terça-feira, 28 de abril de 2020

Velhas ou novas políticas?


O presidente da República nomeia o delegado da Polícia Federal, que é o mesmo que foi rejeitado pelo ex-ministro da Justiça e que deu causa à exoneração deste, para comandar essa corporação, a despeito das alegações sobre suspeitas de relações próximas da família presidencial e do próprio nomeante.
Por ocasião da sua saída do ministério, o ex-juiz afirmou que o presidente brasileiro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, ao demitir o então diretor-geral desse órgão, alegação esta que tem sido negada pelo seu ex-chefe, que, ao contrário, declarou que “Moro propôs aceitar a exoneração do então diretor-geral da corporação se fosse indicado ministro do STF.”.
Esse fato foi negado pelo ex-ministro, que aproveitou o ensejo para contra-atacar, mostrando conversa onde uma deputada implorava para que ele aceitasse a indicação do ora nomeado, que ela defenderia a indicação dele para o Supremo, conforme notícia divulgada em televisão.
Na tentativa de provar a interferência presidencial, para fins políticos, o ex-ministro exibiu imagem que aparece o presidente enviando, para o celular dele, o link de uma reportagem do site O Antagonista, por meio da qual a Polícia Federal está "na cola" de dez a 12 deputados bolsonaristas e logo em seguida o presidente teria redigido o seguinte texto: “Mais um motivo para a troca", em referência à mudança na direção da citada polícia.
Foi quando o ex-ministro teria respondido ao presidente com a explicação de que a citada investigação não foi da iniciativa do então diretor-geral.
Pode não ter nada relacionado com esse imbróglio, mas consta que uma das questionadas investigações trata da origem de fake news e ameaças anônimas feitas aos integrantes do Supremo Tribuna Federal, enquanto tramita outro inquérito, aberto no Supremo, que investiga a organização e o patrocínio de atos antidemocráticos, onde, em um deles, o presidente discursou e conseguiu agitar os meios político e jurídico, ante a menção, pelos manifestantes de pedido de fechamento do Congresso Nacional e do Supremo, além de insinuação sobre a volta do AI-5.
Esse caso da nomeação de policial ligado à família do presidente, para comandar o maior órgão de investigação da estrutura do Estado, vem merecendo duras críticas da sociedade, em razão da indisfarçável parcialidade por parte do governo, em se tratando logo da direção de corporação que tem autonomia e independência, além de ter sido precisamente o pivô do imbróglio que resultou na queda do ministro da Justiça, que considerava tratar-se de ato com característica própria de intervenção política nas operações do órgão, como tal também entendida pelo presidente.
Em se tratando também de polícia judiciária da União, com funções legalmente instituídas, entre as quais de investigação judiciária, o resultado de seu trabalho relevante não pode ficar à disposição do governo nem de autoridade estranha ao órgão, fazendo as vezes de polícia política a serviço do chefe do Executivo, a quem apenas tem subordinação em termos supervisão administrativa, o que é bem diferente, ante a imperiosidade do sigilo, para a segurança nacional, das suas investigações e informações, que precisam ser preservadas com vistas exclusivamente às finalidades preconizadas por lei.
É preciso se ressaltar que, nos países sérios e evoluídos, em termos de administração eficiente e competente, jamais seria possível a substituição de dirigente somente porque o mandatário do país não gosta da cor de seus olhos, que parece ser o caso em comento, onde o diretor é exonerado sem qualquer causa a justificar a medida, a exemplo de falha ou irregularidade constatada sob a direção dele, o que seria absolutamente normal, nas circunstâncias.
Mesmo que a mudança havida fosse necessária, em razão de motivos justos, a sociedade espera que o novo diretor demonstre, sobretudo, capacidade por mérito profissional, sem esses recrimináveis atributos de amizade e proximidade, quando se sabe que o novo diretor-geral da Polícia Federal foi segurança pessoal do então candidato a presidente da República, algo que não soa bem quando a intenção desse governo era exatamente a moralização das práticas administrativas, em consonância com os princípios republicanos, em que a centralidade das ações jamais seria questionada como ilegítimas, ou seja, por suspeita do desvio ético e moral.
É ainda prematuro se imaginar de que maneira o novo diretor-geral irá se desincumbir da sua relevante função, se ele não tiver condições de impedir investigações de pessoas próximas do presidente, como, por exemplo, os casos de dois filhos dele, que são investigados pela suspeita da prática de desvio de conduta moral ou ainda quando as informações e investigações do órgão não puderem ser repassadas para o presidente.
Nesse caso, o que fazer, ele será substituído, porque a Polícia Federal é instituição de alto nível de Estado e não de governo, cujos trabalhos são normalmente sigilosos e restritos, por lei, aos processos pertinentes?
É preciso se admitir, sem o mínimo de esforço, que a nomeação do novo diretor-geral da Polícia Federal somente se confirma a assertiva do ex-ministro, que o presidente gostaria de promovê-la para a implantação de sistemática que possibilitasse a ingerência dele no órgão, principalmente com acesso às informações por ele produzidas, a exemplo do que é feito com relação a outros órgãos da esfera federal.
O ato presidencial deixa muito claro que o ex-juiz não traiu o presidente, porque ele apenas não quis participar dessa farsa, que foi denunciada por ele, mostrando à sociedade o real motivo do seu afastamento do governo, cujo relato pode até ser considerado chocante, como de fato foi, na forma como apresentado pela televisão, ao vivo, mas, nas circunstâncias, qualquer outro cidadão não teria outra alternativa senão contar a verdade sobre a sua saída do governo, dizendo exatamente o motivo que agora fica patenteado, eis que o novo diretor-geral é o mesmo que o ex-ministro não aceitou, fato bastante estranho, nas circunstâncias.
Causa perplexidade que muitas pessoas ainda consideram normalíssimo o presidente do país promover mudança na direção logo da Polícia Federal, nessas condições, em que não há motivo sobre a capacidade profissional do novo dirigente, que já exercia importante cargo na República, mas o problema de maior gravidade é a proximidade dele com a sua família, dando a entender somente ele preenche as condições ideais para a realização do serviço pretendido pelo chefe, descartada outra pessoa, de forma peremptória, embora tivesse o ex-ministro concordado em nomear outra pessoa, desde que ela preenchesse os requisitos técnico e de independência, mas, com tal sugestão, não houve a concordância do presidente.
Em suma, sendo a Polícia Federal órgão de Estado e não de governo, com atribuições definidas constitucionalmente na investigação, entre outras, de atos suspeitos de irregularidade contra a ordem pública e social, além de infrações penais praticadas com danos a bens, serviços e interesses do Brasil, ou seja, com poder e autonomia investigatórios, jamais o seu diretor-geral deveria ter sido escolhido na forma como aconteceu, exclusivamente por afinidade pessoal, quando o presidente quis que fosse somente a pessoa do seu agrado, de vez que ele precisa ser estritamente técnico, fato este que não condiz, entre outros, com os princípios da moralidade e da impessoalidade da administração pública.
Brasília, em 28 de abril de 2020

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