segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O dever de fazer justiça?

A horrorosa decisão de manter o senador alagoano no comando do Senado Federal, sem direito à substituição do presidente da República - o famoso 6 votos a 3 -, teve como principal ganhador justamente quem merecia ter sido derrotado.
Nesse famigerado episódio, o maior perdedor foi o Supremo Tribunal Federal, que, ao imaginar ser o salvador da pátria, por tentar diluir a crise institucional com o seu mirabolante achado de não mexer com a autoridade do senador alagoano, acabou protagonizando uma ópera bufa, quando desmoralizou o ministro-relator, ao anular os efeitos da liminar que ele havia adotado em consonância com primor jurídico de afastar de cargo público relevante um réu, assim enquadrado por suspeita do crime de peculato (improbidade administrativa).
Na verdade, o Supremo abdicou da incumbência constitucional de preservação da sua autoridade máxima de ditar a melhor interpretação em matéria de Direito Constitucional, no sentido de tão somente dizer sobre a pureza do direito, mas terminou abrindo mão de suas atribuições jurídicas para incursionar no mundo muito louco e pequeno da política tupiniquim, justamente para arranjar amparo legal para as estripulias do esperto senador alagoano, mesmo ele se encontrando envolto no emaranhado das próprias falcatruas.
Visivelmente constrangida, depois do lamentável ocorrido, a toda diligente presidente do Supremo reconhece o deslize da sua trupe e dispara: “Vivemos momentos difíceis. Impõe-se, de uma forma muito especial, a prudência do direito e dos magistrados.”.
Ao que tudo indica, a ministra percebera a desastrada decisão que o Supremo acabara de produzir, pela força da maioria de seis ministros, incluído o seu voto, quando foi derrubada a liminar do ministro que havia sido afastado o senador alagoano do comando do Senado. Lembrando que pouco mais de um mês, a mesma quantidade de ministros tinha declarado ser inconstitucional a manutenção de réu na linha sucessória da Presidência da República — exatamente a situação do político agora tornado réu pelo próprio Supremo.
Ainda no valor da decisão que tinha afastado da presidência do Senado, o senador alagoano comandava reunião da Mesa Diretora da Casa, que decidira que o decisum do Supremo não seria cumprido, desmoralizando por completo a ordem judicial acerca do referido afastamento, mas ainda exigindo que a Corte decidisse com urgência sobe a validade da liminar concedida de forma monocrática.
          A verdade é que nunca se viu, na história republicana, tão forte pressão sobre o Supremo, no sentido de anular a aludida decisão de afastamento do todo-poderoso da República, o que surtiu efeito quase que imediato, com a indecente e despropositada revogação da liminar, que não somente perdeu sentido como deixou o ministro-relator do caso desprestigiado, que foi acompanhado por apenas dois de seus pares, que tiveram a dignidade de não se vergar aos apelos dos influentes e poderosos do sistema político reinante no país.
Alguns dizem que o Supremo ainda não havia sido flagrado se corrompendo até a sua famigerada decisão de 6x3, deixando os brasileiros indignados, por entenderem que houve insensatez para a compreensão do momento político, que exige somente altivez da Corte composta por jurista da maior respeitabilidade, que não poderiam se curvar às conveniências de um político suspeito da prática de vários crimes que estão sendo examinados naquele tribunal, sendo que, em um processo, ele já réu.
Embora o resultado desse triste episódio tenha servido para apaziguar a crise institucional, reconhecida por muitos especialistas, parece que o poder Judiciário pode ter se beneficiado com o arrefecimento sobre a urgência da votação do projeto referente à Lei de Abuso de Autoridade, que serviria, conforme o seu idealizador – o próprio senador alagoano -, para impedir o ímpeto das investigações sobre suspeitas de irregularidades com recursos públicos, a exemplo das desenvolvidas pela Operação Lava-Jato, que atingiram em cheio expressiva parcela de congressistas.
          Certamente que, nos países sérios e desenvolvidos democraticamente, as Supremas Cortes de Justiça apenas se encarregam de zelar e guardar o texto constitucional, jamais se imiscuindo nos assuntos da política, salvo nos casos pertinentes exclusivamente às funções institucionais.
A sociedade também fica indignada pela forma como os processos de corruptos nunca ou quase nunca são julgados no Supremo Tribunal Federal, muitos dos quais chegam a prescrever, enquanto na primeira instância, no caso do juiz da Lava-Jato, já foram condenados, especialmente à pressão, dezenas de importantes políticos, empresários e executivos.
Veja-se que não é de agora que os processos permanecem dormitando naquela Corte, como é caso do presidente do Senado Federal, que finalmente se tornou réu, depois de o processo ter chegado lá em, pasmem, 2007, conforme levantamento da mídia, mas o seu julgamento deverá se arrastar por muito tempo.
O que se sabe é que o juiz de primeira instância é somente uma pessoa para tantas atribuições, enquanto o Supremo tem onze ministros que poderiam trabalhar em sistema de mutirão para dar conta da pletora quantidade de processos de corruptos com foro privilegiado. Caso houvesse vontade em julgar, bastaria apenas a estruturação e organização adequadas para combater a corrupção, sob pena de o país ser tragado pelo mundo criminoso do colarinho-branco.
Embora o Supremo tenha conseguido agir possivelmente movido pelo sentimento capaz de contribuir para a retomada da estabilidade institucional do país, ante a crise aberta entre os Poderes Legislativo e Judiciário, jamais se imaginaria que a Corte funcionasse com o espírito “patriótico”, como entendido assim pelo presidente do Senado, como forma de mimo intempestivo e demagógico, porque, em qualquer das hipóteses, os brasileiros esperam que o Supremo Tribunal Federal apenas cumpra seu dever constitucional e faça a devida justiça. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 12 de dezembro de 2016

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