sábado, 5 de junho de 2021

Pronunciamento para quê?

Aproveitando que a sua popularidade se encontra em escala declinante, à vista da situação desfavorável do governo, diante, em especial, da precariedade das medidas de enfrentamento da pandemia do coronavírus, o presidente resolveu fazer pronunciamento em rede de rádio e televisão, na noite da última quarta-feira, que materializou como verdadeira farsa estarrecedora como tentativa de justificativas aos brasileiros.

A verdade é que muitos assuntos abordados pelo presidente jamais se aproximaram da expressão própria dos seus verdadeiros sentimentos, principalmente porque ele se referiu a situações bastantes estranhas ao que pensa, entende e faz com fidelidade e autenticidade, que parece exprimir estritamente seus sentimentos, sem a menor preocupação com os interesses dos brasileiros.

Parece inacreditável, mas é pura verdade que o presidente do país começou o discurso lamentando as mortes dos milhares de brasileiros causadas pela Covid-19, em que pese haver suspeitas de que muitas delas terem sido o resultado de omissões e negligências do governo, fato este que leva ao entendimento de que o pronunciamento teria sido construído, estruturado  com base no sarcasmo, por outra contextualização que nada representa de sincero e verdadeiro, à vista da demonstração de permanente insensibilidade aos princípios humanos.

Há quem diga que o presidente, para ser mais fiel aos fatos, deveria ter sustentado a mesma manifestação com pitada de sensibilidade e humanismo, em forma de algum sentimento, mas não agora e sim desde março do ano passado, quando a pandemia se intensificara e o Brasil atingiria 201 mortes, já sob a premissa de que o Brasil iria enfrentar a maior e mais violenta tragédia humanitária da história brasileira.

O certo é que o tempo passou muito rapidamente e, de lá para cá, o saldo das mortes já ultrapassa dos 470 mil brasileiros, que foram menosprezadas pelo presidente, posto que, nesse interim, ele fez pouco caso da situação para tentar passar para a população a insignificância da doença, tendo chamado as pessoas de “maricas”, por ficarem em caso, com medo dela, quando os fortes a precisam enfrentá-las com coragem.

O presidente, sob sentimentos incompatíveis com a realidade dura e crua da doença, disse, entre muitas inconveniências, porque melhor teria sido ficar calado, que nada poderia fazer, que ele não era “coveiro”, “sou messias, mas não faço milagres”,vai morrer quem tiver que morrer” e “vou comprar vacina na casa da tua mãe”, entre outras afirmações indesejáveis e impróprias diante da gravidade da doença somente da maior gravidade, no plano da saúde pública.

Não é novidade alguma para a sociedade as atitudes e as reações nada republicanas do presidente do país, porque elas foram acompanhadas no dia dele, por meio de manifestações nefastas e prejudicais aos interesse da população, além de nada ter feito nem esboçado para, ao menos, demonstrar interesse na tentativa de conter o avanço do temível vírus.

Ao contrário disso, os fatos mostram, com robustez, que o presidente contribuiu para estimular a propagação do vírus, na forma mais explícita possível de apoio às aglomerações, tendo criticado severa e insistentemente o isolamento social, além de ter combatido o uso de máscaras, entre outras barbaridades contrárias à ciência.

No pronunciamento, o presidente voltou a condenar governadores e prefeitos que defendem as acertadas medidas restritivas para evitar a expansão do coronavírus, cujas críticas se demonstram equivocadas, porque o relaxamento das medidas preventivas tem o condão de colocar o Brasil no centro perigoso da pandemia mundial.

Há unanimidade, por parte de cientistas e autoridades sanitárias mundiais, de que a contaminação pela Covid-19 só vai ceder para valer se houver medidas de distanciamento social, práticas de higiene severas e vacina, o que vale dizer que, quem pensa diferentemente disso, precisa assumir seus atos, inclusive sob a responsabilidade da omissão ou até mesmo por ação, em defender procedimentos contrários à ciência.

O presidente do país precisa ser censurado por suas teses em sintonia com o atraso, como a imunidade de rebanho ou que tudo não passaria de uma “gripezinha”, quando melhor para a população teria sido simplesmente o silêncio dele sobre assunto que exige conhecimentos de medicina e até científico, que não são da sua seara.

A postura anticiência do presidente brasileiro precisa ter fim o mais breve possível, para mostrar que quem muito ajuda é aquele que fica calado sobre matéria que não é da sua incumbência legal, cabendo aos entendidos, que estudaram a fundo a matéria, darem a sua contribuição, se manifestando com a devida autoridade, de modo a contribuir para o benefício da sociedade.

O pronunciamento em tela expõe claríssima distorção da realidade, quando o presidente do país, com certo ar de sarcasmo, disse que incentiva a vacinação em massa, quando ele resiste em tomar a vacina e deveria ter sido um dos primeiros a ser imunizado, o que bem demonstra a falta de sinceridade dele no combate à pandemia do coronavírus. Parte inferior do formulário

A negligência do governo federal é tão patente, no que se refere à imunização,  que somente apareceu vacinas graças ao Butantan, do governo de São Paulo, que persistiu no projeto de produzir a CoronaVac no Brasil, que possibilitou  o início da vacinação ainda em janeiro último.

Caso o presidente não fosse tão negacionista e se tivesse tido boa vontade e interesse, certamente que o Brasil teria iniciado a imunização já em dezembro, antes ou junto com o resto do mundo, que decidiu priorizar as causas no combate à pandemia do coronavírus.

É preciso notar que o governo se empenhou pela imunização em reação muito tardia, cuja indiscutível negligência pode ter contribuído para muitas mortes de brasileiros e isso não pode ficar impune, diante do envolvimento de preciosas vidas que poderiam ter sido salvas, mas foram sacrificadas em razão da insensibilidade e da incompetência no tratamento da doença.

É bem fácil de se entender esse quadro nefasto de letalidade que resulta da incompetência administrativa, quando, em outubro, quando o Butantan ofereceu a vacina ao general da Saúde e o presidente do país mandou rasgar o contrato, o Brasil contabilizava apenas 120 mil mortes, que já eram inadmissíveis, mas a demora da vacinação e outros fatores prejudiciais contribuíram para turbinar o quadro de óbitos, não fazendo o menor sentido pronunciamento com afirmação em defesa da vacina, porque os fatos falam por si sós.

A esperança dos brasileiros é a de que os panelaços direcionados em protestos ao presidente do país, precisamente por ocasião do seu pronunciamento, sirvam de autêntico recado para mostrar para que a sonoridade produzida se reflita em badaladas a anunciarem junto ao Palácio da Alvorada de que expressiva parcela da população está insatisfeita com a pífia execução das políticas pertinentes ao enfrentamento da gravíssima crise da pandemia do coronavírus, de modo a se reivindicar tratamento condizente com as mínimas dignidades compatíveis com as condições desejáveis e normais que a população faz jus.

Enfim, o presidente da República perdeu excelente oportunidade para ter ficado calado, com o aproveitamento do momento usado para se concentrar, com os melhores sentimentos humanitários, no sentido de refletir sobre a sua questionável atuação no combate à pandemia do novo coronavírus, se realmente ele tem algum propósito de contribuir com algo positivo para acabar com esse desgraçado vírus, tendo em conta que, até agora, a sua participação tem sido a menos recomendada possível para mandatário de nação da importância do Brasil, notadamente porque não se conhece absolutamente nada benéfico que tenha vindo da lavra dele, salvo o extremamente necessário, apenas como mera obrigação do Estado.  

          Brasília, em 5 de junho de 2021 

Nenhum comentário:

Postar um comentário