segunda-feira, 10 de maio de 2021

O poder do povo

 

Há sábio dispositivo na Constituição Federal, na forma escrita no parágrafo único do artigo 1º, que estabelece, verbis: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”.

Ou seja, a Carta Magna diz expressamente que os poderes da República brasileira são exercidos por representantes do povo, o que significa dizer, em princípio, que esses poderes derivam de quem tem competência para delegar ou indicar ou eleger seus representantes políticos, mas, para ser mais coerente com o Estado Democracia de Direito, deveria expressar também, por implicação natural, que o povo tem autoridade ainda para dizer o que seus delegados deveriam fazer, inclusive estabelecendo limites claros e objetivos, precisamente por força do poder da fonte de escolha dos representantes que atuam no poder, o que seria mais do que evidente, se assim se tratasse de país com o mínimo de seriedade e transparência político-democráticas.

Sob esse prisma de entendimento, valeria se afirmar que, se todo o poder nasce do povo, ele deveria ter alguma forma de participação ativa no poder que é exercido na República, mas isso não foi escrito na Constituição e o certo mesmo é que ele manda absolutamente, servindo apenas de instrumento para validar aquele dispositivo constitucional, que é de suma importância, diante da autoridade incumbida de eleger seus representantes e fica por aí, quando o correto deveria ser que a relevância dos delegados se mantenha prestigiada, no sentido de também participar ativamente do poder, inclusive com direito ao poder decisório sobre os elevados assuntos de interesse nacional.

É mais do que compreensível que o constituinte quis fazer a coisa certa, porque a nação inexiste sem o povo, que é a sua célula máter, a razão da existência do Estado, e, da mesma forma, não haveria sentido representantes sem povo, mas ele o fez por parte, quando poderia ter dito que realmente o poder será exercido pelo povo, que tem autonomia ou competência para participar direta e ativamente nas decisões nacionais, algo mais ou menos assim, para reafirmar a real importância de quem somente tem poder para eleger as pessoas que passam o exercer o poder supremo, sem a mínima necessidade de dar satisfação a quem teve autoridade constitucional para nomeá-lo, que depois é simplesmente descartado, precisamente por não ter mais serventia.

Ou seja, sem o poder do povo, não haveria a representação política, como o presidente da República, os governadores, os prefeitos, os senadores, os deputados e os vereadores, salvo se essas autoridades auto se elegessem para o exercício dos mandatos pertinentes.

No Estado democrático de Direito, que, em princípio, assim se diz viger na República Federativa Brasileira, é evidente que o povo precisa ter poder não somente para eleger seus representantes políticos, mas também precisamente para continuar, depois disso, com poderes para atuar com plena e importante competência sobre a tomada de decisão das políticas públicas nacionais, que precisam se referir exclusivamente ao povo, de modo que o próprio povo possa decidir em relação aos assuntos que são inerentes à satisfação das suas necessidades, quando, na realidade, ele, a um momento, tem poder soberano e, depois disso, não serve para absolutamente nada, sendo ele o principal alvo que diz diretamente ao interesse do exercício do poder.

Trata-se de situação mais esdrúxula imaginável para o sistema político-administrativo, completamente desfocada da realidade desejável para República com o mínimo de seriedade, justiça, legalidade e moralidade, entre outros importantes princípios próprios do zelo para com a coisa pública, diante de tratamento desigual do povo, que o próprio Estado, não tendo o reconhecimento do direito de participar da vida administrativa dele.

Vejam-se que a Constituição, no citado dispositivo, diz que o povo pode o máximo, no sentido de eleger seus representantes políticos, mas somente isso, o que é algo comparável ao pensamento de pior republiqueta, que tem ciência de que é preciso que alguém tenha competência para validar o ato original de suma importância para a nação, para que ela possa funcionar, mas fica apenas nisso.

A verdade é que, depois de se apoderarem do poder, os políticos estão autorizados a exercê-lo com plenitude, inclusive para distorcê-lo, por meio da prática de atos irregulares, tendo por base o alicerce da imoralidade que é, sem dúvida, o próprio povo, que escolhe seus delegados e estes têm o poder absoluto para fazer o que bem quiser, diante da impossibilidade de serem destituídos dos cargos.

Chega a ser risível também a existência de outro princípio de sede constitucional, de eficácia extremamente duvidosa, que estabelece que todos os brasileiros são iguais perante a lei, mas essa norma se apresenta à sociedade cheia furos, quando é sabido que os direitos e as obrigações dos representantes do povo estão muito acima daqueles aplicáveis aos demais brasileiros, porque aqueles não precisam prestar contas sobre os seus atos na vida pública senão à própria consciência.

Funcionando muito mais como evidente e incontestável prova do contrassenso, o presidente do país vem repetindo frase solta de que ele faz o que o povo quiser, na tentativa de se obter apoio e carta branca para a implantação de ideias que nem ele sabe exatamente do que seja, porque brasileiros se manifestaram dizendo que concordam com o apelo feito por dele, mas nenhuma medida foi editada nesse sentido, que nem devia mesmo diante da transparência que precisa imperar nesses casos de relevância nacional, quando o povo precisa saber previamente quais são os projetos prioritários do governo .

De qualquer modo, essa ideia estranha do presidente só corrobora o meu pensamento da efetividade de que o povo precisa ter o direito de participar diretamente das importantes decisões nacionais, de modo que esse dever popular esteja escrito expressamente na Constituição do país.     

A mudança da aberração aqui analisada diz muito com a consciência política dos brasileiros, diante do reconhecimento sobre a real importância do seu voto, que é de extrema importância somente perante alguns minutos, quando decide eleger seus representantes políticos, dando a eles amplos poderes para decidirem com exclusividade sobre os destinos do povo, sem nenhuma interferência dele, quando o normal é que o poder do povo tenha continuação depois do ato da votação e possa valer nas decisões nacionais, à vista da consolidação dos direitos e das obrigações inerentes ao povo que são integrantes da nação.

Diante do exposto, penso oferecer importante sugestão de alteração do texto do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal, que passará a ter seguinte redação: “O poder do Estado emana do povo, que será exercido em seu nome e com a sua efetiva participação, podendo ser adjutorado por meio de representantes eleitos pelo voto popular, sem prejuízo da manifestação dos brasileiros nas decisões nacionais, nos termos desta Constituição.”, ou seja, por meio desse texto, a participação do povo passa a ser clara, evidentemente a depender da regulamentação a ser estabelecida na própria Lei Maior.

Com isso, poderia ser mantido o sistema da representação  política, mas o povo teria também o poder soberano, em termos de palavra derradeira, de modo a concordar ou não com as medidas que afetam diretamente os seus interesses, que, em tese, seriam todas decisões nacionais, com o povo exercendo efetivamente a importância do seu poder nacional.     

Brasília, em 10 de maio de 2021

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