sexta-feira, 24 de abril de 2020

Um dia para esquecer


O ministro da Justiça e Segurança Pública entregou o cargo e, por óbvio, deixou o governo após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal pelo presidente da República.
O ex-juiz da Operação Lava-Jato se exonerou do governo na manhã de hoje, quando foi informado pelo próprio ex-diretor da PF sobre a substituição dele.
Diante desse episódio, a sua permanência no governo ficou insustentável, à vista da promessa do presidente de que ele tinha “carta branca” para a indicação dos diretores dos órgãos subordinados ao ministério comandado por ele, cuja garantia havia sido quebrada com a exoneração do citado diretor-geral.
Não é novidade de ninguém que o ex-juiz decidiu abrir mão da carreira de juiz federal, com 22 anos de efetivo trabalho, que lhe deu fama de herói nacional pela condução da Operação Lava-Jato, para virar superministro, tendo a garantia do presidente da República de ser-lhe assegurada totais condições para continuar na combativa lula contra a corrupção e a impunidade.
O agora ex-ministro se tornou famoso nacional e internacionalmente por sua bravura como o magistrado que conseguiu desbaratar o crime organizado perpetrado nos governos começados no início do século, esquema sistêmico e endêmico que se tornou mundialmente conhecido como o petrolão, por ter sido montado e estruturado para dilapidar os cofres da Petrobras, por meio de desvio de recursos de contratos celebrados por essa estatal.
Durante o tempo em que o ex-ministro esteve à frente da citada operação, ele julgou mais de cinquenta processos e mandou para a cadeia dezenas de aproveitadores de recursos públicos, entre importantes políticos, empresários, empreiteiros, executivos, operadores de câmbio e outros delinquentes assemelhados, além de ter determinada a devolução de milhões de reais aos cofres públicos.  
          À vista da sua autoridade como responsável implacável contra o crime, o ex-ministro se firmou como o ministro mais popular do atual governo, diante da sua aprovação superior à do próprio presidente do país.
A grandeza do ex-ministro chegou a tanto que o próprio presidente o qualifico como patrimônio nacional, graças à sua destacada e impressionante atuação no comando da Lava-Jato.
O ex-ministro apresentou à nação os principais motivos que o levaram a entregar o cargo, tendo afirmado que foi “fiel ao compromisso firmado com o presidente do país e que não tinha como persistir com ele sem as condições de trabalhar, sem a preservar a autonomia da Polícia Federal para realizar seus trabalhos”.
Ou seja, ele disse que não se sentia à vontade “sendo forçado a sinalizar uma concordância com uma interferência política na Polícia Federal cujos resultados são imprevisíveis.".
O ex-ministro declarou que o "Presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele (na Polícia Federal), que ele pudesse ligar, colher relatórios de inteligência. O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal e que a troca também seria oportuna da Polícia Federal.”.
O ex-ministro falou que “Temos que garantir o respeito à lei, à própria autonomia da Polícia Federal contra interferências políticas. Poderia ser alterado o diretor-geral, desde que eu tivesse uma causa consistente. Não tendo uma causa consistente e percebendo que essa interferência política pode levar a relações impróprias entre o diretor-geral, entre superintendentes, com o presidente da República, é algo que realmente não posso concordar." .
Ele disse que "Fui convidado para ser ministro. O que foi conversado com o presidente é que nós tínhamos um compromisso contra a corrupção, o crime organizado. Foi me prometido carta branca para nomear todos os assessores, inclusive nestes órgãos, Polícia Rodoviária Federal e a própria Polícia Federal.".
É até possível que muitas pessoas entendam que o ex-ministro tenha sido deselegante ao sair do governo atirando para tudo que é lado e há também outros que dizem que ele teria sido ingrato e outas afirmações na tentativa de tentar incriminá-lo, porque ele poderia apenas ter limpado as gavetas e deixar a fila andar, sem dizer nada, mas a sua sábia consciência pediu que ele dissesse a verdade sobre os fatos, para o bem do Brasil.
Ocorre que ressalvado o desconforto que sempre houve com relação à ciumeira do presidente de olho do principal cargo da Polícia Federal, não havia nada que desabonasse o trabalho do ministro, o que é bem diferente do que ocorreu recentemente no caso do ex-ministro da Saúde, onde este e o seu chefe tinham rusgas públicas de conhecimento de todos.
Nesse caso, caberia ao ex-ministro dizer à nação os reais motivos da sua discordância com a atitude do presidente, que foi exatamente a exoneração de diretor da sua confiança sem unzinho motivo, sem qualquer causa a justificar a medida truculenta, que, na verdade, ela existe, que é a necessidade de o presidente conhecer, conforme foi dito por ele, que já conhecia o trabalho de outros órgãos federais e, então, a sua autoridade presidência lhe autoriza também saber do que é investigado e o que se passa na Polícia Federal, fato que não vinha ocorrendo na gestão do diretor-geral exonerado, algo que também não tinha a complacência do ministro que teve a dignidade de não concordar com a pouca vergonha que agora o mandatário ficará livre para implantar no seu governo desmoralizado.
Aliás, a imprensa de hoje noticia que a troca de diretor-geral está ligada ao desconforto do presidente em relação às investigações da Polícia Federal, que apuram a rede de criação e disseminação de fake news contra desafetos do governo, que está muito próximo de conclusão, onde as provas aproximariam o caso de um filho dele, que trabalha no chamado gabinete do ódio, que utiliza ferramentas para disparar mensagens em massa contra alvos pré-selecionados que criticam as ações do Executivo.
Ainda há outra preocupação do presidente que diz respeito ao inquérito determinado, pelo Supremo Tribunal Federal, sobre as manifestações que pediram o AI-5 e o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo, também sob a incumbência da Polícia Federal e que os alvos são direcionados precisamente para filhos do presidente, tudo sendo realizado pela Polícia Federal.
Não se pode negar que, na forma da lei, cabe ao presidente da República a indicação e a nomeação dos principais cargos do Executivo, ressalvados os casos em que o titular tenha concedido carta branca ao ministro, que é o caso em discussão, em que esse compromisso precisa ser rigorosamente respeitado, à exceção de alguma irregularidade que o próprio presidente deva agir imediatamente, para se evitar mal maior, fato este que não ocorreu no Ministério da Justiça, onde ele apenas decidiu exonerar o diretor-geral da Polícia Federal, para, em seu lugar, colocar alguém que possa se afinar com a sua maneira nada republicana de gestão pública, conforme mostram os fatos.  
O pronunciamento do presidente do país, em resposta às acusações do ex-ministro, pareceu muito mais uma peça bufa, em que ele tenta, a todo instante menosprezar e denegrir a imagem deste, tendo aproveitado para tecer rosário de pecados dele, sem que unzinho se apresentasse como grave e comprometedor, fazendo acusações sobre omissões por parte da sua pasta, quando o assunto sobre recursos a tribunais é da competência da Advocacia Geral da União e de outros órgãos do governo.
Ou seja, foi muito espalhafatosa e medíocre a fala do presidente sobre episódio lamentável da República, no dia fúnebre para vida dos brasileiros, quando o que restou foi mesmo um mandatário que se apresentou completamente despido de argumentos plausíveis para esclarecer acusações gravíssimas e apenas teve a indelicadeza de tentar minimizar a grandeza de personalidade considerada por ele como patrimônio nacional, que não tendo feito nada de errado, foi obrigado a pedir a sua exoneração de governo falido, precisamente por não concordar com ato contrário à legitimidade.
Em simples exame de consciência, sem muito esforço, a saída do ex-ministro do governo, onde o ainda presidente eleito o colocou nas alturas, por acreditar que ele, como símbolo maior de moralização, seria a prova definitiva de sucesso de seu governo, nessa área de combate à corrupção, representa não o começo do fim de uma gestão, mas o próprio fim dela, principalmente pela perda de credibilidade por parte de muitos brasileiros honestos.
Em síntese, é bastante lamentável que o presidente que foi eleito prometendo mudanças de mentalidades, com destaque para a moralização da administração pública e das práticas políticas, a exoneração do ministro que é exatamente símbolo desse espírito de purificação põe por terra o restinho de credibilidade do que se esperava do governo.
O simples fato de intervir na Polícia Federal, com a arbitrária substituição do seu diretor-geral, que vinha realizando excelente trabalho e que foi promovida passando por cima do ministro, só demonstra segundo intenções maquiavélicas, objetivando a obtenção de outros resultados nada republicanos, que jamais seriam possíveis nas condições anteriores, porque os então titulares afastados não se prestavam para se desviar do estrito cumprimento de suas funções institucionais e legais.
Nem precisa o presidente vir a público para dizer que nada do que foi dito pelo ex-ministro não tem a menor credibilidade e muito menos plausibilidade, porque ele não tem como provar, mas o corolário do que afirmou o ex-ministro é apenas a exoneração do diretor-geral, sem a concordância dele, tendo por finalidade a sua substituição possivelmente por pessoa subserviente ao presidente e isso tem cheiro pútrido e fica péssimo demais para o governo, que não consegue uma nesga sequer de argumento para tentar justificar a fragilidade de seu ato absolutamente desnecessário e contrário à legitimidade.
Com o coração contristado com o afastamento do herói nacional do governo, os brasileiros de bem têm o dever cívico e patriótico de dizer muito obrigado senhor doutor Sérgio Moro, por sua bravura e dignidade de ter, até o presente momento, trabalhado em prol da moralização do Brasil, tendo inclusive se sacrificado com a perda do importante cargo de juiz federal em nome dos brasileiros, que certamente estarão sempre ao seu lado quando deles precisar, porque o seu prestimoso e importantíssimo trabalho, principalmente à frente da Operação Lava-Jato, jamais será esquecido.
Brasília, em 24 de abril de 2020

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