quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Os espinhos da seca

Por causa da seca no sertão, os nordestinos estão passando fome e racionando o pouquíssimo da água que, por milagre, ainda resta nos barreiros, que são uma mistura de água com barro, algo totalmente impróprio para o consumo animal. A situação é bastante dramática que a guerreira dona Deló, em entrevista a uma emissora televisiva, explana com lucidez o sofrimento generalizado dos sertanejos, ao afirmar: Seca igual a essa eu nunca enfrentei, porque antes tinha pelo menos algo para dar aos bichos. A última chuva na região foi em fevereiro, de lá para cá nem um pingo caiu. Por isso a gente não tem mais nem palma sobrevivendo nesse sol e nem consegue plantar nada porque não dá. Os vizinhos de vez em quando me ajudam. Me deram esse mandacaru, estou capinando ele para retirar os espinhos e dar ao gado” e “Apesar dos espinhos do Mandacaru, agradece o cactáceo oferecido por vizinhos”. A destemida senhora assevera, em tom de realístico desânimo: “Tenho que ter esperança de chuva. Se não escapar dessa vez, minha vida termina por aqui. Não vou sair da minha terra. Só saio direto para o cemitério”. Essa é a realidade nua e crua da penúria e da melancolia da qual os bravos nordestinos não podem fugir e são obrigados a penar diante da insensatez das autoridades públicas, notadamente aqueles das regiões do Cariri, Curimataú e Sertão da Paraíba, que têm sido as mais castigadas pela seca causticante. Na versão da denodada paraibana, chega a ser dolorosa e altamente torturante a situação impingida aos sertanejos, sacrificando em muito a vida dessa senhora de idade já avançada, que, aos 77 anos, ainda é obrigada a lidar no dia a dia com espinhos para amenizar a agonia causada pela fome aos seus animais de criação, que estão morrendo lentamente, sem que haja lenitivo para amainar suas agruras. Os agricultores asseguram que se trata da seca mais rigorosa dos últimos 30 anos, cuja longa estiagem vem causando estrago irreparável, com a perda da esperança e em especial com o sacrifício dos animais, que estão padecendo e morrendo à míngua de ração e água, cada vez mais difíceis no sertão. Chega a ser imperdoável o desdém das autoridades públicas, quando se sabe que a atual seca eclodiu há bastante tempo, mas o socorro oficial caminha lentamente, ante a abominável burocracia palaciana, que não se compadece com o sofrimento de enorme legião de desassistidos e carentes de ajuda de toda ordem, em especial da presença dos recursos públicos, que não aparecem quando mais se precisa dessa preciosa ajuda oficial. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a conjuntura no âmbito nacional dificulta o socorro aos agricultores e o racionamento de grãos não tem previsão de fim. Não obstante, recursos para estruturação da Copa do Mundo de Futebol não faltam e a Fifa tem toda garantia de que será realizado o melhor evento esportivo de todos os tempos. O problema da seca se arrasta de prisca era, desde o Brasil Império, mas a compaixão e misericórdia dos governantes e políticos aos nordestinos somente aparecem de araque nas rebuscadas palavras dos palanques, que logo são esquecidas após o pleito. As eleições ainda ajudam a eleger a negligência, má vontade, incompetência e pouca vergonha dos ditos representantes do povo, que, embora injustiçado pelo desprezo, se mostra incapaz de protestar contra a falta de tratamento digno e de dar o troco aos aproveitadores dos recursos públicos e da boa fé dos eleitores. Somente quem não tem coração ou não passou pela terrível experiência de ser agente ativo da seca não sente na pele o horror de conviver com a falta d’água e de alimento, sendo castigado com crueldade apenas por ter cometido o pecado de confiar na ajuda dos homens, que não aparece quando é mais preciso dela. Na realidade, as pessoas são vítimas do descaso das autoridades públicas, que têm prioridades mirabolantes e estapafúrdias para muitas futilidades e inutilidades, mas desprezam o bem mais precioso da face da terra: o ser humano, que é relegado, sem a mínima piedade, ao desamparo e ao sofrimento. Induvidosamente, o povo brasileiro demonstra verdadeira indignação pelo descaso das autoridades e solidariedade aos irmãos sertanejos, concitando que o seu padecimento tenha fim o mais breve possível. Diante das cristalinas insensibilidade e desumanidade das autoridades públicas, o intrépido e injustiçado povo nordestino, imbuído da sua peculiar fé e de forma piedosa, implora a clemência divina por urgente socorro ao Nordeste, com a abundância das milagrosas e salvadoras chuvas, para a sobrevivência dos sertanejos e o vicejar dos mandacarus, que ajudam a amenizar a fome dos animais, apesar dos espinhos, que são mais toleráveis do que o abandono dos homens. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 29 de novembro de 2012

(Este é o octingentésimo texto que posto nesta página: www.adalmir01.blogspot.com)

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