O
presidente da República nomeia o delegado da Polícia Federal, que é o mesmo que
foi rejeitado pelo ex-ministro da Justiça e que deu causa à exoneração deste, para
comandar essa corporação, a despeito das alegações sobre suspeitas de relações próximas
da família presidencial e do próprio nomeante.
Por ocasião da sua
saída do ministério, o ex-juiz afirmou que o presidente brasileiro tentou
interferir politicamente na Polícia Federal, ao demitir o então diretor-geral
desse órgão, alegação esta que tem sido negada pelo seu ex-chefe, que, ao
contrário, declarou que “Moro propôs aceitar a exoneração do então
diretor-geral da corporação se fosse indicado ministro do STF.”.
Esse
fato foi negado pelo ex-ministro, que aproveitou o ensejo para contra-atacar,
mostrando conversa onde uma deputada implorava para que ele aceitasse a indicação
do ora nomeado, que ela defenderia a indicação dele para o Supremo, conforme
notícia divulgada em televisão.
Na
tentativa de provar a interferência presidencial, para fins políticos, o
ex-ministro exibiu imagem que aparece o presidente enviando, para o celular
dele, o link de uma reportagem do site O Antagonista, por meio da qual a
Polícia Federal está "na cola" de dez a 12 deputados
bolsonaristas e logo em seguida o presidente teria redigido o seguinte texto: “Mais
um motivo para a troca", em referência à mudança na direção da citada polícia.
Foi quando o ex-ministro
teria respondido ao presidente com a explicação de que a citada investigação
não foi da iniciativa do então diretor-geral.
Pode não ter nada
relacionado com esse imbróglio, mas consta que uma das questionadas investigações
trata da origem de fake news e ameaças anônimas feitas aos integrantes do Supremo
Tribuna Federal, enquanto tramita outro inquérito, aberto no Supremo, que investiga
a organização e o patrocínio de atos antidemocráticos, onde, em um deles, o
presidente discursou e conseguiu agitar os meios político e jurídico, ante a
menção, pelos manifestantes de pedido de fechamento do Congresso Nacional e do
Supremo, além de insinuação sobre a volta do AI-5.
Esse
caso da nomeação de policial ligado à família do presidente, para comandar o
maior órgão de investigação da estrutura do Estado, vem merecendo duras
críticas da sociedade, em razão da indisfarçável parcialidade por parte do
governo, em se tratando logo da direção de corporação que tem autonomia e
independência, além de ter sido precisamente o pivô do imbróglio que resultou na
queda do ministro da Justiça, que considerava tratar-se de ato com característica
própria de intervenção política nas operações do órgão, como tal também
entendida pelo presidente.
Em se tratando também de polícia
judiciária da União, com funções legalmente instituídas, entre as quais de investigação
judiciária, o resultado de seu trabalho relevante não pode ficar à disposição do
governo nem de autoridade estranha ao órgão, fazendo as vezes de polícia
política a serviço do chefe do Executivo, a quem apenas tem subordinação em
termos supervisão administrativa, o que é bem diferente, ante a imperiosidade
do sigilo, para a segurança nacional, das suas investigações e informações, que
precisam ser preservadas com vistas exclusivamente às finalidades preconizadas
por lei.
É preciso
se ressaltar que, nos países sérios e evoluídos, em termos de administração eficiente
e competente, jamais seria possível a substituição de dirigente somente porque
o mandatário do país não gosta da cor de seus olhos, que parece ser o caso em
comento, onde o diretor é exonerado sem qualquer causa a justificar a medida, a
exemplo de falha ou irregularidade constatada sob a direção dele, o que seria
absolutamente normal, nas circunstâncias.
Mesmo que
a mudança havida fosse necessária, em razão de motivos justos, a sociedade
espera que o novo diretor demonstre, sobretudo, capacidade por mérito
profissional, sem esses recrimináveis atributos de amizade e proximidade,
quando se sabe que o novo diretor-geral da Polícia Federal foi segurança
pessoal do então candidato a presidente da República, algo que não soa bem
quando a intenção desse governo era exatamente a moralização das práticas administrativas,
em consonância com os princípios republicanos, em que a centralidade das ações jamais
seria questionada como ilegítimas, ou seja, por suspeita do desvio ético e
moral.
É ainda
prematuro se imaginar de que maneira o novo diretor-geral irá se desincumbir da
sua relevante função, se ele não tiver condições de impedir investigações de
pessoas próximas do presidente, como, por exemplo, os casos de dois filhos dele,
que são investigados pela suspeita da prática de desvio de conduta moral ou
ainda quando as informações e investigações do órgão não puderem ser repassadas
para o presidente.
Nesse
caso, o que fazer, ele será substituído, porque a Polícia Federal é instituição
de alto nível de Estado e não de governo, cujos trabalhos são normalmente
sigilosos e restritos, por lei, aos processos pertinentes?
É preciso
se admitir, sem o mínimo de esforço, que a nomeação do novo diretor-geral da
Polícia Federal somente se confirma a assertiva do ex-ministro, que o
presidente gostaria de promovê-la para a implantação de sistemática que
possibilitasse a ingerência dele no órgão, principalmente com acesso às
informações por ele produzidas, a exemplo do que é feito com relação a outros órgãos
da esfera federal.
O ato presidencial
deixa muito claro que o ex-juiz não traiu o presidente, porque ele apenas não
quis participar dessa farsa, que foi denunciada por ele, mostrando à sociedade
o real motivo do seu afastamento do governo, cujo relato pode até ser considerado
chocante, como de fato foi, na forma como apresentado pela televisão, ao vivo, mas,
nas circunstâncias, qualquer outro cidadão não teria outra alternativa senão
contar a verdade sobre a sua saída do governo, dizendo exatamente o motivo que
agora fica patenteado, eis que o novo diretor-geral é o mesmo que o ex-ministro
não aceitou, fato bastante estranho, nas circunstâncias.
Causa
perplexidade que muitas pessoas ainda consideram normalíssimo o presidente do
país promover mudança na direção logo da Polícia Federal, nessas condições, em
que não há motivo sobre a capacidade profissional do novo dirigente, que já
exercia importante cargo na República, mas o problema de maior gravidade é a
proximidade dele com a sua família, dando a entender somente ele preenche as condições
ideais para a realização do serviço pretendido pelo chefe, descartada outra
pessoa, de forma peremptória, embora tivesse o ex-ministro concordado em nomear
outra pessoa, desde que ela preenchesse os requisitos técnico e de independência,
mas, com tal sugestão, não houve a concordância do presidente.
Em suma,
sendo a Polícia Federal órgão de Estado e não de governo, com atribuições definidas
constitucionalmente
na investigação, entre outras, de atos suspeitos de irregularidade contra a ordem
pública e social, além de infrações penais praticadas com danos a bens,
serviços e interesses do Brasil, ou seja, com poder e autonomia investigatórios,
jamais o seu diretor-geral deveria ter sido escolhido na forma como aconteceu,
exclusivamente por afinidade pessoal, quando o presidente quis que fosse somente
a pessoa do seu agrado, de vez que ele precisa ser estritamente técnico, fato
este que não condiz, entre outros, com os princípios da moralidade e da
impessoalidade da administração pública.
Brasília,
em 28 de abril de 2020
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