O
presidente da República chamou de “canalhas” parlamentares da CPI da
Covid, do Senado Federal, que o criticam pela defesa do uso da cloroquina e da
ivermectina – drogas sem eficácia comprovada contra a Covid-19 –, no tratamento
da doença provocada por esse vírus.
Nas
redes sociais, o presidente do país disse que “Acho que quem não tem uma
alternativa, cala a boca, deixa de ser canalha de quem usa uma coisa. Canalha é quem critica a
cloroquina e a ivermectina e não apresenta uma alternativa”.
As
referidas palavras foram ditas em reforço ao que ele havia declarado antes, no sentido de que a CPI é “xaropada”.
Na transmissão, o presidente também aproveitou para insinuar, indireta e evidentemente sem provas alguma, que teria havido desvio de recursos públicos para o enfrentamento da pandemia na gestão do governador de Alagoas, que é filho do relator da comissão de inquérito.
Também sem
citar o nome do senador-relator da comissão, o presidente do país fez referência
aos questionamentos realizados pelo relator da CPI ao ministro da Saúde, tendo
dito: “Atenção aí, ministro: quais dessas frases que mais matou gente no
Brasil? Frases do presidente Jair Bolsonaro. Sabe qual seria a minha resposta?
Oh, excelentíssimo senador, frase não mata ninguém, o que mata é desvio de
recursos públicos que o seu Estado desviou. Então vamos investigar o teu filho
que a gente resolve este problema. Desvio mata, frase não mata”.
À
toda evidência, em cada dia, o nível da democracia brasileira se encaminha para
os porões da mediocridade, quando o principal político da nação acha normal
denominar de canalhas quem o critica, deixando muito clora a maneira
extremamente desqualificada da interlocução entre principais autoridades da
República, onde os canalhas seriam nada mais, nada menos, do que senadores,
que, como tais não teriam qualificação moral para representarem o povo, como,
na verdade, muitos dos quais não teriam mesmo, mas, queira ou não, as pessoas
estão nos cargos por força do voto e isso não se pode discutir quanto à
legitimidade.
Ou
seja, em última análise, o povo tem o governo ou os representantes que merece,
exatamente porque eles foram eleitos e receberam a delegação para o exercício
do mandato sob a égide do ordenamento jurídico do país, nesse particular.
O
completo desarranjo de interlocução entre o presidente da República e integrantes
da CPI se evidencia exatamente porque as investigações pertinentes se destinam à
verificação sobre a regularidade das políticas executadas pelo mandatário, que,
por força de disposição constitucional e legal, tem obrigação de prestar contas
sobre seus atos ao Congresso Nacional, e o Senado, por sua vez tem a incumbência,
também constitucional, de fiscalizar os atos do governo federal, de modo que
possa se avaliar a satisfatoriedade, em termos de legalidade, dos serviços
prestados pelo Estado à população, em plena harmonia com o estado de direito, à
vista do princípio republicano da transparência.
Ou
seja, nesse contexto, não caberia, em princípio, senão o consenso no sentido de
que o Senado possa investigar normalmente o governo, tudo no âmbito da legalidade,
conquanto o que se pretende é a avaliação final sobre o acerto das medidas
conduzidas no âmbito do combate à pandemia do coronavírus e somente isso, em consonância
com os princípios evoluídos e saudáveis republicano e democrático, como
normalmente devem ser observados pelas nações imbuídas dos nobres propósitos modernos
de civilidade.
Não
obstante, o que se observa é verdadeira troca de farpas, as mais agressivas
possíveis, onde os péssimos exemplos partem justamente das autoridades que têm obrigação
de mostrar dignidade nos seus atos, de modo que eles sejam revestidos de legitimidade
e de ações construtivas, em sintonia com a satisfatoriedade inerente ao
interesse público.
É
evidente que a calamidade humanitária com a perda de centenas de pessoas, em
tão pouco tempo, sinaliza, à luz dos princípios do bom senso e da razoabilidade,
que é preciso sim haver investigação para se avaliar, em termos de resposta à
sociedade, responsável pela manutenção do funcionamento da máquina pública, a
presteza da execução das políticas adotadas em relação ao combate à pandemia do
coronavírus, tendo em vista, em especial, os critérios de efetividade,
eficiência e eficácia adotados ou não pelo governo federal.
Diante
disso, os brasileiros nutrem esperanças no sentido de que as investigações possam
contribuir para que se tornem transparentes as medidas adotadas pelo governo, no
enfrentamento da crise da saúde pública, derrotado que foi pelo fragoroso
resultado registrado de mais de 430 mil mortes, a se indicar que algo de negligente
possa ter acontecido para se atingir estatística tão nefasta, tendo como
consequência, se for o caso, a indicação de responsabilidades, em sintonia com
os princípios da competência e da eficiência na administração pública.
Assim,
diante dos princípios essenciais da gestão pública, espera-se que as autoridades
do Executivo e do Legislativo compreendam que o resultado das investigações da
CPI tem como escopo a busca de informações necessárias ao enfrentamento da grave
crise da pandemia do coronavírus, da melhor maneira possível, de modo que ele
possa contribuir precipuamente para a preservação de vidas humanas, que é uma
das finalidades perseguidas pela administração pública.
Brasília,
em 15 de maio de 2021
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