Por incrível que possa parecer, o senador que massacrou e
humilhou uma médica, por ocasião do depoimento dela à CPI da Covid, do Senado
Federal, disse, com aquela mesma cara de brutamonte desumano e irracional, que “não
buscou desqualificar Nise Yamaguche.”, em absoluta contrariedade ao que
pensa o resto dos brasileiros sobre o tema.
O senador disse que “desaprovou
as falas da médica que apresentava visões equivocadas sobre vacinas e sobre
tratamento precoce. Eu quis mostrar que nunca deu certo se levar
uma medicação, mesmo velha, antiga, que é a hidroxicloroquina e outras
medicações, serem usadas para uma doença nova, desconhecida".
O parlamentar, que também
é médico, afirmou que “fez várias perguntas para tentar ver a base das
visões da médica e não para menosprezá-la. Não ‘suportava mais’ ver negação de
fatos.”.
O senador afirmou que "Não
foi para atingi-la. Tratei o tempo todo a doutora Nise Yamaguchi como senhora,
vossa senhoria. Claro que cada pessoa tem uma maneira de se dirigir. Se a minha
veemência aconteceu, aconteceu porque não suportava mais ver tantas coisas
negadas que foram afirmadas no passado".
Em conclusão, o senador
afirmou que "O que eu queria dizer e desqualificar é que o Ministério
da Saúde, como instituição jurídica, não pode prescrever receitas para 15
milhões de brasileiros. Era o que eu queria mostrar".
Com a finalidade de
refrescar a memória, como se diz no popular, eis abaixo pequeno resumo animalesco
do nada comportamento do senador, copiado de texto da minha lavra, que ele
considera normal.
“Nesse ínterim, o senador a inquiriu assim: “Até porque
a senhora deve saber a diferença entre um protozoário e um vírus. A senhora
sabe? Qual é a diferença, doutora? Doutora Nise, estou perguntando para a
senhora”.
A doutora disse que “Protozoários
são organismos celulares, e os vírus são organismos que têm o conteúdo de DNA
ou RNA”, mas o senador a retrucou, tendo afirmado isto: “Não senhora,
não senhora, tenha paciência. Não é bem assim. A senhora não é infectologista,
se transformou de uma hora para outra, como muitos no Brasil, se transformaram
em infectologista, e não é assim”.
Nessa mesma linha de
rudeza coloquial, o senador disse que "A senhora não soube explicar o
que é o vírus. Vírus não são nem considerados seres vivos. Portanto, uma
medicação para protozoário nunca cabe para vírus”, fazendo referência ao
Covid-19.
Na sequência, o senador
perguntou à médica se ela sabia a que grupo pertence o Covid-19?, ao que foi
respondido por ela que pertence “Ao coronaviridae. Ele é um coronavírus”.
Nesse momento, o
senador foi ainda mais grosseiro e disse que “A senhora não sabe, infelizmente.
A senhora não sabe nada de infectologia. Nem estudou, doutora”.
O senador também fez
questão de perguntar à médica detalhes sobre o primeiro caso de coronavírus no
mundo, tendo formulado o seguinte: “Diga o número, diga o ano. Pode pegar os
livros aí porque a senhora não tem na cabeça, certamente. Não leu, não estudou.
E, doutora, de médico audiovisual, este plenário está cansado. De alguém que
ouviu e viu, e não leu, e não se aprofundou, e não tem estudado”.
Enquanto o senador
discursava loucamente, fazendo ácidas críticas à profissional, a médica tentava
usar a palavra, tendo falado isso: “Agora, o senhor me dá licença? Eu
preciso responder a uma série de acusações que o senhor me fez”.
A indelicadeza do
senador foi tanta que ele ainda ressaltou, verbis: “Eu não queria
constranger a senhora, mas a senhora não sabe responder a absolutamente nada.
Eu fiz um textezinho simples com ela. Qualquer menino de segundo ano,
terceiro ano. Eu fui professor de química por muitos anos, de biologia. Isso é
‘bê-a-bá’”.”.
Pois bem, salvo o órgão
representante dos médicos, diante de falhas graves, devidamente comprovadas, ninguém
mais tem competência para, outras medidas, desaprovar não “as falas”, mas sim
as práticas médicas, em razão de possíveis implicação contra a saúde de
pacientes, não cabendo a mero senador, por falta de competência legal,
desaprovar sequer opiniões sobre possíveis visões pessoais, equivocadas ou não,
sobre quaisquer assuntos, inclusive vacinas ou tratamento precoce, cuja
responsabilidade é de exclusiva autoria da médica, que jamais fora admoestada
pelo conselho da sua classe sobre o seu desempenho profissional.
O senador, que é apenas
integrante da CPI, somente tem competência legal para fazer inquirição aos
depoentes, falecendo a ele poder para “mostrar” o que está certo ou errado,
mesmo que o assunto esteja na sua área profissional estranha ao exercício do
cargo de parlamentar, que tem atribuições específicas, mas que foram completamente
violadas por força das suas ignorância e inexperiência política.
É preciso ficar claro
que a competência da CPI é delimitada às investigações sobre o objeto definido no
ato motivador da sua instalação, qual seja, no caso, a apuração se houve
negligência do governo no enfrentamento da Covid, ficando sob a interpretação de
atos e atitudes absurdos protagonizados pelo senador como abuso de autoridade e
deliberada violação dos direitos humanos, diante das indevidas e despropositadas
lições morais e outras relacionadas à prática médica, que não tinham o menor cabimento
sobre a sua discussão naquele evento.
O senador está
sobejamente equivocado e isso, pelo menos, ele assume, quando afirma que
tentava “ver a base das visões da médica”, quando a CPI não foi criada
para se aquilatar a competência, em termos de visão sobre conhecimentos
profissionais, mas sim para a apuração do desempenho do governo diante de fato
específico.
Ao afirmar que não quis
atingir a honra da médica, o senador se mostra extremamente incoerente, ao admitir,
em seguida, que a sua veemência ocorreu, pasmem, somente “porque não
suportava mais ver tantas coisas negadas”, como se ele, ao afirmar tamanhas
grosserias, absolutamente estranhos ao objeto do depoimento para finalidade
diversa, fosse a pessoa indicada com poderes para suportar ou deixar de
suportar algo que não diz com a competência de mero integrante de CPI, que não tem
direito, por falta de amparo legal, de opinar sobre nada, conquanto a sua obrigação
é exclusivamente perguntar e colher o resultado das informações prestadas pelos
depoentes, para depois transformá-las em análise no relatório, que ainda será
objeto de aprovação ou não, sem nenhuma utilidade no Senado Federal, visto que
o seu conteúdo será remetido para o Ministério Público, para as providências da
sua alçada constitucional.
Não tem o menor
cabimento jurídico, precisamente por falta de amparo constitucional, o senador “dizer
e desqualificar é que o Ministério da Saúde” não tem competência para a prescrição
de receitas, porque, se isso é verdade, não é por meio da CPI que seja dito,
quanto mais aproveitando depoimento que não tem essa finalidade, mas sim com a
adoção de medida judicial pertinente, no âmbito da competência constitucional do
parlamentar de fiscalizar os atos do governo, com vistas a se buscar a precisa reparação
dos atos que ele achar que estejam fora da legalidade.
Enfim, as declarações do
senador somente afirmam e confirmam o seu completo desafinamento, em termos
funcional, com as finalidades precípuas da CPI em causa, de modo que ele perde
excelente oportunidade para se retratar perante a médica e a opinião pública e reparar,
como é do dever de pessoa civilizada, educada e respeitosa, o grave crime
perpetrado por ele contra pessoa que, em princípio, vem demonstrando extrema
dignidade no cumprimento do seu dever profissional e de brasilidade, sendo
merecedora da admiração e do respeito por sua enorme contribuição à causa da
saúde pública brasileira, não merecendo nenhuma censura quanto ao seu trabalho,
diante da ausência de fato a se comprovar algo em contrário.
Brasília, em 4 de junho
de 2021
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