terça-feira, 25 de maio de 2021

Por que não a verdade?

            Em princípio, deveria ter sido o confronto da gestão do general ex-ministro da Saúde com a CPI que investiga as medidas de enfrentamento do governo contra a crise causada pela pandemia do coronavírus, mas o militar conseguiu habeas corpus para ficar calado, na esperança de que isso lhe favorecia perante investigações em curso sobre questionados atos praticados por ele.

Não obstante, ao invés de ficar em silêncio, sob a proteção judicial, ele preferiu usar nova tática, a da mentira compulsiva, se passando como o Pinóquio moderno, dando a entender que a sua gestão foi a mais perfeita possível, em que pese a falta de explicação para mais de 400 mil mortes, a maioria acontecida no curso da sua passagem pelo órgão incumbido de combater, com eficiência e efetividade, a Covid-19.

À primeira vista, a finalidade do habeas corpus para ficar calado nas perguntas em ele que poderia se incriminar teria sido como confissão antecipada de culpa, porque, em princípio, quem cala, consente, segundo o jargão popular.

A verdade é que as mentiras, surgidas por meio de nova estratégia, também não mudaram o curso das investigações, diante dos fatos sobre a sua gestão, que foram registrados pela imprensa, tendo o poder de rechaçá-las, à saciedade.

O próprio presidente do país, acerca do silêncio perante CPI,  já defendeu, em 1999, a “tortura” contra os protagonistas, a exemplo, em relação ao então presidente do Banco Central, quando ele disse: “É um imoral, um sem-vergonha. Ele tinha que ir lá e contar a verdade. Por que o medo?”.

Em 2016, um filho do presidente do país, que é parlamentar, considerou “covarde” o depoente que usou o direito de ficar calado na CPI da Funai e do Incra, tendo dito: “Não tem um pingo de vergonha na cara”.

O general começou dizendo que ele não tinha defendido a cloroquina, remédio que já havia sido descartado pela OMS, pelo FDA (a Anvisa americana) e por diversos estudos, mas foi transformado em ópio político do governo, tendo afirmado que “não comprou nenhum comprimido”.

Com maior gravidade, ele negou que o Ministério da Saúde tivesse prescrito o medicamento, em que pese haver sido desenvolvido até aplicativo, o TrateCov, para o seu uso, tendo declarado que o protocolo que prescrevia cloroquina e outros remédios sem eficácia comprovada nunca foi recomendado.

Apesar da negação, a TV Brasil, a emissora pública, mostrou, em forma de publicidade do governo, que o TrateCov já estava em uso em janeiro, em Manaus, quando a cidade enfrentou o colapso do oxigênio.

Depois de confrontado com a realidade, o general fez uso de inteligente subterfúgio, no sentido de que o aplicativo tinha sido “hackeado”, mas, para a desgraça dele, o hacker foi tão “seguro” e sábio que expôs o objeto copiado logo na TV Brasil do próprio governo.

O general afirmou que a tragédia na capital amazonense, por causa da falta de oxigênio, durou apenas três dias, mas um senador lembrou que pessoas morreram por falta do insumo por mais de 20 dias.

Em que pese o Brasil e a imprensa internacional terem acompanhado esse trágico drama, o ex-ministro disse que só foi informado da falta de oxigênio no dia 10 de janeiro, mas a Advocacia-Geral da União já mostrava a escalada da crise em dezembro, com a possibilidade de colapso a partir do dia 11 de janeiro.

O ex-ministro negou pressão do presidente sobre a compra da cloroquina e responsabilizou os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União, pelo atraso na compra de vacinas, mas esse órgão desmentiu tal afirmação.

O ex-ministro negou que o presidente do país tenha mandado cancelar a compra da vacina CoronaVac do Instituto Butantan, embora ele, na ocasião, respondendo repórter, tivesse afirmado a célebre frase: “um manda, o outro obedece”, ficando patenteada a gigantesca mentira, que insulta a memória e a boa vontade dos brasileiros.

Aliás, o próprio mandatário brasileiro declarou em outubro último, conforme vídeo sobre a matéria: “Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”.

Agora, vejam-se que desculpa mais fajuta inventada pelo general, que teria atribuído a incompetência do governo federal ao governador de São Paulo, pasmem, por ele ter “politizado” a questão referente à vacina.

Trata-se de algo absurdo, por o ex-ministro não ter a dignidade de assumir a culpa pela grave responsabilidade na condução desastrosa referente à compra das vacinas e ainda tentar imputar as falhas havidas ao gestor que conseguiu viabilizar vacinas em tempo recorde, fato este que só evidencia desprezo para com a população, à vista de se tratar de medicamento essencial à sobrevivência.

Como se vê, essas pequenas mostras foram o tom das intervenções do ex-ministro, que negou o óbvio, tendo ficado muito feio para a autoridade de general da ativa, por ter mentido grosseiramente sobre atos por ele praticados na vida pública, principalmente em relação aos fatos que têm robustas provas em contrário, à disposição da sociedade e dos integrantes da CPI.

A todo momento, o ex-ministro tentou se isentar da responsabilidade da crise e tirá-la dos seus ombros, além de ter se esforçado ao máxima para blindar o ex-chefe, dando a impressão de que as questões referentes à Covid-19 foram enfrentadas com as melhores políticas padrão Fifa, quando as 450 mil mortes mostram perfeitamente o nível desse desastre humanitário, que  precisa ser assumido por quem somente conseguiu fazer o “feijão-com-arroz”, quando a gravidade da crise muito mais empenho e seriedade, ante a importância da vida humana.

Não há a menor dúvida de que a falta da verdade mostrada pelo general tem o condão de constranger, em especial, a dignidade da autoridade representada por ele, evidentemente sob o prisma da seriedade e da honestidade cívicas, além de manchar a linda imagem do verde oliva do glorioso Exército, que não merece ter nos seus quadros pessoa com a índole desse militar que nega a verdade, por ter exposto ao Brasil obstinada vocação para mentir, à vista do seu depoimento à CPI, em confronto com os fatos da vida real.

A falta de sorte do ex-ministro reside na existência de abundantes provas para a confirmação do descalabro da sua gestão, conquanto o trabalho da CPI não é precipuamente o levantamento das evidências das falhas, da negligência e das omissões administrativas, mas sim apenas sistematizá-las de maneira contundente no relatório final, com as devidas tipificações, como alguns exemplos referentes às inúmeras defesas do uso de cloroquina, sem comprovação científica; às ofertas de vacinas da Pfizer que foram ignoradas pelo governo; às ofertas da CoronaVac, que foram negadas; à negligência no envio de oxigênio durante o colapso de Manaus; aos sete alertas sobre faltas de medicamentos para intubação em 2020, desconsiderados, entre outras graves falhas no enfrentamento da Covid-19.

Com o desempenho absolutamente melancólico, despropositado e tendencioso, à vista do exposto, fica patente a imposição da incompetência, da desumanidade, da insensibilidade e da irresponsabilidade na condução das políticas de enfrentamento da crise causada pela pandemia do novo coronavírus, ante o terrível cenário da maior tragédia sanitária da história brasileira, quando o tudo que foi feito em nada significa para o que seria necessário para se evitar tantas mortes, o que apenas estaria na conformidade da incumbência constitucional do governo, cujo titular foi eleito precisamente para cuidar diligentemente dos interesses dos brasileiros.

Enfim, é preciso se reconhecer que o principal crime do general não foi a tentativa da blindagem da sua gestão, por meio de vergonhosas e inaceitáveis mentiras perante a CPI, mas sim de ter aceitado ficar à frente de órgão da maior importância para a preservação da saúde e da vida dos brasileiros, em se tratando de estado de guerra causado pela pandemia do coronavírus, quando ele não tinha condições e conhecimentos técnico-especializados sobre os assuntos médico-sanitários que, em princípio, deveriam ser dirigidos, orientados e coordenados exclusivamente por ele, para a salvação de vidas humanas, fato este que suscita a incidência dos crimes de lesa-saúde, lesa-humanidade e lesa-pátria, ante a evidência da falta de integrais cuidados para com a vida de pessoas.

           Brasília, em 25 de maio de 2021

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