sexta-feira, 11 de junho de 2021

Voto impresso

 

O presidente da República fez desafio ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em relação à implementação do voto impresso, com vistas à próxima eleição presidencial.

O presidente brasileiro disse que “se o Congresso aprovar o voto impresso, vamos ter eleições com voto impresso e ponto final. Não se discute mais este assunto. Ponto final”.        

Em data anterior, o presidente do TSE havia defendido o sistema eleitoral vigente, que tem por base somente a urna eletrônica, e disse que a implementação do voto impresso seria “uma solução desnecessária para um problema que não existe. A posição do TSE no tocante ao item segurança é de que a introdução do voto impresso seria uma solução desnecessária para um problema que não existe com um aumento relevante de riscos”.

O ministro afirmou que “a implantação do voto impresso, se aprovado pelos parlamentares, precisaria ser validada pelo STF.”.

O presidente do país chamou o ministro do Supremo de “dono da verdade”, tendo dito que é necessário respeitar a Constituição e o Parlamento brasileiro, conforme o seguinte: “Ministro Barroso, o dono da verdade. Eu vi ele falar uma coisa importante hoje, presta atenção pessoal: ‘Se o Congresso aprovar (a promulgação de uma PEC) e não for judicializado, nós vamos cumprir’. Que negócio é esse, ‘se não for judicializado’, ministro Barroso? Quer dizer que se alguém entrar com uma ação no Supremo, você vai despachar lá que não vale a PEC dos deputados e senadores? Uma pessoa vai querer derrubar no mínimo 308 deputados e 53, 54 senadores?”.

O presidente do país continuou, em tom de exaltação, defendendo a sua opinião, tendo afirmado que “Cada um de nós deve respeitar a Constituição, respeitar o Parlamento brasileiro. Respeitar as decisões nossas, e respeitar as decisões de vocês também, do Judiciário. Não é se meter em tudo. Vai cumprir, sim. Se o Congresso promulgar a PEC do voto auditado impresso, teremos eleições com voto impresso em 2022 e ponto final. Não se discute mais esse assunto. Não tem que ninguém dar palpite. Ninguém. Não fique dando de uma pessoa que sabe tudo. Não sabe nada! Não sabe o que é o voto de uma pessoa numa comunidade, não sabe o que é o voto de uma pessoa nos sertões do Brasil”.

Na atualidade, o Congresso Nacional tem em pauta proposta de emenda constitucional sobre o voto impresso, que na verdade trata-se da junção à urna eletrônica de impressora, tendo por finalidade a impressão do voto, em papel, apenas virtual, que permanece na máquina, indisponível para o eleitor, por questão da segurança pertinente ao sigilo do voto.

Ao se afirmar que “se o Congresso aprovar o voto impresso, vamos ter eleições com voto impresso e ponto final. Não se discute mais este assunto. Ponto final”, fica mais do que patenteada a sentença própria de quem tem vocação para desprezar os princípios democráticos, onde não se pode discutir e até questionar, quando for o caso, a adequabilidade das leis e dos atos administrativos, nas vias legais, de modo a se buscar o melhor entendimento jurídico sobre a sua aplicação.

A decretação presidencial de “ponto final” sobre a aplicabilidade de medida adotada pelo Congresso somente sinaliza para a ruptura da civilidade, com a imposição do entendimento tirânico de que não adianta discutir e pronto, não cabendo questionamento, como fazem exatamente as republiquetas, em dissonância com os princípios político-democráticos.

É extremamente lamentável que ainda existam governantes com mentalidade desfocada da realidade dos novos tempos, que se assentam em princípios e ideias arejados para a discussão das questões que possam contribuir para beneficiar a tolerância, a compreensão e a resolução dos problemas, sempre na ordem ditada para a satisfação do interesse público.

A verdade é que o país perde excelente oportunidade para se resolver questão, de maneira pacífica, inteligente e civilizada, como fazem normalmente as nações sérias e evoluídas, em termos políticos e democráticos.

Desde logo, verifica-se que existe conflito de entendimento, porquanto o presidente da República diz que a urna eletrônica não é confiável, diante de questionamentos sobre a existência de fraudes capazes de haver manipulação do resultado da votação, evidentemente destinada a beneficiar candidatos e prejudicar outros.

Tudo isso acontece em tese, porque o próprio mandatário, que é o principal acusador sobre suspeita da deficiência do sistema eleitoral, já disse que teria em seu poder provas sobre ela, embora nunca as apresentou, fato que demonstra que ele não passa de blefador, por não mostrar a prova do crime.

Caso o presidente do país tivesse a mínima intensão de tratar o assunto com respeito e seriedade, nem precisaria dizer que tinha provas, bastava apenas mostrá-las, para que as discussões tivessem por base elementos consistentes, de modo a contribuir, com o peso da irrefutabilidade de elementos firmes, seguros e indiscutivelmente garantidores sobre a real necessidade da mudança de sistema que tem oferecido possíveis motivos para questionamentos e que precisa ser urgentemente aperfeiçoado e modernizado, com vistas a torná-lo extreme de dúvidas, porque é precisamente assim que procedem os países que primam pelo respeito ao perfeito funcionamento das suas instituições e dos sistemas procedimentais vigentes.

Ou seja, caso o presidente do país tivesse consciência sobre a necessidade de se resolver as questões, por meio do mínimo critério de inteligência, racionalidade e bom senso, nem precisaria ser grosseiro, ignorante e mal-educado, evitando se expressar com truculência sobre matéria que ele considera e que realmente é importante, sob o entendimento de que “Não se discute mais esse assunto. Não tem que ninguém dar palpite. Ninguém. Não fique dando de uma pessoa que sabe tudo. Não sabe nada! Não sabe o que é o voto de uma pessoa numa comunidade, não sabe o que é o voto de uma pessoa nos sertões do Brasil”, dando a entender que somente vale a opinião presidencial por ser correta e definitiva, em total desprezo aos outros sentimentos.

Quando um estadista chega a esse nível, que não admite mais discutir assunto onde existe polêmica de opinião entre os envolvidos, não resta mais a menor dúvida de que isso já deixou de ser tratado no cenário da democracia e passou para o campo da tirania, onde prevalece exclusivamente a ideia do ditador, do entendedor geral de tudo, daquele que acha que a sua opinião, o seu desejo, deve prevalecer sobre o ingênuo pensamento das demais criaturas.

É preciso deixar bastante cristalino que o presidente do TSE também procede com a mesma ou pior má vontade dos mundos, porque ele, na qualidade de autoridade máxima que tem a responsabilidade pela excelência e o perfeito  funcionamento do sistema eleitoral, tem o dever de provar para os brasileiros, por meio de esclarecimentos, explicações, justificativas ou outros recursos tecnicamente válidos e apropriados ao caso, que os questionamentos levantados pelo presidente do país são absolutamente destituídos de procedência.

Não tem o menor cabimento, por se tratar de pueril argumentação, o presidente do TSE apenas afirmar, em relação à medida de que trata a aludida PEC, que, verbis:  uma solução desnecessária para um problema que não existe. A posição do TSE no tocante ao item segurança é de que a introdução do voto impresso seria uma solução desnecessária para um problema que não existe com um aumento relevante de riscos.”.

Ou seja, o ministro faz a defesa do sistema tão somente com base em entendimento de convicção que ele tem dentro si, o que não diz absolutamente nada, para o fim de mostrar, em detalhes, as motivações, os elementos de robusta consistência por meio dos quais devem ter a devida autoridade para convencer e assegurar que o sistema é seguro e confiável.

Conviria que o ministro mostrasse, de maneira clara, minudente e segura, que nada é capaz de suscitar a menor fraude do sistema eleitoral, inclusive para que ele pudesse chegar a essa conclusão, seria importantíssimo que apelasse para os brasileiros e o próprio presidente do país apresentarem indícios, provas ou outros meios capazes da confirmação de fraudes, de modo que se busque a maior transparência possível sobre o assunto e se esgotasse tudo a seu respeito, para possibilitar o encerramento de algo que, neste momento, se discute sob apenas clima apaixonado, em que, em termos práticos, conforme enfocado acima, todos se distanciam do cerne do problema, ante a nítida falta de objetividade.

Enfim, se realmente os presidentes da República e do Tribunal Superior Eleitoral tivessem algum interesse em solucionar esse imbróglio, de forma pacífica, democrática e civilizatória, bastante apenas a aplicação da inteligência administrativa, no sentido de se instituir comissão de alto nível, com a integração paritária de elementos capacitados para se discutir as possíveis deficiências e apontar as devidas medidas saneadoras, em benefício dos interesses dos brasileiros, que exigem o encerramento dessa deprimente pendenga entre altas autoridades da República, que simplesmente não leva a absolutamente nada, senão à perda do precioso tempo.              

Brasília, em 11 de junho de 2021

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