No depoimento à CPI da Covid, do Senado Federal, uma médica
que defende o tratamento precoce da doença foi questionada por um senador, que
é médico especialista em ortopedia, sobre diversas situações médicas
relacionadas com o tema em causa.
A médica se apresenta
como imunologista e oncologista e tem sido uma das principais defensoras do
citado tratamento e do uso da cloroquina para o combate à Covid-19, cujo
medicamento é tradicionalmente usado para o tratamento da malária, doença
provocada por protozoário, mas já foi comprovada a sua ineficácia para o combate
à doença do século.
A médica foi especialmente
convidada para falar à Comissão Parlamentar de Inquérito após ter sido apontada
como uma das integrantes do “gabinete paralelo” da Saúde, no Palácio do
Planalto, embora ela tenha negado essa condição, tendo declarado que é apenas "colaboradora
eventual", para fins da Covid-19.
Na aludida audiência, o
mencionado senador foi bastante incisivo nas suas perguntas, tendo até cobrado
dela exames de pacientes tratados por ela com o medicamento e a apresentação
dos resultados.
Nesse ínterim, o
senador a inquiriu assim: “Até porque a senhora deve saber a diferença entre
um protozoário e um vírus. A senhora sabe? Qual é a diferença, doutora? Doutora
Nise, estou perguntando para a senhora”.
A doutora disse que “Protozoários
são organismos celulares, e os vírus são organismos que têm o conteúdo de DNA
ou RNA”, mas o senador a retrucou, tendo afirmado isto: “Não senhora,
não senhora, tenha paciência. Não é bem assim. A senhora não é infectologista,
se transformou de uma hora para outra, como muitos no Brasil, se transformaram
em infectologista, e não é assim”.
Nessa mesma linha de
rudeza coloquial, o senador disse que "A senhora não soube explicar o
que é o vírus. Vírus não são nem considerados seres vivos. Portanto, uma medicação
para protozoário nunca cabe para vírus”, fazendo referência ao Covid-19.
Na sequência, o senador
perguntou à médica se ela sabia a que grupo pertence o Covid-19?, ao que foi
respondido por ela que pertence “Ao coronaviridae. Ele é um coronavírus”.
Nesse momento, o
senador foi ainda mais grosseiro e disse que “A senhora não sabe,
infelizmente. A senhora não sabe nada de infectologia. Nem estudou, doutora”.
O senador também fez
questão de perguntar à médica detalhes sobre o primeiro caso de coronavírus no
mundo, tendo formulado o seguinte: “Diga o número, diga o ano. Pode pegar os
livros aí porque a senhora não tem na cabeça, certamente. Não leu, não estudou.
E, doutora, de médico audiovisual, este plenário está cansado. De alguém que
ouviu e viu, e não leu, e não se aprofundou, e não tem estudado”.
Enquanto o senador
discursava loucamente, fazendo ácidas críticas à profissional, a médica tentava
usar a palavra, tendo falado isso: “Agora, o senhor me dá licença? Eu
preciso responder a uma série de acusações que o senhor me fez”.
A indelicadeza do
senador foi tanta que ele ainda ressaltou, verbis: “Eu não queria
constranger a senhora, mas a senhora não sabe responder a absolutamente nada.
Eu fiz um textezinho simples com ela. Qualquer menino de segundo ano,
terceiro ano. Eu fui professor de química por muitos anos, de biologia. Isso é
‘bê-a-bá’”.
À toda evidência, o
senador foi capaz de protagonizar verdadeiro espetáculo ridículo e patético, em
nível tal vexatório que desqualifica não apenas a sua condição de parlamentar,
mas de ser humano, por tentar reduzir à insignificância profissional médica de
destaque na sua área de atuação, procurando, com suas perguntas inadequadas,
inúteis e fora do contexto, salvo melhor juízo.
É claramente visível
que as indagações do senador não levam a absolutamente nada, ante a finalidade
institucional das investigações objetivadas pela CPI, que se destina, precipuamente,
a averiguar se houve omissão por parte do governo, no enfrentamento da
Covid-19.
Não há a menor dúvida
de que o senador foi extremamente rude em agressividade, ao formular questões estranhas
ao evento e em dissonância com os objetos da CPI, como se a médica estivesse
sendo perquirida, em avaliação de altíssimos conhecimentos médico-científicos, para
a ocupação de cargo no Senado, em situação completamente diferente da sua
condição de mera depoente, tendo, na pior das hipóteses, apenas a finalidade de
se avaliar a participação ou não dela no chamado “gabinete paralelo”, que teria
montado pelo governo e funcionado no Palácio do Planalto.
Diante disso, convém
que a atitude desumana, agressiva e injustificável demonstrada pelo senador
contra profissional de respeito e credibilidade, até que se prove em contrário,
seja repudiada e condenada, com veemência, pela sociedade que defende os princípios
civilizatórios e de dignificação dos direitos humanos, como forma de se
protestar contra explícitas intolerância, prepotência e abuso de autoridade, à
vista da imperiosa necessidade de se preservar pelo respeito à integridade
pessoal e aos princípios da seriedade e da responsabilidade, no âmbito da moderna
cidadania.
O senador precisava se conscientizar de que ele, como integrante da CPI,
constitucionalmente é obrigado a funcionar estritamente como parlamentar, imbuído
da responsabilidade apenas do cumprimento institucional público, sem nenhuma conotação
médica, porque, no caso, ele não podia agir como se médico fosse e mostrou que
é, fato este que ficou muito clara a sua despropositada falta de respeito ao
seu semelhante, diante da indiscutível tentativa de desmoralizar a médica.
No âmbito do Estado Democrático
de Direito, onde tem-se amplas liberdades, inclusive na profissão, evidentemente
respeitados os princípios e as éticas aplicáveis, é admissível que o trabalho
da médica, em intransigente defesa do emprego da cloroquina no tratamento
precoce da Covid-19, mesmo sem o devido lastro do entendimento sobre o uso dele
no meio cientifico, para a concessão da credibilidade à sua eficácia, fato este
que não dá o direito de ninguém tentar humilhá-la, por meio de gratuitas grosserias,
ofensas, arrogância e prepotência.
Urge que as investigações
sob a incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, em
funcionamento no Senado Federal, cinjam-se estritamente aos fatos que possam
levar à conclusão inicialmente objetivados, no sentido de se levantar se houve
ou não omissão governamental no combate à pandemia do novo coronavírus.
Brasília, em 2 de junho
de 2021
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