terça-feira, 5 de novembro de 2013

Repúdio às ideologias oportunistas

Um ministro do Supremo Tribunal Federal afirmou que há possibilidade de ser rediscutida a validade da Lei de Anistia, apesar da manifestação da Corte pela constitucionalidade de seus dispositivos, porquanto a atual composição do órgão é diferente da anterior. A eficácia da referida lei volta a ser posta em discussão no bojo de parecer do procurador-geral da República, emitido em caso que trata da prisão preventiva e extradição de um ex-policial argentino. Agora, o ministro diz que “O Supremo de ontem era um, o de hoje é outro” e "É possível rediscuti-la? É. Depende de provocação. Mas o Supremo já disse que ela é constitucional. Agora, o Supremo de ontem era um, o de hoje é outro". Ele lembrou que, na ação do mensalão, houve mudança de posicionamento de entendimento quanto à cassação de mandatos de parlamentares, depois da aposentadoria de dois ministros. Em 2010, a Excelsa Corte de Justiça manifestou-se contra a revisão da lei, mas isso não foi o suficiente para que, agora, o procurador-geral da República concluísse pela imprescritibilidade dos crimes chamados de lesa-humanidade, como tortura. Esse entendimento significa que, ao contrário da interpretação em vigor no Brasil, militares e agentes policiais que violaram direitos humanos nos Anos de Chumbo não podem se beneficiar da Lei da Anistia. Manifestação nesse sentido ainda não havia sido dita em referência à aplicação dessa lei. O entendimento do ministro até parece ter o tom de deboche à maneira simplória como as respeitáveis decisões da mais alta corte jurídica do país são postas na pauta de revisões, para mera modificação da sua eficácia, sem aparente motivação quanto ao surgimento de fatos relevantes sobre o objeto demandado estritamente à aplicação da Lei de Anistia no país. As sugestões aparecem apenas ao sabor do mero desejo de provocar a discussão de caso consolidado no tempo, abrindo a possibilidade de provocar rachaduras nos alicerces da sociedade. É muito estranho que a simples mudança de ministros seja capaz e suficiente para alterar, num passe de mágica, entendimento do STF adotado em matéria cujo objeto não houve qualquer fato superveniente, salvo pelo mero desejo de mexer em algo consolidado. Cadê a solidez da jurisprudência do Supremo, que agora pode permitir a mudança de suas decisões ao sabor da sapiência de novos ministros, apenas por não concordarem com a decisão já firmada? Na realidade, é justo que alteração de entendimento tenha por finalidade o exclusivo propósito de beneficiar as partes envolvidas, segundo rezam princípios jurídicos, em se tratando de ações penais, o que não seria o caso em discussão, cuja mudança de posicionamento poderia implicar somente punição para agentes do Estado, mas não valeria, de forma isonômica, para os terroristas que lutaram contra o regime militar, embora suas ações criminosas mereçam igual recriminação e desaprovação, porque também tiveram o peso da destruição, crueldade e maldade. À época da sua instituição, a Lei de Anistia teve por objetivo primordial beneficiar igualmente agentes do Estado que participaram do regime militar e aqueles que se opuseram a ele, com a finalidade de selar a pacificação, o entendimento e a união entre brasileiros, que estiveram em campos opostos, por circunstâncias ideológicas cujos procedimentos se justificavam. A mexida no âmago do objeto dessa lei poderá ressuscitar animosidade entre civis e militares, haja vista que estes quedaram diante da pacificação implementada com o advento do entendimento entre as partes envolvidas. Não há dúvida de que a inteligência jurídica pode ser vantajosamente aproveitável no emprego da resolução dos cáusticos e profundos problemas que, na atualidade, afetam gravemente a população, consistentes na intensificação e na pujança da criminalidade e da violência, em decorrência, especialmente, da impunidade, que é beneficiada e estimulada pela deficiente, anacrônica e conivente legislação penal vigente, que exige urgente reformulação e aperfeiçoamento, principalmente com a prestimosa contribuição da luminosidade de quem se preocupa em sugerir a indevida revisão da Lei de Anistia, que, ante os bons frutos colhidos à época, teve o condão de estabelecer mecanismos para a pacificação entre grupos antagônicos. É preocupante se verificar que a inteligência pensante se dedique às causas já solucionadas do passado, quando há enormidade de questões emergentes que envergonham e martirizam a humanidade, mas ninguém se interessa em estudá-las e discuti-las, com vistas à sua racionalização, sistematização e atualização em busca de mecanismos capazes de contribuir para a melhoria das condições de vida da população. A sociedade confia piamente que a Excelsa Corte de Justiça tenha a sublime percepção e sapiência de compreender que o momento de civilidade e de harmonia alcançado com a consolidação do Estado Democrático de Direito não aconselha que os salutares princípios da Lei de Anistia, que resultaram na pacificação e harmonização da sociedade brasileira, em situação de extrema turbulência política, possam ser invalidados casuisticamente, a propósito de interpretações meramente destinadas a satisfazer interesses ideológicos da atualidade, que não se coadunam com os reais objetivos que levaram efetivamente à criação da lei em apreço, quando, à época, satisfizeram plenamente a vontade das partes envolvidas e da sociedade brasileira. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 04 de novembro de 2013

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