sábado, 18 de abril de 2020

Socorro à saúde pública


Um médico da cidade de Boa Viagem, Ceará, em evidente estado de desespero diante da situação de extrema calamidade como funciona o hospital onde ele trabalha, descreveu com detalhes o dia a dia de uma unidade de saúde do Sistema Único de Saúde, administrada pelo governo federal, com recursos públicos.
O documento contando em minúcia a tragédia do cotidiano do citado hospital se destina ao presidente da República, a quem ele convida para passar uns dias sentindo na pele o sufoco de como se processa o angustiante e deficiente atendimento dos doentes naquele hospital, como forma de ele puder avaliar o terrível ambiente das emergência e enfermarias, para, enfim, ser possível o suscitar da compaixão presidencial com relação ao “povo sofrido que cuidamos incessantemente.”.
No parágrafo seguinte da carta, o médico diz, o que naturalmente é, em síntese, o retrato dos hospitais públicos do Brasil, que “Nossas emergências vivem lotadas, os corredores contêm macas por todos os lados. Alguns pacientes aguardam dias até surgir uma vaga na enfermaria.”.
Mais adiante da carta, o médico cita que, verbis: “Observe, atendemos cerca de 150 mil habitantes em nossa região, com apenas um médico disponível do SAMU para socorrer! (...)”. Não sei se o senhor não sabe, mas precisamos de mais salas cirúrgicas para atender toda a demanda de pacientes. Não raramente, precisamos priorizar quem operamos. Alguns precisam aguardar a sala cirúrgica ser desocupada para ser operados. Às vezes, não dá tempo… Pergunto: e o José, a Maria e o João? A vida deles é menos importante que a sua?”.
Depois do longo e penoso desabafo, o médico, em forma de conclusão, afirma que “São tantas as dores que guardamos no coração…”, dando a  real dimensão da ideia do que seja extremamente desagradável tentar fazer  o  melhor para os pacientes, mas isso é absolutamente impossível, diante das condições de precariedade generalizada existentes no hospital onde o médico trabalha.   
A aludida carta foi enviada à Presidência da República, por mim, ontem, conforme Protocolo n* 00137.005035/2020-41, Código n* pvqv6460, no caso alguém pretender acompanhar a tramitação dela e/ou as medidas que porventura sejam adotadas pelo governo.
Como a realidade sobre as gritantes dificuldades do funcionamento se encontra na mesma situação nos demais hospitais públicos, conviria que todos os médicos e demais servidores das unidades de saúde pública escrevessem também para o presidente da República, relatando o preciso  estado de penúria e sofrimento que eles são obrigados a trabalharem sob muita pressão, nos hospitais do SUS, onde se ver que a vida não tem o menor valor, à vista da falta de recursos necessários ao tratamento digno às condições humanas.
Todos os profissionais de saúde deveriam escrever e relatar ao governo, para mostrarem não somente as deficiências operacionais e funcionais, mas, em especial, o tanto de mortes evitáveis que acontecem Brasil afora, exclusivamente em razão do sucateamento dos hospitais públicos,  por culpa dos governos, que são omissos e irresponsáveis, permitindo que eles funcionem sem condições próprias e adequadas ao atendimento digno dos doentes, que estão morrendo normalmente em razão do descaso para com o sistema da saúde pública, que funciona a cargo do Sistema Único de Saúde – SUS, em condições inadmissíveis, a teor da carta em referência.
A carta dramática desse médico relata toda a sua tristeza como profissional da saúde e ainda demonstra não mais suportar tanto martírio como integrante, infelizmente, de sistema completamente falido, decadente e obsoleto, incapaz de sarar e curar os doentes brasileiros, que pedem socorro, aos urros, mas não são ouvidos e as autoridades públicas continuam impunes, livres de responsabilização por seus crimes de conivência com tanta crueldade cometida contra a população, que sofre e morre, apesar das evidências dos maus-tratos.  
A propósito, tenho como oportuno que a população de Uiraúna também escreva para o presidente da República, para mostrar o quanto tem sido difícil e sofrido não ter um hospital na cidade, onde os doentes são atendidos praticamente de favor pelos hospitais regionais de Sousa e Cajazeiras, cidades vizinhas, cujas unidades de saúde já atendem prioritariamente a clientela da sua região jurisdicional, tendo ainda a obrigação de cuidar dos doentes das localidades próximas delas, o que tem sido normal e inevitável a superlotação de pessoas, que deixam de ser atendidas com a dignidade e as condições de respeito que bem merece o ser humano.
As cartas do povo de Uiraúna para o presidente da República teriam o condão de mostrar, de maneira substancial, o indiscutível desprezo do poder público à população de mais de quinze mil pessoas, cujos eleitores deveriam ser os primeiros a redigir as correspondências, enviá-las ao Palácio do Planalto e guardarem cópia delas para o fim de mostrá-la aos futuros candidatos, quando eles forem à procura de voto, com a indagação se eles também se interessaram em escrever com a mesma finalidade ou ainda o que eles fizeram até então com relação à construção do hospital regional em Uiraúna.     
Pois bem, é mais do que sabido que são carreadas montanhas de dinheiro para o SUS, mas parte significativa dele é desviada para finalidades estranhas, exatamente por falta de efetivo controle sobre a sua real aplicação nos objetivos indicados nas planilhas de gastos.
Essa constatação não é de agora, porque é do conhecimento geral que há farra com recursos do SUS, diante das dificuldades da confrontação das planilhas ou dos documentos de comprovação dos serviços realizados, faltando os devidos e indispensáveis controle e fiscalização sobre a efetividade das despesas pagas, com a confirmação dos serviços realizados, na forma como acontece entre os Planos de Saúde privados, em que os serviços autorizados à rede conveniada são devidamente atestados pelos beneficiários, não havendo qualquer possibilidade de fraude e muito menos de cobrança por serviços ou cirurgias não efetivados, o que não acontece com relação aos recursos do SUS, que normalmente são pagos à vista dos demonstrativos apresentados pelos hospitais credenciados ou mesmo aqueles pertencentes ao governo.
É preciso que o presidente da República seja devidamente conscientizado sobre a necessidade da sua urgente atenção para esse setor da maior importância social, que vem, de longe, merecendo e exigindo cuidados especiais, de modo que, entre as prioridades governamentais, a saúde pública exige a principal delas, permitindo que o SUS seja nomeada em primeiro plano, para a completa reformulação nas suas estruturas operacionais, diante das suas notórias deficiências e sobretudo arcaísmo e onerosidade, que precisam de atualização, por meio de reformas profundas, que tenham por foco a implantação de objetivos essenciais de eficiência, otimização, efetividade e economicidade.
Somente por meio das reformas conjuntural e estrutural serão possíveis o controle e a fiscalização sobre a realização dos recursos destinados ao novo sistema de saúde pública, sob pena de se continuar gastando rios de dinheiros e muito mal, deixando a população em péssimas condições de saúde, diante do inevitável desperdício de recursos, que tem sido em enorme quantidade e nada se faz para estancar o visível desvio de finalidade, com o pagamento de muitas despesas sem a devida efetividade dos gastos equivalentes.
Compete ao governo federal priorizar a eficiência do funcionamento da saúde pública, de modo que importantes vidas possam ser salvas, por meio da salvação desse imprescindível serviço de competência do Estado, que se encontra, há bastante tempo, na UTI, respirando por aparelhos e gritando louca e intensamente por socorro, mas os governos são apenas moucos, omissos e irresponsáveis, que permitem que as pessoas morram graciosamente nos hospitais lotados de doentes e à míngua de providências que nunca aparecem, quando, se quisessem e tivessem o mínimo de boa vontade, eles se comprometeriam em tornar eficiente a prestação dos serviços também de saúde pública, a exemplo do que fazem os países sérios, civilizados e evoluídos, em termos de respeito à vida humana.
Brasília, em 18 de abril de 2020

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