maio de 2019

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