sábado, 2 de novembro de 2013

Ausência de humanização

Com muita habilidade, um preso da Paraíba fez uma máscara com as feições semelhantes ao rosto de um agente penitenciário, usando apenas sabonetes, palitos e haste de escova de dente. Ele disse que começou a fazer artesanato com sabonete e sabão para chamar a atenção do filho de oito anos: “Eu acordei com a ideia de trabalhar fazendo artes com esse tipo de material para presentear meu filho, que não vejo há mais de dois anos”. O detento cumpre pena por roubo no Presídio Padrão de Santa Rita, na Região Metropolitana de João Pessoa. O artista foi preso pela primeira vez, por assalto à mão armada e posteriormente, quando estava no regime semiaberto, voltou a cometer crime, dessa feita por furto. O seu primeiro trabalho com sabão foi um leão, para presentear seu filho, que teria sido feito com muitos detalhes, tendo despertada a atenção das pessoas, que manifestaram intenção para comprá-lo, mas o seu destino foi mesmo a mão do filho, como demonstração do seu amor por ele. Além de ter merecida a cobiça dentro do presídio, houve oferecimento da quantia de R$ 250 pela obra, que não foi aceito. O leão ganhou aplauso até do diretor do presídio, que sugeriu a exposição da obra no salão de artesanato, que também não foi acatada, por receio de ela ser danificada. Quanto à máscara com as feições do agente penitenciário, encontrada no presídio, o apenado disse que ela teve por iniciativa criar uma forma para chamar a atenção do sistema carcerário, porque “Eu trabalhava de forma precária, queria material. Meus colegas de cela deixaram de lavar roupa para me ceder o sabão”. Ele disse que a máscara foi feita em 15 dias, com o uso de três barras de sabão neutro. Conforme o artista, as cores utilizadas nos olhos foram obtidas após uma mistura feita com sabonete branco. Já a escolha da fisionomia do agente penitenciário foi uma homenagem a ele, que é o chefe de disciplina do presídio e é quem mais frequenta as celas. Embora houvesse cogitação de que a máscara serviria para algum plano de fuga, ante a semelhança com o homenageado, o apenado descartou qualquer intenção nesse sentido. Ele disse que se dedicava cerca de três horas por dia para fazê-la e que a demora em concluí-la deveu-se ao fato de ter que esperar o plantão do agente, para observar suas características. Animado com o sucesso da máscara, o preso já fez um jarro de flores, também com sabão, e disse que agora se considera um artista, e que a sua intenção é de seguir a carreira de artesão quando sair da prisão e não mais errar. O mais importante de toda essa história do preso-artista é a confirmação de que o sistema carcerário está totalmente falido e despreparado para a recuperação dos apenados, por não oferecer absolutamente nada em termos de aprendizagem e profissionalização, como forma ocupacional para os presos, que poderiam ser motivados com atividades voltadas à produção artística e ao desenvolvimento de outras habilidades, compatíveis com a sua vocação, a exemplo do preso paraibano, que somente se tornou famoso, da noite para o dia, por sua exclusiva ousadia de construir uma máscara, no peito e na raça, com recursos absolutamente precários, mas o seu esforço foi capaz de superar essa triste e lamentável realidade de pobreza e miserabilidade, fortalecidas pelo completo descaso pelos quais os presídios são irresponsavelmente relegados. Sensibilizado com o episódio em causa, o secretário de Administração Penitenciária da Paraíba garantiu que o preso já está inserido no programa de ressocialização do sistema carcerário: “Ele vai ser incluído para receber pelo trabalho desenvolvido no presídio. É uma arte que ele vai ensinar para outros detentos. É um exemplo da ressocialização no nosso Estado, vamos trazer o material e iniciar a oficina”. É pena que a pessoa que tem o dom e a arte de fazer belas figuras, utilizando poucos e escassos recursos à sua disposição, não tenha conseguido evitar cair no mundo da criminalidade. Ou seja, antes, ele poderia ter usado seu dom para seguir carreira profissional com dignidade e sucesso. É importante que ele e outros presos recebam ajuda e orientação necessárias à conscientização para seguir sua profissão de artesão do bem e da construção de bons exemplos, tendo em vista que a criminalidade não serve de lição para a sua formação humanitária. A sociedade torce para que o preso-artesão paraibano seja devidamente assistido e apoiado na sua importante vocação de artista-artesão, como forma de servir de modelo para a sociedade carcerária, visivelmente desprezada e aviltada na sua dignidade humana. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 1º de novembro de 2013

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