quarta-feira, 8 de maio de 2019

Luxúria às expensas do erário


Inconformado com a acertada e justíssima proibição de comer medalhões de lagostas e outras finíssimas iguarias da cozinha internacional, além da bebida de vinhos importados e premiados, o Supremo Tribunal Federal conseguiu derrubar a decisão liminar que suspendia sua insensata licitação para contratar as refeições oficiais.
Um desembargador houve por bem cassar a aludida decisão liminar, com base e argumento que derruba o entendimento da juíza federal do Distrito Federal, que cancelou a indigna licitação do Supremo, sob o justíssimo argumento de que o edital da lagosta etc. e dos vinhos não se insere como "necessário para a manutenção do bom e relevante funcionamento do Supremo Tribunal Federal" e os itens exigidos na licitação "destoam sobremaneira da realidade socioeconômico brasileira, configurando um desprestígio ao cidadão brasileiro que arduamente recolhe seus impostos para manter a máquina pública funcionando a seu benefício".
A União Nacional dos Juízes Federais, a par de aplaudir o acerto da medida adotada pela juíza, conclamou que a Advocacia Geral da União não recorresse da decisão, o que não foi atendida no seu intento.
Na decisão, o desembargador federal decidiu que "o detalhamento do menu, constante do edital, para além de ser meramente exemplificativo, foi utilizado como parâmetro adotado pelas empresas licitantes para a composição de preços, expediente que reduziu a margem de subjetividade quanto à qualidade dos produtos licitados".
Ele entendeu que o pregão teve lance mínimo de R$ 463.319.30, abaixo do valor original de R$ 1,134 milhão, e que ainda que sua decisão "não se trata de mera liberação do prosseguimento da licitação", mas de alerta, por que a "tese acolhida no Juízo de primeiro grau referenda a preocupante ideia de que, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que abriga nada menos do que a Chefia de um dos Poderes da República, o Poder Judiciário, são concebidos atos com desvio de finalidade. O restabelecimento da verdade e o afastamento de tão preocupante nódoa demanda a imediata entrega da prestação jurisdicional requerida a teor do que já foi exposto nos fundamentos de mérito e diante do quadro fático de simples compreensão dos fatos".
O desembargador concluiu afirmando que “a licitude e a prudência com que se desenvolveu o processo licitatório desautorizam tal ideia, que reflete uma visão distorcida dos fatos, nutrida por interpretações superficiais e açodadas, daí se justificando o acionamento da excepcional jurisdição plantonista para que, imediatamente, se afaste a pecha indevidamente atribuída ao STF".
Senhor desembargador, tenha a santa paciência, porque a suspensão da vexaminosa e degradante licitação não aconteceu por mero detalhamento do menu, mas sim pela forma extremamente debochado com que o Supremo se houve, em comprar para o deleite de seus nobres membros comidas e bebidas que extrapolam em muito a sua importante finalidade institucional, incumbida que é exclusivamente do controle dos princípios constitucionais, que precisa ser exercido com a devida eficiência, sem necessidade alguma da compra de medalhões de lagosta e outras extravagâncias da culinária internacional, absolutamente incompatíveis não somente com o serviço público, mas especialmente com a realidade brasileira, onde muitas pessoas nem têm o que comer.
É lamentável que o Supremo simplesmente esbanje em gastronomia, como se aquela corte estivesse no mundo do petróleo ou das arábias, demonstrando extremo deboche aos brasileiros que pagam a sua insensata e recriminável luxúria, que não condiz com o combalido e raquítico Orçamento da União, quando muitos projetos e atividades deixam ser implementados exatamente por escassez de recursos.
Não se trata, em absoluto, do restabelecimento da verdade, como quis afirmar o desembargador, conquanto não há a menor dúvida de que o Supremo tem todo autonomia e autoridade para promover suas licitações, mas ele não pode é exorbitar deliberadamente dos princípios da economicidade, da modicidade, na aquisição extravagante de comidas e bebidas, totalmente fora da realidade e dos costumes brasileiros, quando não é dado ao serviço público promover abuso com recursos públicos, como é exemplo claro a licitação do Supremo.
Aliás, o Supremo diz que tomou por base, segundo justificativa dele, "(...) todas as normas sobre o tema e tendo por base contrato com especificações e características iguais ao firmado pelo Ministério das Relações Exteriores e validado pelo TCU", fato este que constitui gravíssimo erro, uma vez que esse ministério é responsável pelas recepções oficiais do governo – o Supremo tem outra incumbência constitucional, bem diferente do Itamaraty -, que também mostra que exagera no cardápio oferecido aos representantes da diplomacia internacional, conquanto igual luxúria precisa passar pelo crivo da moralidade, com o enxugamento do exagerado cardápio oferecido a eles, como se os brasileiros estivessem nadando em mar de dinheiro, quando a realidade é nua e crua verdadeiro mar de escassez, miséria e pobreza, que não se justificam tantas opulência e nobreza com o já minguado dinheiro dos contribuintes.
Trata-se de crime de lesa-pátria, diante das indiscutíveis dificuldades da prestação dos serviços públicos da incumbência do Estado, quando não é novidade para ninguém que muitos brasileiros morrem à míngua sem assistência médico-hospitalar, justamente pela falta de recursos, entre outras situações de precariedade, mas os ilustres ministros do Supremo fazem questão de ignorar notória calamidade humanitária, para satisfazer seus requintes nababescos e de opulência, ao insistir na contração de comidas e bebidas visivelmente estranhas às atividades do serviço público, em completo desrespeito aos salutares princípios segundos quais a finalidade estrita dos recursos públicos é a rigorosa satisfação do interesse público ou do bem comum, não se admitindo a ridícula e absurda compra cogitada pela Excelsa Corte de Justiça, que certamente imagina que a sua sede não é neste planeta Terra, mas sim em uma galáxia rica e poderosa, onde não há a miséria que grassa no país tupiniquim.
É preciso ficar patenteada a atitude de extrema infelicidade protagonizada pelo Supremo Tribunal Federal, que, como um dos órgãos dos Três Poderes da República, tem o dever ético, moral e cívico de zelar pelo patrimônio público, evitando gastos supérfluos, indiscutivelmente dispensáveis à eficiência e à efetividade do desempenho da sua missão constitucional, eis que não há, em hipótese alguma, amparo legal para a aquisição de comidas e bebidas com as exageradas e extravagantes especificações do seu edital, que foram consideradas abusivas e despropositadas pela sociedade, que não tolera mais ser explorada pela ineficiente e improdutiva máquina pública, a exemplo desse órgão do Judiciário, que acomodo em seus recintos mais de quarenta mil processos aguardando julgamento, em que pese a luxúria da gastronomia ali perpetrada.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 8 de maio de 2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário