(A crônica abaixo é um
misto de realidade e ficção, que escrevi para satisfazer pedido que me foi formulado
pelo Clube dos Autores, no âmbito do “Projeto Crônicas de Quarentena”, cuja
experiência tem tudo com brincadeira que imaginei, aproveitando a existência do
coronavírus).
Depois de
quase quarenta e cinco anos trabalhando no serviço público e acostumado a
escrever bastante nos processos, a vida toda, na aposentação, a minha alternativa
foi continuar com a mesma tranquilidade haurida ao longo da vida, com muita e
louca intensidade.
Isso me
obrigou a ficar muito tempo à frente do computador, escrevendo sobre os fatos
da vida, com abordagem, análise e opinião sobre assuntos relacionados com a economia,
a administração pública, a política, a segurança pública e outros tantos
temas que interessam à sociedade.
Não
obstante, o que poderia apenas ser o importante preenchimento do ócio, depois
da aposentadoria do serviço público, passou a despertar a atenção de familiares,
que entendiam que ficar “trinta” ou mais horas por dia no computador,
basicamente escrevendo mil bobagens, não parecia coisa de gente com juízo centrado
no crânio encefálico, e as críticas logo vieram e permaneceram, diante da perda
natural de interação e integração com a família, o que é mais do que compreensível,
porque não é fácil se entender que a pessoa que se aposente não consiga ter tempo
para as pessoas mais próximas.
Foi então
que tive a feliz ou infeliz ideia de recorrer ao deus imaginário que fizesse
algo para mim socorrer, de modo que ele mostrasse para meus familiares que a
minha atitude estava compreendida no contexto da racionalidade, sem ferimento
ao conceito de inteligência humana, em razão de a causa da possível perda do
tempo só escrevendo faz absoluto sentido, diante da possibilidade de alguém com
bastante inteligência e boa vontade enxergar algum aproveitamento nas palavras postas
nas crônicas.
Com o
fervor genial do maior escriba da face da Terra, pelo menos o que dedica seu
maior tempo teclando letras diante do computador, esperava que o referido deus
me acudisse, apenas no tamanho da diminuta fé que imagino possuir, para mostrar
aos meus entes queridos que a minha experiência era tão somente pequena contribuição
para o aprimoramento da humanidade, que precisa valorizar cada vez mais quem fique
eternamente escrevendo textos, continuamente.
Mas, para
a minha inacreditável surpresa, o deus da Ciência Biológica, enfim, atendeu,
não sei se gentilmente o meu pedido, e decidiu criar o condenável Covid-19, o
conhecido popularmente “coronavírus”, que tem origem na China, um monstrinho em
forma e aparência do fruto da mamona, muito conhecido pelos amados nordestinos,
cujo vírus simplesmente vem aterrorizando a população da face da Terra, com o
seu invisível jeitão de bom-moço, que foi comparado ao “resfriadinho”, mas ele
tem cara de muita malvadeza, principalmente com relação aos bravos idosos e às pessoas
que têm comorbidades.
Por
consequência disso, diante do enorme temor dos devastadores estragos causados
pelo citado vírus, que até foi também respeitosamente cognominado por
autoridade brasileira de “gripezinha”, a população do mundo inteiro foi aconselhada
a ficar em casa, em obsequiosa “quarentena”, tendo como principal argumento de
que a melhor opção de entretenimento é ficar as vinte e quatro horas do dia e
outras mais que restarem à frente do computador, aproveitando para escrever
todas as bobagens que aparecerem à sua imaginação, tal qual como eu havia
iniciado há bastante tempo, cuja experiência, de tão salutar, ajudaria não somente
fazer com que o tempo passasse tão rapidamente e ainda faltasse um pouco para a
conclusão de importantes textos.
Além disso,
a quarentena tem o poder de mostrar ao mundo a minha importante contribuição
para o preenchimento do citado ócio e convenceria às demais famílias que a
minha ocupação computacional se trata de algo genial que precisa ser
consolidado durante o pouco tempo da necessária quarentena, de apenas dois ou três
meses, que as pessoas são compulsoriamente isoladas nas suas casas, evitando,
sabiamente, que a peste do século possa contaminar ainda mais pessoas.
Embora
bastante questionável por muita gente, à toda evidência, até se provar em
contrário, a quarentena obrigatória é forma racional de se compreender que as pessoas
estão protegidas contra o contágio do coronavírus, à vista do isolamento, que é
forma essencial para se fugir da rota de colisão com esse terrível e invisível mal.
Lamento
profundamente que o deus da Ciência Biológica não tenha compreendido exatamente
a extensão do meu pedido, que tinha por abrangência tão somente forma de lição especial
à minha querida família, que estava precisando de importante exemplo de como compreender
melhor a ansiedade de ancião que só consegue tentar escrever, em que pese esse
comportamento possa ser comparável à doença da compulsão, no bom sentido, na
esperança de que isso pudesse servir de ensinamentos para as pessoas que precisam
preencher o precioso tempo de vida, fazendo o que realmente mais gosta.
Peço
desculpas à população do mundo que realmente teria acreditado que tenha sido o
meu pedido àquele deus com ideias malucas, deformadas e estapafúrdias que deu
origem a tragédia que se abate sobre a humanidade, porque certamente o meu
pleito teria sido completamente distorcido, diante da boa e genial intenção de
somente querer mostrar aos meus queridos familiares que o meu comportamento é
forma mais do que explícita do amor a eles, considerando que as horas perdidas
à frente do computador contribuem para multiplicar os anos de vida e o contato com
eles, na existência terrena.
Brasília, em 3 de abril de 2020
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