quarta-feira, 8 de abril de 2020

Apenas provocação?


Um juiz federal da 4ª Vara Federal Cível de Brasília, em decisão que acolhe ação popular movida por advogado, determinou o bloqueio dos fundos eleitoral e partidário, cujos valores - superiores aos R$ 3 bilhões - não poderão ser depositados pelo Tesouro Nacional, à disposição do Tribunal Superior Eleitoral.
O magistrado houve por bem determinar que o montante pertinente fique à disposição do governo federal, para ser usado "em favor de campanhas para o combate à Pandemia de Coronavírus - COVID19, ou a amenizar suas consequências econômicas", sob o entendimento de que “a pandemia que assola toda a Humanidade é grave, sendo descabidas, aqui, maiores considerações sobre aquilo que é público e notório. Que tem afetado de forma avassaladora a vida do país".
No despacho, o juiz disse que, "Além da pandemia, e por causa dela, a crise econômica não é mais uma perspectiva. É concreta, palpável. Milhões de trabalhadores informais, autônomos e vários outros, em todo o país, já passam por dificuldades de ordem alimentar inclusive. O fechamento da maioria dos segmentos do comércio, nas maiores cidades brasileiras, tem gerado quebra e desemprego em massa. A economia preocupa tanto ou até mais do que a própria epidemia".
O magistrado disse, com muita ênfase, que “os sacrifícios que se exigem de toda a Nação não podem ser poupados apenas alguns, justamente os mais poderosos, que controlam, inclusive, o orçamento da União".
O corajoso e justo juiz concluiu seu despacho dizendo que, "Nesse contexto, a manutenção de fundos partidários e eleitorais incólumes, à disposição de partidos políticos, ainda que no interesse da cidadania (Art. 1º, inciso II da Constituição), se afigura contrária à moralidade pública, aos princípios da dignidade da pessoa Humana (Art. 1º, inciso III da Constituição), dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Art. 1º, inciso IV da Constituição) e, ainda, ao propósito de construção de uma sociedade solidária (Art. 3º, inciso I da Constituição)".
É preciso se reconhecer tamanha bravura de brasileiro que decidiu, sozinho com apenas caneta na mão, como arma estrategicamente mortífera, pôr por terra um império de batalhão composto por políticos poderosos, influentes e inescrupulosamente agindo em contrariedade aos interesses dos brasileiros, porquanto não há, nem em tempos de normalidade, a mais mínima que seja motivação plausível para justificar, em forma de bom senso e racionalidade, a destinação de montanha de recursos públicos simplesmente para serem torrados em campanhas eleitorais milionárias e jogados nos ralos da irresponsabilidade e da incompetência de muitos candidatos, alguns dos quais não fazem sequer por merecer o seu registro nos órgãos de controle eleitoral.
É preciso que fique muito claro que não há um único fato que mostre qualquer aproveitamento para a causa da população com o emprego dos recursos destinados aos supracitados fundos, diante da essencialidade de que a aplicação das verbas públicas, na forma das definições constitucionais e legais, além do respaldo nas normas de administração financeira e orçamentária, precisa atender e satisfazer às necessidades públicas.
À toda evidência, não se configura, nem minimamente, qualquer forma de atendimento da causa pública nas campanhas eleitorais, haja vista que os recursos, em qualquer dos fundos, não têm senão a finalidade de satisfazer questões partidárias e políticas, sendo que o seu grosso tem como serventia a queimação de dinheiro em propagandas abusivas e mentirosas de políticos, que enchem programas de rádio e televisão, além de carradas de “santinhos”, todos recheados de propagandas e publicidades inverídicas, com o propósito de enganar a consciência cívico-eleitoral, em cristalina e perversa maneira de se jogar dinheiro público para o lixo ou o ralo da esperteza política, às custas dos bestas dos próprios eleitores, que, em pleno século XXI, ainda concordam com essa triste e vergonhosa esculhambação, que precisa ser eliminada o mais rapidamente possível da vida dos brasileiros.  
Enquanto o mencionado magistrado teve visão em inteira sintonia com a vontade dos brasileiros, ao determinar que os mencionados recursos sejam usados pelo Executivo com o coronavírus, a Advocacia Geral da União já impetrou recurso junto ao Tribunal Regional Federal, pedindo a suspensão da liminar em apreço, sob a alegação de que tal decisão, em torno da mudança na destinação da verba, seria da competência dos poderes Legislativo e Executivo.
A AGU alega ainda que, "Consoante se observa do caso em apreço, a decisão impugnada interfere na execução orçamentária federal sem sequer indicar qualquer omissão imputável à União ou suas autoridades no tocante ao combate ao novo coronavírus, seja no campo médico, seja no campo econômico-social".
Embora a decisão do juiz federal da 4ª Vara Federal Cível se trate de medida da maior justiça, diante da aberração orçamentária representada pelos citados fundos, que devem existir, com tal estruturação, somente nas republiquetas, onde normalmente a população engole calada e silenciosa atos estapafúrdios como os que são materializados em nome enganoso da democracia, que disso não tem absolutamente nada, considerando que, na essência, a verdadeira democracia se consolida com a vontade do povo e este certamente não concorda com a existência desses famigerados fundos, de enorme ônus para seus bolsos.
Nas nações sérias, civilizadas e evoluídas, em termos político-eleitorais, os partidos se organizam e providenciam a sua subsistência com recursos que são conseguidos fora dos orçamentos públicos, exatamente porque elas se conscientizaram de que somente o Estado é que tem atribuição de satisfazer o interesse público, enquanto os partidos são instituições de fins sociais civis.
A precisa definição jurídica de partido é a organização de direito privado que, modernamente, compreende “a união voluntária de cidadãos com afinidades ideológicas e políticas, organizada e com disciplina, visando à disputa do poder político", ou seja, não tem nada que obrigue que o ônus da manutenção dos partidos seja do cidadão, que já tem o peso da máquina pública incompetente, emperrada e onerosa.
Enfim, como a decisão em tela contraria em cheio os interesses dos mais poderosos da República, a classe política que nunca esteve tão acima das consciências dos cidadãos, quando ela se acha no direito de aplicar, por ingerência orçamentária de competência privativa do Executivo, na forma da Constituição Federal, parcela expressiva das verbas públicas, em indevido e injusto proveito próprio, como é o caso dos questionados fundos, tem-se que a memorável decisão judicial não poderia passar mesmo de mera “provocação” ao principal poder do Brasil, que não tem limite na ganância por prerrogativas para usufruto próprio.
Brasília, em 8 de abril de 2020

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