sexta-feira, 17 de abril de 2020

Questão de bom senso


Diante da crônica da minha lavra, intitulada “A canseira do coronavírus?”, versando sobre a crise que existia entre o presidente da República e o então ministro da Saúde acerca da condução das políticas de combate ao referido vírus, cujo assessor até já foi substituído, muitas pessoas se manifestaram, ganhando destaque a mensagem com os seguintes dizeres: “Quem em sã consciência demite o que há de melhor em um governo no combate a uma pandemia? Só um louco!”.
Em resposta à distinta autoria da dessa opinião, eu digo que, com todo respeito ao seu elevadíssimo nível de avaliação sobre o trabalho do ex-ministro, sem desmerecer a enorme competência dele, mas é certo que ninguém pode garantir, exatamente por falta de elementos plausíveis, que outro médico no cargo exercido por ele não poderia ter feito trabalho muito melhor.
Pode até ser considerada loucura a exoneração de ministro em plena guerra, mas, nas circunstâncias, loucura maior seria continuar na batalha com o seu principal general discordando da sua orientação, mesmo que ruim ou como seja, mas trata-se de ideias do comandante, que tem o dever de assumir, conforme o caso, a culpa ou os louros pelo resultado das medidas adotadas no curso da batalha.
Quer queira ou não, quem comanda o Brasil, no sistema político atual, conforme o previsto na Constituição Federal, é o presidente da República, que até demonstra ter seus momentos de questionamentos pela população, que são notórios, em algumas situações, mas, convenhamos, ele não poderia ficar sendo confrontado publicamente, com veemência, por ministro que demonstrou total competência no seu trabalho, tanto que as ações de governo, quanto às políticas contra o coronavírus e que estão prevalecendo, com plena vigência, foram implantadas por exclusiva orientação dele e não do presidente.
Ou seja, em que pese o presidente do país ser contrário parcialmente ou a tudo o que foi feito pelo então ministro, no fundo, o que existe em execução é da obra e graça dele, que jamais deveria ter pensado em discutir em público com o eu então chefe.
Em síntese, não caberia ao ministro mostrar publicamente que o presidente estava errado e o pior, de forma enfática, porquanto, na avaliação da opinião pública, o seu trabalho foi realmente excelente, sem também chegar ao ponto de considerá-lo insuperável, porque talvez ele imaginasse que não pudesse aparecer outra pessoa também com experiência e outros conhecimentos em condições de substituí-lo.
Tudo isso é muito relativo e serve para mostrar que o trabalho feito pelo ex-ministro contribuiu muito para que ele se sentisse figura de total notoriedade a ponto de ser considerado insubstituível no governo, por talvez imaginar, como muitas pessoas ainda pensam, evidentemente sem base científica, que seria verdadeira loucura dispensá-lo ao meio ao fogo cruzado, na certeza de que não se conseguiria algum maluco para aceitar entrar na guerra, no seu auge, onde as dificuldades se potencializam e os recursos são cada vez mais escassos e limitados, fatos estes que conspirariam exatamente para tornar inviável a substituição do ministro e, com isso, ele poderia dizer o que bem quisesse sobre a incompetência presidencial.
Nada impedia que o ministro tivesse as piores impressões sobre as opiniões e os conhecimentos do presidente sobre saúde pública, mas, se ele quisesse mesmo permanecer no cargo, bastava as manter no seu silêncio, porque elas não tiveram nenhuma influência do trabalho dele, conforme dito acima, sendo, à toda evidência, muito mais amargurante para o chefe, que não conseguiu emplacar nenhuma ideia para ser executada no combate ao coronavírus.
Aliás, caso alguma medida fosse determinada pelo presidente e o então ministro a considerasse absurda, estapafúrdia, também ele teria o direito senão de dizer que não a implementaria e, sem nenhuma crítica, entregaria o cargo, porque é exatamente assim que devem proceder as pessoas inteligentes e de caráter, mas jamais se submeter ao ridículo de criticar, em público e de forma ruidosa, o presidente da República, não importando se ele entende de alguma coisa ou não.
É preciso se compreender que a função do presidente do pais - como de resto, dos demais ocupantes de cargos púbicos eletivos - foi delegada pelo povo, com poderes para ele comandar todos os brasileiros, que gostem ou não, mesmo porque se não fosse ele seria outro homem público, de qualquer ideologia, que estaria investido dos mesmos poderes de mandatário do país e todos os cidadãos teriam a obrigação de aceitar a situação na forma exatamente como ela se oferece.  
Quanto a esse imbróglio, ainda no governo, o então ministro da Saúde admitiu a auxiliares ter exagerado na dose, conforme notícia publicada na imprensa, nestes termos: “reconheço ter cometido um erro estratégico ao elevar o tom do embate com o presidente Jair Bolsonaro sobre a conduta do governo federal no enfrentamento ao novo coronavirus”, tendo prometido, na ocasião, submergir nos próximos dias, para sair do foco da crise.
Ou seja, o então ministro reconheceu que o seu arroubo de avaliação sobre as opiniões consideradas furadas do presidente brasileiro foram muito além do limite de tolerância, tendo superado até mesmo os seus planos estratégicos, conforme ele citou acima, que devem ter sido preparados com fins políticos, o que evidencia cristalino desvio de finalidade no exercício de relevante cargo público.
Possivelmente, os planos do ex-ministro de desmoralização da autoridade do presidente com alguma deficiência de preparo foram interrompidos, tendo fracassado também o seu projeto político, porque ele pode ter sido muito ingênuo de ter se aprofundado de forma exagerada no confronto contra pessoa à qual ele devia compromisso de lealdade hierárquica e fidelidade à subordinação funcional, como forma da manutenção da integridade republicana.
A propósito da atribuição de ato de loucura presidencial, não é somente de agora que o mandatário vem sendo tachado de sem juízo, porquanto, na formação do seu ministério, ele teve a ingenuidade de nomear, pasmem, apenas pessoas qualificadas, preparadas, com mérito técnico-profissional reconhecido pela opinião pública e imprensa especializada, para seus assessores diretos, a exemplo do então ministro da Saúde.
Essa indiscutível loucura teve o condão de contrariar, diametralmente, o pensamento dos governos anteriores, que, inteligentemente, na opinião de muitos entendidos brasileiros, promoviam o loteamento e a distribuição de cargos de ministérios e empresas estatais entre partidos políticos, com a fomentação do seboso e abominável sistema do “toma lá, dá cá”, onde cada agremiação pertencente à chamada coalizão de governabilidade se apoderava dos orçamentos desses órgãos e entidades e tinha o direito às nomeações de seus apadrinhados e à distribuição dos recursos segundo às suas conveniências políticas, em detrimento dos interesses nacionais.
Na verdade, quer queira ou não, a exoneração do ministro da Saúde precisa ser entendida, independentemente da competência ou de outros atributos dele, como importante lição não de loucura do presidente da República, mas sim de ensinamento pedagógico de que, na vida pública ou privada, é preciso haver a conscientização de que a ordem, a disciplina e o respeito às instituições e às autoridades constituídas são a base do desenvolvimento e do progresso.        
Enfim, o então ministro da Saúde foi exonerado em razão da sua indiscutível indisciplina contra o presidente da República, em que pese a sua reconhecida capacidade profissional, de extrema importância, mas ela, por si só, não apenas no Brasil nem em outro país civilizado e evoluído do mundo, pode prevalecer incólume sem o devido acatamento aos demais princípios civilizatórios e de cidadania, que precisam ser cultuados de forma unissonante, como maneira harmoniosa do funcionamento da administração de qualquer instituição ou do país.
Brasília, em 17 de abril de 2020

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