domingo, 27 de junho de 2021

O dever da tolerância

 

O presidente da República reincidiu no insulto à imprensa, nesta sexta-feira, quando, novamente visivelmente descontrolado, ele disse para uma jornalista da Rádio CBN, “voltar para a faculdade, depois para o ensino médio, em seguida, para o jardim de infância e aí nascer de novo".

O presidente também disse para os repórteres pararem de fazer "pergunta idiota" e se defendeu das acusações sobre corrupção na negociação de compra da Covaxin, dizendo que a vacina não foi comprada e que havia apenas um erro no documento mostrado à opinião pública.

A CBN disse, por meio de nota, que "repudia o tratamento agressivo e insultuoso de Jair Bolsonaro à repórter Victória Abel. Não foi à repórter que faltou educação nesse episódio. A CBN se solidariza com Victória Abel, que, assim como todos os nossos jornalistas, continuará a fazer seu trabalho para informar os brasileiros".

O insulto do presidente do país aos jornalistas foi feito após o questionamento a ele sobre a avaliação de especialistas de que o Brasil poderia ter evitado mortes pela Covid se tivesse comprado vacinas antes.

O presidente disse: "Olha só: no dia seguinte, pelo que fiquei sabendo, era um documento que estava feito de forma equivocada. Faltava um 0 lá. Em vez de 200 mil doses eram 3 milhões. E foi corrigido no dia seguinte. Outra, tem algum recibo meu pra ele? Foi consumado o ato? Há dias seguidos aquilo foi retificado".

O contrato do governo federal para a compra da vacina da Covaxin, fabricada na Índia, está no alvo do Ministério Público Federal e da CPI da Covid, à vista de suspeitas de irregularidades, cujas suspeitas não foram devidamente justificadas nem esclarecidas por quem de direito.

Outra vez, diante de uma repórter mulher, o presidente do país demonstra a sua índole tratoraço de má-educação e de desrespeito aos princípios humanitários, porque, ele, como a principal autoridade do Brasil, não tem direito algum de ser contumaz grosseiro, intolerante e deselegante, em evidente afronta à liturgia do relevante cargo presidencial, quando, ao contrário, é da sua obrigação contribuir com bons modos, solidariedade e diplomacia, em especial no relacionamento com a imprensa.

Não faz o menor sentido que o presidente do país seja estúpido sempre que é questionado sobre assuntos inerentes ao seu cargo, posto que cumpre a ele prestar as melhores informações, em sintonia com o dever constitucional de prestar contas à sociedade sobre seus atos.

Sempre que o presidente do país se depara com perguntas dos repórteres, ele se irrita em demonstração de extremo incômodo e intolerância, mas o mais grave é que não há a menor justificativa que ele agrida a dignidade e a honra de repórteres, sem sopesar que não custaria nada a resposta com serenidade, diplomacia e educação, condutas próprias do verdadeiro estadista, em harmonia com os princípios republicano e humanitário, porque é exatamente assim que precisa se comportar perante seus súditos, que não toleram mais tanta demonstração de irracionalidade e de desrespeito ao seu semelhante.

O certo mesmo é que, por dever funcional, o presidente da República, para ser merecedor do respeito dos brasileiros, precisa ter a dignidade de pessoa pública, com capacidade cívica para ser questionado e indagado sobre os assuntos da sua incumbência constitucional, devendo ter serenidade suficiente para responder quaisquer questionamento que diga respeito aos interesses nacionais e da sociedade, em estrito devotamento próprio do exercício do cargo presidencial, que precisa ser compreendido como missão especial de servir aos brasileiros, apenas com abnegação e generosidade, em sintonia com a gênese dos verdadeiros estadistas.

Não faz bem nem para o presidente do país e muito menos para o Brasil quando o mandatário demonstra agressividade e desrespeito em público, quando faz questão de escrachar profissionais da imprensa, em especial quando não há causa plausível para justificá-la, fato este que seria racionalmente aconselhável se evitar tamanho destempero, quando se sabe que o resultado desse destempero é sempre prejudicial à imagem de ambos.

Induvidosamente, tratar bem e com educação não somente a imprensa, mas a todos é dever que se impõe em especial ao presidente do país, que tem o dever institucional de ser o modelo de grandeza nos seus atos, posto que eles precisam ter a áurea da intocável nobreza do respeito e da dignidade, diferentemente do que vem protagonizando o chefe da nação, que se orgulha de atropelar as comezinhas regras da boa educação.

É evidente que seria impossível a imprensa deixar de se aproximar do presidente da República, porque ela sobrevive por meio do ofício de informar à sociedade, mas forma especial de abandono a ele poderia ser demonstração clara de despreza a quem deixou de ter respeito ao saudável princípio da civilidade no relacionamento com os meios de comunicação, pelo menos até quando houver a compreensão, a tolerância e o respeito acerca do verdadeiro valor dos sentimentos humanitários.              

Brasília, em 27 de junho de 2021

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