sábado, 4 de abril de 2020

Quebra de confiança?


O presidente da República convocou reunião com médicos que estão na linha do combate ao novo coronavírus, mas deixou de convidar logo o ministro da Saúde, que soube do evento por colegas que foram chamados.
O ministro imagina que o aludido encontro serviria para tratar sobre o cloroquina, que ainda não há confirmação acerca dos efeitos do medicamento no combate ao coronavírus, em que pese o seu uso ser defendido abertamente pelo presidente e seus familiares.
O ministro da saúde acredita que a reunião seja uma ideia da área de “marketing” do Palácio do Planalto para “bater uma foto” com os principais médicos do país, o que não passaria da confirmação sobre “nova polêmica” do governo.
Segundo a imprensa escrita, a cúpula do hospital Sírio-Libanês proibiu que seus médicos participassem do encontro com o presidente do país, talvez diante da ausência do ministro, que poderia dar respaldo ao evento.
Sabe-se que, durante o encontro, o presidente brasileiro defendeu, mais uma vez, o uso de hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, embora, à toda evidência, os testes sobre o medicamento são insuficientes e ainda não foram concluídos, em nenhum lugar do mundo, nem mesmo nos países evoluídos, o que bem demonstra o açodamento e a precipitação do mandatário tupiniquim, que quer se antecipar, na marra, sem a devida segurança, com relação ao tratamento que precisa de comprovação sobre a sua eficácia, na forma dos protocolos de análises médico-científicas.
Enfim, não há a menor dúvida de que o relacionamento entre o presidente do país e o ministro da Saúde é o pior possível, a ponto de haver explícitas críticas do mandatário sobre o comportamento de seu principal assessor para a saúde, com afirmações nada elegantes a respeito do desempenho dele, como a de que “faltava humildade no ministro”, embora ele tenha declarado que não pretende demiti-lo em meio à grave crise, mas garantiu que ninguém é "indemissível", tendo dito que o seu assessor precisa "ouvir um pouco mais o presidente da República".
O presidente fez a seguinte declaração sobre o ministro da Saúde, em entrevista à Rádio Jovem Pan, ipsis litteris: “Olha, o Mandetta já sabe que a gente está se bicando há algum tempo. Não pretendo demiti-lo no meio da guerra. Em algum momento, ele extrapolou. Respeitei todos os ministros, ele também. A gente espera que ele dê conta do recado. Tenho falado com ele. Ele está numa situação meio... Se ele se sair bem, sem problema. Nenhum ministro meu é indemissível. Ele (ministro) tem responsabilidade, sim. Ele cuida da Saúde, o Paulo Guedes cuida da Economia, e eu entro aqui no meio para cuidar das duas áreas.”.
Fica bastante difícil para o presidente da República explicar para a opinião pública a convocação de reunião de alto nível, para tratar de questão importantíssima relacionada com a crise causada pelo poderoso coronavírus, sem a importante e fundamental presença do principal coordenador e articulador das políticas governamentais pertinentes.
Isso demonstra absoluta falta de racionalidade, bom senso, sensibilidade e  responsabilidade por parte do comandante da nação, que não pode abdicar da imprescindível presença de quem vem cuidando diretamente, com eficiência ou não, a depender da visão dele, das questões relacionadas com a crise do coronavírus.
Não há a menor dúvida de que isso só demonstra falta de confiança no trabalho desenvolvido pelo ministro da Saúde, que, em princípio, demonstra absoluta aptidão e competência à frente de atividades extremamente complexas que exigem o máximo de cuidados e zelo, porque está em jogo milhares vidas humanas, que foram entregues às mãos de ministro que não pode falhar o mínimo que seja, sob pena de a nação inteira padecer por qualquer deslize por parte dele.
O presidente da República tem todo direito de se reunir até com a mãe Joana, mas, em momento algum, ele pode prescindir da participação ativa e importante do ministro da Saúde, para tratar de assuntos referentes à área da competência dele, porque é, à toda evidência, a pessoa que compete tratar e decidir sobre as principais questões pertinentes à saúde pública, que dizem com a saúde dos brasileiros, além de que o dono do poder não entende absolutamente nada sobre as questões estratégicas de saúde e bem menos dos meandros envolvendo o coronavírus.
O presidente do país precisa ter a honestidade e a dignidade de substituir quem, sob a sua visão, não tenha mais confiança no assessoramento da principal política de saúde pública, embora o atual ministro parece ser a pessoa que vem se dedicando em trabalho árduo, difícil, penoso e acima de tudo criterioso relacionado com a saúde dos brasileiros, porque tudo deve ser feito, sobretudo, visando à preservação de muitas vidas humanas, diante das ferozes ameaças do Covi-19, que tem o poder de matar quem aparecer à sua frente, a depender do grau de imunidade.
O presidente da nação precisa ter consciência e racionalidade para entender que a perda de confiança de qualquer de seus assessores só lhe resta a alternativa de dispensá-lo, porque o desprezo dele, demonstrado no caso em comento, evidencia cristalina falta de sintonia e coordenação entre o mandatário do país e o ministro da Saúde, além de mostrar que este é absolutamente dispensável, à vista da falta de justificativa plausível para o ocorrido, a suspeitar-se da execução paralela das políticas de saúde pública no âmbito do governo, que precisa funcionar ajustado e alinhado como um conjunto harmônico, em todos os sentidos, diante de situação comparável à guerra, onde o inimigo pode se tornar vitorioso apenas por pequeno detalhe: falta de competência de gerenciamento.
É preciso que o presidente do país tenha o mínimo de consciência e responsabilidade sobre a gerência da coisa pública, além de dignidade, competência e inteligência, no sentido de vislumbrar os fatos não somente sobre o seu exclusivo ângulo de visão, porque este pode carecer de mais experiência em área específica, como forma de se contribuir para a grandeza de seu governo, tendo a sensibilidade de prestigiar seus principais colaboradores, que são responsáveis diretamente pelas políticas essenciais à prestação dos serviços necessários à satisfação do interesse público. 
Brasília, em 3 de abril de 2020

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