quinta-feira, 9 de abril de 2020

O poder da mente?


(A crônica abaixo é um misto de realidade e ficção, que escrevi para satisfazer pedido que me foi formulado pelo Clube dos Autores, no âmbito do “Projeto Crônicas de Quarentena”, cuja experiência tem tudo com brincadeira que imaginei, aproveitando a existência do coronavírus).

Depois de quase quarenta e cinco anos trabalhando no serviço público e acostumado a escrever bastante nos processos, a vida toda, na aposentação, a minha alternativa foi continuar com a mesma tranquilidade haurida ao longo da vida, com muita e louca intensidade.
Isso me obrigou a ficar muito tempo à frente do computador, escrevendo sobre os fatos da vida, com abordagem, análise e opinião sobre assuntos relacionados com a economia, a  administração pública, a  política, a segurança pública e outros tantos temas que interessam à sociedade.
Não obstante, o que poderia apenas ser o importante preenchimento do ócio, depois da aposentadoria do serviço público, passou a despertar a atenção de familiares, que entendiam que ficar “trinta” ou mais horas por dia no computador, basicamente escrevendo mil bobagens, não parecia coisa de gente com juízo centrado no crânio encefálico, e as críticas logo vieram e permaneceram, diante da perda natural de interação e integração com a família, o que é mais do que compreensível, porque não é fácil se entender que a pessoa que se aposente não consiga ter tempo para as pessoas mais próximas.
Foi então que tive a feliz ou infeliz ideia de recorrer ao deus imaginário que fizesse algo para mim socorrer, de modo que ele mostrasse para meus familiares que a minha atitude estava compreendida no contexto da racionalidade, sem ferimento ao conceito de inteligência humana, em razão de a causa da possível perda do tempo só escrevendo faz absoluto sentido, diante da possibilidade de alguém com bastante inteligência e boa vontade enxergar algum aproveitamento nas palavras postas nas crônicas.
Com o fervor genial do maior escriba da face da Terra, pelo menos o que dedica seu maior tempo teclando letras diante do computador, esperava que o referido deus me acudisse, apenas no tamanho da diminuta fé que imagino possuir, para mostrar aos meus entes queridos que a minha experiência era tão somente pequena contribuição para o aprimoramento da humanidade, que precisa valorizar cada vez mais quem fique eternamente escrevendo textos, continuamente.
Mas, para a minha inacreditável surpresa, o deus da Ciência Biológica, enfim, atendeu, não sei se gentilmente o meu pedido, e decidiu criar o condenável Covid-19, o conhecido popularmente “coronavírus”, que tem origem na China, um monstrinho em forma e aparência do fruto da mamona, muito conhecido pelos amados nordestinos, cujo vírus simplesmente vem aterrorizando a população da face da Terra, com o seu invisível jeitão de bom-moço, que foi comparado ao “resfriadinho”, mas ele tem cara de muita malvadeza, principalmente com relação aos bravos idosos e às pessoas que têm comorbidades.
Por consequência disso, diante do enorme temor dos devastadores estragos causados pelo citado vírus, que até foi também respeitosamente cognominado por autoridade brasileira de “gripezinha”, a população do mundo inteiro foi aconselhada a ficar em casa, em obsequiosa “quarentena”, tendo como principal argumento de que a melhor opção de entretenimento é ficar as vinte e quatro horas do dia e outras mais que restarem à frente do computador, aproveitando para escrever todas as bobagens que aparecerem à sua imaginação, tal qual como eu havia iniciado há bastante tempo, cuja experiência, de tão salutar, ajudaria não somente fazer com que o tempo passasse tão rapidamente e ainda faltasse um pouco para a conclusão de importantes textos.
Além disso, a quarentena tem o poder de mostrar ao mundo a minha importante contribuição para o preenchimento do citado ócio e convenceria às demais famílias que a minha ocupação computacional se trata de algo genial que precisa ser consolidado durante o pouco tempo da necessária quarentena, de apenas dois ou três meses, que as pessoas são compulsoriamente isoladas nas suas casas, evitando, sabiamente, que a peste do século possa contaminar ainda mais pessoas.
Embora bastante questionável por muita gente, à toda evidência, até se provar em contrário, a quarentena obrigatória é forma racional de se compreender que as pessoas estão protegidas contra o contágio do coronavírus, à vista do isolamento, que é forma essencial para se fugir da rota de colisão com esse terrível e invisível mal.
Lamento profundamente que o deus da Ciência Biológica não tenha compreendido exatamente a extensão do meu pedido, que tinha por abrangência tão somente forma de lição especial à minha querida família, que estava precisando de importante exemplo de como compreender melhor a ansiedade de ancião que só consegue tentar escrever, em que pese esse comportamento possa ser comparável à doença da compulsão, no bom sentido, na esperança de que isso pudesse servir de ensinamentos para as pessoas que precisam preencher o precioso tempo de vida, fazendo o que realmente mais gosta.
Peço desculpas à população do mundo que realmente teria acreditado que tenha sido o meu pedido àquele deus com ideias malucas, deformadas e estapafúrdias que deu origem a tragédia que se abate sobre a humanidade, porque certamente o meu pleito teria sido completamente distorcido, diante da boa e genial intenção de somente querer mostrar aos meus queridos familiares que o meu comportamento é forma mais do que explícita do amor a eles, considerando que as horas perdidas à frente do computador contribuem para multiplicar os anos de vida e o contato com eles, na existência terrena.
          Brasília, em 3 de abril de 2020

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