sábado, 24 de setembro de 2016

Retorno da lei da selva


Na Argentina, um açougueiro perseguiu e matou um ladrão que o tinha assaltado no seu estabelecimento comercial e levado o dinheiro do caixa, fato que intensificou a polêmica sobre atos de "justiça feitos com as próprias mãos".
O açougueiro foi solto depois de quatro dias preso, em meio a apelos da população, de seus familiares e até mesmo do presidente do país.
Dias antes desse episódio, também na Argentina, um médico havia matado, com quatro tiros, um assaltante que tentara roubar seu carro, no momento em que saía do consultório.
Os dois cidadãos disseram que se arrependeram da reação violenta que tiveram depois de terem sido abordados pelos assaltantes.
Os aludidos casos causaram enorme repercussão negativa naquele país, onde episódios semelhantes estão acontecendo com frequência, deixando a população perplexa e preocupada, diante do crescimento da insegurança, que obriga o cidadão trabalhador perseguir o ladrão até a morte, quando isso seria dispensável se houvesse maior participação da segurança pública da incumbência do Estado, que se omite e termina sendo cúmplice com a criminalidade, que tem muita facilidade para agir, de forma violenta contra a sociedade.
O ministro da Justiça argentino disse que "Andar armado, fazer justiça com as próprias mãos ou praticar linchamentos não são o caminho correto", tendo ressaltado que "desta vez quem morreu foi o delinquente, mas muitas vezes quem morre é a vítima", dando a impressão de que tudo vai continuar como antes, no quartel de Abrantes, principalmente porque a vítima foi o criminoso, e nada será feito para, ao menos, minimizar o estado de calamidade que grassa naquele país.
O jornal La Nación ressaltou que "Ao menos que como sociedade queiramos empreender o caminho sem retorno da lei da selva, não cabe outra postura que não a defendida pelo ministro", tendo ressaltado o grau de estresse que impactaram o açougueiro e o médico, que agiram sob forte emoção, resultado do "altíssimo grau de impotência com o qual muitos (Argentinos) vivenciam o drama da insegurança e do baixo índice de condenações judiciais".
O citado jornal disse que “a crise de segurança só será contornada com mais policiamento nas ruas, mudanças legais e mais efetividade do Poder Judiciário, se não quisermos que a justiça com as próprias mãos substitua a justiça dos tribunais".
O presidente da Argentina, em apoio aos movimentos de rua pedindo a liberdade do açougueiro, disse que "Ele (açougueiro) deveria estar com sua família, tranquilo, tratando de refletir sobre tudo o que aconteceu, enquanto a Justiça toma uma decisão".
Uma ativista de direitos humanos daquele país afirmou que "É incorreto que jornalistas, políticos e até o presidente opinem sobre esses casos. Os juízes se sentem pressionados. Além disso, a vingança está sempre fora da lei. Eles (médico e açougueiro) dizem que se pudessem voltar no tempo, não teriam feito o que fizeram. Não sei se é apenas estratégia da defesa, mas o que fizeram é lamentável".
O pai do suspeito do assalto apelou no sentido de que o açougueiro "Pague pelo que fez. Ninguém tem o direito de tirar a vida de outra pessoa. Não buscaremos vingança. Será a justiça divina que assumirá esta responsabilidade".
O câncer da criminalidade é mal que se infestou no mundo todo, com maior predominância nos países cujos governos desprezaram, por completo, o dever constitucional de cuidar da segurança e da ordem públicas, permitindo que a criminalidade se organizasse e tomasse conta dos setores que deveriam ser dominados pelo policiamento da incumbência constitucional do Estado, que não esboça o mínimo esforço para reverter o quadro de precariedade existente no âmbito da segurança pública, que padece de investimentos e de políticas prioritárias para combater, com eficiência, a delinquência.
É de se lamentar que a sociedade seja obrigada a agir em defesa própria, exatamente em razão da indiscutível incompetência do Estado, que deveria priorizar políticas referentes à saúde, educação e segurança pública, entre outras ações públicas, como forma de melhorar a presença do Estado em setores essenciais às melhorias das condições de vida da população.
          É evidente que o violento revide ao crime passou a ser natural, diante da impotência e do estresse causados em razão da enorme falta de proteção da incumbência constitucional do Estado, que até pode investir muito na segurança pública, mas o faz com pouco efetividade e eficiência, permitindo que a criminalidade se expanda sem resistência, ficando o povo à mercê da delinquência, que cresce inversamente ao preparo da segurança que devia ser disponibilizada para a garantia da proteção da sociedade e do seu patrimônio.
À toda evidência, é notória a precariedade da segurança pública, que tem propiciado inclusive que a população chegue ao ponto de decidir fazer justiça com as próprias mãos, a exemplo dos casos que se sucedem com muita frequência, quando, ao contrário disso, a Constituição obriga que o Estado proteja e dê segurança à sociedade, por meio dos mecanismos instituídos e mantidos na forma da lei.
Urge que os brasileiros se conscientizem sobre a necessidade de se exigir que as autoridades incumbidas das políticas de segurança pública priorizem medidas capazes de transformar a situação de lamúria e de precariedade de proteção em plena garantia de condições capazes de reduzir a criminalidade e de assegurar que a justiça seja feita somente pelas instituições legalmente incumbidas desse mister, tudo na forma dos ditames constitucionais. Acorda, Brasil! 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 24 de setembro de 2016

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