segunda-feira, 20 de abril de 2020

E o amor à pátria?


O presidente da República participou, mais uma vez, de encontro com multidão aglomerada, onde fez discurso inflamado que contrariou políticos e juristas, à vista tanto da sua presença ao evento, por conta das medidas de isolamento social como pelo tom contundente e agressivo do pronunciamento direcionado ao mundo político.
O presidente disse aos presentes que "Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. O que tinha de velho ficou para trás, nós temos um novo Brasil pela frente", falando em referência aos políticos que se distanciaram do seu governo, em razão da nova mentalidade de gestão pública, que não contempla mais a distribuição de cargos e outros privilégios, em troca de apoio na aprovação dos projetos do Executivo no Congresso Nacional, na forma conhecida como “toma lá, dá cá”, prática esta muito cediça em gestões anteriores à dele.
No discurso, o mandatário afirmou que "Todos, sem exceção no Brasil, têm que ser patriotas e acreditar e fazer a sua parte para que nós possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece".
O presidente foi aplaudido pelos manifestantes, que portavam faixas em defesa de intervenção militar e vez ou outra gritavam frases contra o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e a favor do AI-5, o ato institucional editado durante o regime militar, que teve como essência o endurecimento do regime.
O presidente declarou que "Acabou a época da patifaria. Todos no Brasil têm que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro. Tenho certeza de que todos nós juramos um dia dar a vida pela pátria. Vamos fazer o que for possível para mudar o destino do Brasil.".
O presidente seguiu o discurso, abaixo de aplausos, tendo dito que fará "o possível" para mudar o destino do país, tendo garantido que a população pode contar com ele para fazer "tudo aquilo que for necessário" para manter a democracia e a "nossa liberdade".
Por fim, o presidente afirmou que estava ali por "acreditar" nos manifestantes e que "Chega da velha política".
Como o presidente brasileiro participou, de maneira exaustiva, desse ato que pode se tornar histórico, em especial por ele ter sido o principal ativista do evento, com discurso em tom que evidencia, na interpretação de políticos, magistrados e outros estudiosos da política brasileira, a sua adesão à intervenção militar, à edição ao AI-5 e ao fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, tão somente à vistas de muitas faixas postadas por pessoas participantes da manifestação, porque, em palavra não há nada que leve à absurda interpretação sobre a ruptura democrática.  
De imediato, o discurso do presidente suscitou fortes reações no mundo jurídico e político, tendo os principais líderes repudiado, com veemência, o que eles consideram que havia nele a pregação da ruptura democrática, por meio de apoio de ato antidemocrático, em clara afronta ao Estado Democrático de Direito.
Outros políticos concitaram a união dos democratas para se reuniram em torno da Carta Magna e em defesa da democracia, de modo que seja possível a união dos democratas para lutarem com o propósito da superação das dificuldades e divergências e em defesa das liberdades.
Como o presidente terminou sendo alvo de fortes censuras por parte da oposição, com severas críticos por sua participação em um ato que, segundo eles, defendia nova intervenção militar no país, ele declarou, de forma enfática, hoje cedo, entre outras posições, que “é contra o fim da democracia”.
Ele disse para a imprensa que, "No que depender do presidente Jair Bolsonaro, democracia e liberdade estão acima de tudo. O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já estou no poder. Eu já sou o presidente da República. Eu sou, realmente, a Constituição".
O presidente procurou esclarecer que não se trata do que estão o acusando de apoiar atos contra a Constituição, tendo dito que "Peguem o meu discurso. Não falei nada contra qualquer outro Poder. Muito pelo contrário. Queremos voltar ao trabalho, o povo quer isso. Estavam lá saudando o Exército brasileiro. É isso, mais nada. Fora isso é invencionice, tentativa de incendiar a nação que ainda está dentro da normalidade".
O presidente disse que a pauta do ato que teve sua participação era apenas "povo na rua, dia do Exército e a volta ao trabalho".
Confrontado com o fato de que os manifestantes também pediam a volta do AI-5, o presidente  afirmou que "pedem desde 1968. Todo e qualquer movimento tem infiltrados, tem gente que tem a sua liberdade de expressão. Respeitem a liberdade de expressão".
O presidente concluiu com a afirmação de quer o "Supremo aberto, transparente. Congresso aberto, transparente", sem deixar de atacar, no discurso, a imprensa e os governadores que tomaram medidas de restrição de circulação das pessoas para evitar a disseminação do coronavírus.
Na realidade, em momento algum, o presidente faz, no discurso – basta olhar no seu conteúdo -, qualquer apologia a atos contra a Constituição, na forma como a oposição tenta alardear, evidentemente para se criar situação de dificuldade à governabilidade, fato este que não passa de visível forçação de barra, ressalvado que a multidão realmente se manifestava fazendo a defesa de tudo aquilo que estão tentando atribuir ao presidente, que não tem a menor plausibilidade, diante dos fatos presenciais.
A verdade é que, nas circunstâncias, à vista das importantes medidas de isolamento contra o coronavírus, que estão em plena vigência, se o presidente tivesse o mínimo de bom senso e sensibilidade política teria evitado mais um tremendo desgaste, porque ele, como mandatário da nação, tem o dever primacial de dar o exemplo, procurando evitar participação em ato com aglomeração, porque isso é prova material de que ele descumpre juramento de posse, no sentido de cumprir fielmente o regramento jurídico do país, de vez que o isolamento se insere em normas editadas por governadores e prefeitos que precisam ser cumpridas por todos, nas localidades onde elas estão em vigência, como é o caso de Brasília.
No caso, não importa que ele seja o mandatário do país, porque as normas são obrigatórias para todos, indistintamente, desde a maior autoridade da nação até o sem poder de nada, porque se trata de precedente de péssimo exemplo para a sociedade em geral, que precisa consolidar o respeito ao ordenamento jurídico, tendo por base os bons modelos, principalmente do presidente da nação, mesmo que ele discorde do isolamento social, mas isso não justifica qualquer ato de rebeldia, diante da evidente desconstrução de importante lição, no sentido de que: se o presidente do país, que precisa dar o exemplo maior, não observa a regra, como quem do povo vai precisar cumpri-la?
Com vistas ao fiel cumprimento ao salutar princípio da cidadania, a que dele o presidente do país não tem como se ausentar, por mais que ele tente banalizar a sua atitude, impõe-se não somente a devida censura pública, mas a cobrança de que o mandatário da nação seja compelido a cumprir regra que é de abrangência aos cidadãos, cuja rebeldia implica o reconhecimento da prática de deliberado ato de incivilidade, muito prejudicial às sadias relações sociais.
Por fim, causa perplexidade se perceber a invocação de políticos e juristas para que haja união dos chamados democratas para lutarem em defesa das liberdades democráticas, enquanto, para a salvação do Brasil, que se encontra mergulhado até a raiz em crise profunda, das mais graves da sua história, de muitas matizes, principalmente econômica, política, social, entre outras, não se ouve uma minúscula voz, de quem quer que seja, implorando pelo desarmamento, pelo armistício ou por outra medida qualquer para que todas as forças política, jurídica, artística, intelectual, empresarial, bancária, industrial, populacional, enfim, os patriotas em geral se convirjam, se deem as mãos, para a trabalharem com o único propósito da reconstrução do Brasil, enquanto perdurarem as severas dificuldades, independentemente de ideologia, religião, etnia etc., porque urge reacender nos corações dos brasileiros o verdadeiro sentimento de amor à pátria.
Brasília, em 20 de abril de 2020

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