Existe
o entendimento unânime entre os juristas de que a Constituição corre séria ameaça
caso sejam mantidos os direitos políticos da ex-presidente da República petista,
que deveria ter sido inabilitada, por força da penalidade do impeachment.
Não
obstante, tudo indica, segundo opiniões colhidas aqui e ali, que o Supremo
Tribunal Federal não pensa em alterar o status
quo, ou seja, não há interesse em invalidar o estado de direito, embora
seus integrantes considerem o fatiamento inconstitucional, o que representa
incoerência jurídica.
Uma
ministra do Supremo disse que “Alterar
agora o que foi definido no Senado poderá colocar o país sob uma grande
instabilidade política”.
Isso
não é exatamente o que pensam os juristas brasileiros, que estão certos de que
o erro protagonizado pelo Senado Federal, no caso da habilitação política da
ex-presidente punida com o impeachment, pode ser corrigido pelo Supremo, sem o
menor risco da ocorrência de instabilidade política.
Segundo
um professor de direito administrativo da PUC-SP, “Está muito claro que o vício está na manutenção dos direitos políticos
da ex-presidente e não na perda do mandato. E a decisão deve ser revista apenas onde existe o vício que está no
quesito do fatiamento”.
A
dúvida quanto ao exame da matéria pelo Supremo foi suscitada de vez com a
decisão de uma ministra, indeferindo, in
limine, as ações impetradas contra o processo do impeachment, no que tange
ao fatiamento, com questionamento sobre a separação das votações da cassação e
da perda dos direitos políticos.
É
evidente que o mérito ainda será objeto de julgamento pelo plenário da corte,
que não tem previsão quando isso possa ocorrer.
A
preocupação é que a separação das punições capituladas no art. 52 e seu
parágrafo único possa contribuir para a disseminação de entendimentos que levem
à enxurrada de petições de servidores públicos, questionando seu enquadramento
de punições de inabilitação para o exercício funções e cargos púbicos, com
vistas ao restabelecimento de seus direitos políticos.
Ressalte-se
que, no período de 2003 a julho deste ano, 4.962 servidores foram demitidos do
serviço público por envolvimento em irregularidades, os quais foram enquadrados
na Lei da Ficha Limpa, ficando inelegíveis por oito anos. A depender da decisão
do Supremo, eles poderão tentar, na Justiça, a reabilitação de seus direitos para
o exercício de cargos públicos.
Conforme
o caso, parlamentares cassados, condenados e até presos podem tentar a recuperação
de seus direitos políticos e até a voltar a receber remuneração dos cofres
públicos, a exemplo de um ex-deputado petista pelo Paraná, que está preso em
Curitiba, por corrupção, e foi cassado em dezembro de 2014.
Um
especialista em Direito Público e doutor em Direito Civil Comparado afirmou que
“Em ações de improbidade administrativa,
ou mesmo de infrações penais, você tem como consequência o afastamento do cargo
e inabilitação. Abrir um precedente, a meu ver, é perigosíssimo em termos de
instabilidade. Em tese, todos aqueles que de alguma maneira passaram por um
processo semelhante poderiam reclamar esse direito”.
Outro
jurista disse que o entendimento do Senado “Cria
um precedente brutal. Pela Constituição, é indissociável a punição de perda dos
direitos políticos. O efeito da sentença é justamente esse. Não pode alguém
cometer um crime de responsabilidade e ser novamente eleito na eleição seguinte”.
Um
respeitado jurista afirmou que o Supremo pode decidir declarar a
inconstitucionalidade apenas para os casos vindouros, evitando anular a votação
do impeachment, uma vez que, “Na eventualidade
de alterar e considerar inconstitucional teria de expelir nova votação, e isso
estabeleceria o caos absoluto. A essa altura, eu tenho a impressão de que é
inconstitucional, mas a competência é do Senado”.
Já
um professor de Direito disse que “Mesmo
que não haja a aplicação da separação para casos de outros políticos, esse se
torna um forte argumento para os parlamentares tentarem mudar a Lei da Ficha
Limpa, grande conquista da sociedade.”.
Nos
bastidores do Supremo, há o clima segundo o qual a avaliação dos ministros é de
que não haverá interferência no julgamento do Senado, mas o forte desejo dos
juristas é o de que bastaria a Excelsa Corte tão somente fazer o dever de casa
de se manter a lógica do resultado do impeachment da petista e anular a segunda
votação que manteve, de forma indevida, os direitos dela, como forma de
harmonização do texto constitucional com a realidade fática e de se permitir
que a Constituição possa respirar soberanamente aliviada do solavanco provocado
por conveniência absolutamente injustificável.
É
evidente que a Suprema Corte de Justiça do país não pode fechar os olhos para
barbárie contra o ordenamento jurídico pátrio, sob pena de ter a sua reputação
tripudiada e forçosamente ela se equipara às mentalidades pobres e pouco preocupadas
com o aperfeiçoamento dos princípios jurídicos.
Convém
que ainda seja sopesada a incumbência institucional de a Excelsa Corte zelar
pelo fiel cumprimento dos princípios constitucionais, conquanto compete
exclusivamente a ela, entre outras relevantes atribuições, a correção dos graves
erros na aplicação dos dispositivos da Carta Magna, notadamente quando se trata
de caso que pode abrir grave precedente prejudicial à segurança jurídica, o que
é absolutamente inconcebível em país civilizado e cônscio da sua
responsabilidade quanto à imperiosa necessidade do aperfeiçoamento do
ordenamento jurídico. Acorda, Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 15 de setembro de 2016
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