domingo, 11 de dezembro de 2016

A outra face da Justiça

Comenta-se, não mais somente nos bastidores, que a estranha articulação para minimizar o efeito da decisão pertinente ao afastamento do presidente do Senado Federal teria sido arquitetada, em menos de dois dias, sob a liderança, pasmem, da presidente do Supremo Tribunal Federal e certamente por outros quatro ministros da Corte, tendo por finalidade pôr panos quentes na quentura da crise político-institucional, com abrangência nos poderes Legislativo e Judiciário.
O decano do Supremo se antecipou aos ministros do Supremo, na ordem natural de votação, uma vez que ele geralmente é o último a votar, para apresentar a fórmula miraculosa anteriormente acordada e votar divergindo do ministro-relator do caso, fato que foi considero como saída intermediária com o poder para salvar o todo-poderoso peemedebista da degola.
Como justificativa para o seu inusitado posicionamento, o decano mencionou o forte reflexo da liminar nas atividades do Senado e a sua incidência na “crise gravíssima e sem precedentes que assola o nosso país”, de modo a ser o primeiro a votar contra o afastamento do senador alagoano da presidência do Senado.
          O ministro ressaltou que, em caso de ausência do presidente do país, por motivo de viagem ao exterior, o substituto natural é o presidente da Câmara dos Deputados, concluindo, com isso, que, “inexistindo deste modo razão para adotar-se medida tão extraordinária quanto à preconizada na decisão em causa”, porquanto o presidente do Senado é o segundo na linha sucessória do presidente, mas o entendimento consensual dos doutos ministros do Supremo foi o de que o peemedebista está impossibilitado para ocupar interinamente a Presidência da República, por ter se tornado réu, em razão de responder à ação penal por peculato (desvio de recursos públicos), como se isso, por si só, não fosse mais do que suficiente para impedir que ele continuasse exercendo cargo da maior relevância da República.
Pouco adiantou a ardorosa defesa da decisão liminar, por seu autor, que mostrou o paralelo entre a situação do ex-presidente da Câmara e o presidente do Senado, uma vez que o primeiro, também réu, foi afastado do cargo e do mandato de deputado por uma liminar que foi referendada posteriormente pelo plenário.
O ministro-relator do caso disse que “A previsão constitucional não encerra a possibilidade de pular-se este ou aquele integrante da linha. A interpretação nada mais revela do que o já famoso ‘jeitinho brasileiro’, a meia-sola constitucional”, já aí demonstrando que o pior estaria por vir, com o desprestígio de seus pares, que votaram, implicitamente, pela cassação da liminar.
A decisão do Supremo tem o poder de mostrar que a Justiça pode perfeitamente deixar de ser cega por alguns instantes, exatamente quando precisa cuidar de atender à conveniência daqueles que, de forma inescrupulosa, entendem ter o poder de manipular a interpretação de princípios constitucionais, como se esse malandro jeitinho tupiniquim não seria recriminado pelos ingênuos e despreparados brasileiros, assim considerado pelos doutos dos tribunais.
Não somente o Supremo teve a sua imagem chamuscada, mas também os ministros que encamparam a interpretação acordada encaminhada sem o menor pudor pelo decano da Corte, com destaque para a presidente da casa, que vinha ganhando aplausos dos brasileiros, por sua atuação até então diferenciada, sempre com a pretensão de legitimar ao máximo os fatos ao seu redor e se colocando ao lado da verdade e da justiça, mas nesse lastimável episódio ela se destacou para o fechamento do acordão, deixando seus admiradores de queixo caído, por concordar com algo simplesmente esdrúxulo na sua gestão, sob o seu beneplácito.
      Em tão pouco tempo à frente do Supremo, esse estranho acontecimento indica que há forte indício de que a presidente da Corte precisa urgentemente rever seus conceitos sobre a seriedade exigida para comandar instituição que vem sendo criticada exatamente por não corresponder às expectativa da sociedade, que espera mais dinamismo dela para julgar, com destaque para os casos de corrupção, que se arrastam indefinidamente sem solução nos corredores daquela casa, a ponto de senador responder a onze investigações e nada, absolutamente nada, acontece com ele, que inclusive ainda acha que tem direito de zombar das decisões do Poder Judiciário, quando teve a petulância de afirmar que a decisão do Supremo se cumpre, logo após de ter ignorado a liminar que o afastara do cargo de presidente do Senado.
Não resta a menor dúvida de que a decisão em comento deixa péssima lição para o mundo jurídico, por evidenciar que o Supremo tem realmente o poder de interpretar não o que está escrito na Constituição, mas de decidir conforme as conveniências política e corporativista, como forma de acomodar jeitinho que agrada aos poderes da República e todos cumprem o seu papel na melhor forma de tocar a República dos velhos, surrados e sempre espúrios conchavos.
Induvidosamente, o Supremo é obrigado a encarar expressiva situação vexatória, por ter aceitado que um senador réu e investigado em mais de dez processos manobre decisão dentro de cabeças de ministros, justamente para decidir conforme a sua conveniência política, inclusive com a declaração de que ele, na qualidade de réu, ou seja, na condição de criminoso, não pode substituir o presidente da República, mas, pasmem, nada impede que ele presida uma das principais instituições da República.
Nos termos da sua incumbência institucional, a precípua função do Supremo é zelar e defender a integridade da Carta Magna, de modo que seus princípios sejam aplicados na linha da justeza jurídica, em estrita observância à correção e à legitimidade, a salvo de negociatas e conchavos políticos, porque isso não condize com a dignidade que se espera no cumprimento do exercício de cargos públicos, principalmente com a relevância da função de ministro da Suprema Corte de Justiça do país.
Fosse o Brasil país com o mínimo de seriedade e cônscio da responsabilidade cívica, jamais um homem público réu e ainda respondendo a onze inquéritos na Justiça teria condições morais e éticas para presidir importante instituição como o Senado Federal, diante da conduta maculada por graves suspeitas da prática de crimes, inclusive contra a administração pública, tendo em conta que o exercício do cargo pode perfeitamente facilitar o indecente tráfico de influência, muito comum para defender interesses contrariados.
Não há a menor legitimidade que um delinquente possa ter condições morais para presidir importante instituição como o Senado, inclusive dirigir seções que podem definir o futuro dos três poderes e de toda a população do país.
Já que praticamente se confirma que o resultado da questionada decisão é fruto de espúria negociata, envolvendo os três poderes da República, os ministros que a respaldaram deveriam ter a sensibilidade de não ter usado a toga, que é a vestimenta sagrada que significa o manto símbolo da Justiça, que, in casu, teria deixado de ter sido feita, mas ela foi contrariada em nome da conveniência política, evidentemente em dissonância com a interpretação que deveria ter sido adotada com base no sentimento da imparcialidade, em respeito aos exclusivos princípios constitucionais, que dizem com a finalidade precípua da incumbência institucional da Suprema Corte de Justiça.
A decisão em referência, que teve o condão de desmoralizar não somente o Supremo Tribunal Federal, mas de resto o sistema político tupiniquim, somente encontra parâmetro nas republiquetas, onde prevalecem os acordos espúrios para dar salvo-conduto de réus que quase sempre nunca são julgados por seus crimes, por sempre terem o poder da influência para ditar os rumos das decisões e evitar que seus processos sejam julgados, de modo que se operem as famigeradas prescrições das ações, em benefício da corrupção e da impunidade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 11 de dezembro de 2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário