sábado, 4 de abril de 2020

Usurpação da função pública?



A imprensa brasileira vem noticiando que um dos filhos do presidente da República assumiu, em definitivo, o principal cargo referente às comunicações do governo federal, sem ter qualquer vinculação com o serviço público, estando trabalhando de maneira graciosa, em condições nada republicana.
À toda evidência, essa situação absurda e esdrúxula vem causando enorme incômodo a partidos e políticos da oposição, conforme demonstrado em ações práticas e efetivas, consistentes na impetração de recursos na Justiça Federal, solicitado que o mencionado cidadão seja proibido de ocupar qualquer gabinete no Palácio do Planalto, além de determinar que ele não pratique, mesmo que informalmente, qualquer ato ou política próprios do governo.
Um dos partidos aponta as suspeitas de que, mesmo sem cargo no Executivo, o vereador licenciado do Rio de Janeiro tem orientado não somente a comunicação digital do governo como pronunciamentos e declarações do próprio presidente do país, dando como exemplo as manifestações dele contra o isolamento social em combate à pandemia do novo coronavírus.
A aludida agremiação alegou, na citada petição, ipsis litteris:Ao desempenhar ilegalmente atribuições na Presidência da República, cometeu, em tese, crime de usurpação de função pública”.
O partido solicita ainda à Justiça Federal que, em caso de decisão favorável ao recurso, a sentença pertinente seja remetida à Câmara dos Vereadores do Rio do Janeiro, com vistas às medidas que possam levar à cassação do mandato do citado político.
Mesmo que o parlamentar tenha se afastado do cargo de vereador da cidade que já ostentou o charmoso título de Maravilhosa, parece muito estranho que alguém se eleja para o exercício de determinado cargo público e se proponha a exercer, de forma absolutamente irregular, diante da falta de vinculação oficial, outro cargo completamente sem o devido amparo legal, ou ainda pior, em contrariedade a dispositivo do Código Penal Brasileiro.
É consabido que configura prática de delito contra a administração pública, na forma prevista no art. 328 do Código Penal, a pessoa que executa ato para o qual não tenha sido nomeado, que pode ser o caso do filho do presidente, que tem gabinete dentro do Palácio do Planalto, sem competência legal para tanto, eis que ele não foi nomeado para exercer qualquer função em nome do serviço público.
O citado art. 328 tem o seguinte teor: “Usurpar o exercício de função pública.”, por indivíduo sem qualquer vinculação com os quadros do serviço público.
O disposto nesse mesmo artigo estipula que quem for enquadrado nesse crime está sujeito à reclusão de três meses a dois anos.
O exato sentido de usurpação condiz com a situação em que o particular finge possuir qualificação de servidor público, investido de poderes inexistentes, para o fim da prática de atos pertinentes ao poder público, que pode perfeitamente ser o caso desse cidadão, que certamente ele não se afastaria do relevante cargo de vereador para ficar à disposição da Presidência da República, conforme comprovado pela imprensa escrita, somente para mostrar a sua elegante simpatia.  
A verdade é que a maior culpa não pode ser atribuída somente ao ingênuo usurpador, mas sim da parte de quem permite que, em pleno século XXI, com os avanços da modernidade da administração científica, essa prática ridiculamente abominável, por ser irregular e inaceitável, se concretize à luz do dia, diante da nação desinformada do que realmente isso significa, sob a lupa dos princípios da transparência, moralidade e legalidade.
Isso só demonstra incompetência e falta de experiência gerencial, porque todo gestor público precisa se cuidar para que seus atos estejam, no mínimo, revestidos da legalidade, evitando que absurdo dessa natureza fique exposto à visão pública, como se fosse algo comum e normal na gestão pública, quando se trata de ato recriminável.
O mesmo vereador filho presidencial incumbido, informal e indevidamente, pela estratégia digital do pai, mas deveria ser do governo, se nomeado para tanto, atacou o vice-presidente da República em postagem no Twitter, nesta sexta-feira, por meio de forte e grave insinuação de que ele conspira para derrubar o governo do seu pai.
Esse fato tem o condão de pôr querosene na fogueira com temperatura prestes a se tornar fora de controle, cujo incêndio pode se alastrar perigosamente no âmbito militar, que tem passado por situação bastante tensa dentro da sua ala no governo, por não ter conseguido contornar os sucessivos e gigantescos conflitos entre o presidente, os governadores e seu próprio ministro da Saúde, no que concerne à gestão da enorme crise causada pelo novo coronavírus.
Ou seja, além de se encontrar desempenhando função irregular, por não ter sido designado oficialmente, dando a entender que há algo mais do que estranho nisso, o filho do presidente ainda parte para a briga direta com membros importantes do Executivo, o que bem evidencia que o seu DNA paternal, nada conciliador e ponderado, só contribui para elevar os atritos no âmbito do governo, conforme mostram os fatos.
Não à toa que os resultados de pesquisas de opinião pública apontam para enormes dificuldades para o presidente conquistar a popularidade entre os brasileiros, à vista justamente da visível falta de sensibilidade e competência mostrada seguidamente por ele.
Na verdade, o presidente do país já teve bastante tempo para aprender minimamente que administrar o país com as grandezas continentais do Brasil não tem mistério nem dificuldade, porquanto é preciso apenas boa e generosa pitada de competência, bom senso, racionalidade e inteligência, evitando a todo custo se desgastar em discussão cujo assunto precisa ser analisado e resolvido, essencialmente, por especialistas e entendidos por suas experiências nas respectivas áreas.
O presidente brasileiro precisa somente confiar o desempenho das principais e importantes funções públicas a quem estiver legalmente habilitado para tanto, não permitindo, jamais, que familiares se intrometam no seu governo, porque isso só afiança e atesta completa e cabalmente incapacidade para administrar o país, à vista de seus próprios atos, que são, em grande maioria, desaprovados pelos brasileiros.
O governo cônscio da sua obrigação primordial de zelar pelo elevado padrão de moralidade e legalidade da gestão pública, teria cuidado para se evitar a suscitação de questões como essa envolvendo o seu filho, notadamente porque ele é absolutamente prescindível, salvo se o mandatário quiser exatamente que a sua gestão esteja permanentemente cercada de polêmicas, como forma de desviar o foco da imprensa para escândalos que são mais atraentes do que a ansiada eficiência da administração do país.
Urge que os brasileiros, no âmbito da sua consciência cívica e republicana, manifestem-se em repúdio a atos da administração pública sem o devido amparo legal e exijam do mandatário máximo do país que se esforce quanto à fiel observância ao compromisso de posse, acerca da necessidade de ser seguida a Constituição Federal e a legislação pátrias.   
Brasília, em 4 de abril de 2020

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