Um ministro do
Supremo Tribunal Federal afirmou que há possibilidade de ser rediscutida a
validade da Lei de Anistia, apesar da manifestação da Corte pela constitucionalidade
de seus dispositivos, porquanto a atual composição do órgão é diferente da anterior. A
eficácia da referida lei volta a ser posta em discussão no bojo de parecer do
procurador-geral da República, emitido em caso que trata da prisão preventiva e
extradição de um ex-policial argentino. Agora, o ministro diz que “O Supremo de ontem era um, o de hoje é outro”
e "É possível rediscuti-la? É.
Depende de provocação. Mas o Supremo já disse que ela é constitucional. Agora,
o Supremo de ontem era um, o de hoje é outro". Ele lembrou que, na
ação do mensalão, houve mudança de posicionamento de entendimento quanto à
cassação de mandatos de parlamentares, depois da aposentadoria de dois
ministros. Em 2010, a Excelsa Corte de Justiça manifestou-se contra a
revisão da lei, mas isso não foi o suficiente para que, agora, o
procurador-geral da República concluísse pela imprescritibilidade dos crimes
chamados de lesa-humanidade, como tortura. Esse entendimento significa que, ao
contrário da interpretação em vigor no Brasil, militares e agentes policiais
que violaram direitos humanos nos Anos de Chumbo não podem se beneficiar da Lei
da Anistia. Manifestação nesse sentido ainda não havia sido dita em referência
à aplicação dessa lei. O entendimento do ministro até parece ter o tom de
deboche à maneira simplória como as respeitáveis decisões da mais alta corte
jurídica do país são postas na pauta de revisões, para mera modificação da sua
eficácia, sem aparente motivação quanto ao surgimento de fatos relevantes sobre
o objeto demandado estritamente à aplicação da Lei de Anistia no país. As
sugestões aparecem apenas ao sabor do mero desejo de provocar a discussão de
caso consolidado no tempo, abrindo a possibilidade de provocar rachaduras nos
alicerces da sociedade. É muito estranho que a simples mudança de ministros
seja capaz e suficiente para alterar, num passe de mágica, entendimento do STF
adotado em matéria cujo objeto não houve qualquer fato superveniente, salvo pelo
mero desejo de mexer em algo consolidado. Cadê a solidez da jurisprudência do
Supremo, que agora pode permitir a mudança de suas decisões ao sabor da
sapiência de novos ministros, apenas por não concordarem com a decisão já firmada?
Na realidade, é justo que alteração de entendimento tenha por finalidade o exclusivo
propósito de beneficiar as partes envolvidas, segundo rezam princípios
jurídicos, em se tratando de ações penais, o que não seria o caso em discussão,
cuja mudança de posicionamento poderia implicar somente punição para agentes do
Estado, mas não valeria, de forma isonômica, para os terroristas que lutaram
contra o regime militar, embora suas ações criminosas mereçam igual
recriminação e desaprovação, porque também tiveram o peso da destruição,
crueldade e maldade. À época da sua instituição, a Lei de Anistia teve por objetivo
primordial beneficiar igualmente agentes do Estado que participaram do regime
militar e aqueles que se opuseram a ele, com a finalidade de selar a
pacificação, o entendimento e a união entre brasileiros, que estiveram em
campos opostos, por circunstâncias ideológicas cujos procedimentos se
justificavam. A mexida no âmago do objeto dessa lei poderá ressuscitar animosidade
entre civis e militares, haja vista que estes quedaram diante da pacificação
implementada com o advento do entendimento entre as partes envolvidas. Não há
dúvida de que a inteligência jurídica pode ser vantajosamente aproveitável no
emprego da resolução dos cáusticos e profundos problemas que, na atualidade,
afetam gravemente a população, consistentes na intensificação e na pujança da
criminalidade e da violência, em decorrência, especialmente, da impunidade, que
é beneficiada e estimulada pela deficiente, anacrônica e conivente legislação
penal vigente, que exige urgente reformulação e aperfeiçoamento, principalmente
com a prestimosa contribuição da luminosidade de quem se preocupa em sugerir a indevida
revisão da Lei de Anistia, que, ante os bons frutos colhidos à época, teve o
condão de estabelecer mecanismos para a pacificação entre grupos antagônicos. É
preocupante se verificar que a inteligência pensante se dedique às causas já
solucionadas do passado, quando há enormidade de questões emergentes que
envergonham e martirizam a humanidade, mas ninguém se interessa em estudá-las e
discuti-las, com vistas à sua racionalização, sistematização e atualização em
busca de mecanismos capazes de contribuir para a melhoria das condições de vida
da população. A sociedade confia piamente que a Excelsa Corte de Justiça tenha
a sublime percepção e sapiência de compreender que o momento de civilidade e de
harmonia alcançado com a consolidação do Estado Democrático de Direito não
aconselha que os salutares princípios da Lei de Anistia, que resultaram na pacificação
e harmonização da sociedade brasileira, em situação de extrema turbulência
política, possam ser invalidados casuisticamente, a propósito de interpretações
meramente destinadas a satisfazer interesses ideológicos da atualidade, que não
se coadunam com os reais objetivos que levaram efetivamente à criação da lei em
apreço, quando, à época, satisfizeram plenamente a vontade das partes
envolvidas e da sociedade brasileira. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 04 de novembro de 2013
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