sábado, 3 de dezembro de 2016

Inadmissíveis apatia e omissão

Diante do substancial crescimento dos casos envolvendo autoridades sujeitas à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, é normal que também aumente a alarmante incompreensão da sociedade, que não entende como aquela corte não tem condições de acompanhar, com resultados, a demanda das ações pertinentes, com a celeridade compatível com o desejo de punição, o quanto antes possível.
Há realmente discussão acerca da reafirmação da competência do Supremo para julgar, com a necessária celeridade, as autoridades denunciadas pelo envolvimento em crime de corrupção, ante a notória dificuldade do atendimento da demanda, que parece já ter extrapolado o limite da capacidade daquela corte, dando ares de exaustão e de ineficiência.
À toda evidência, as dificuldades do poder Judiciário para acompanhar, com presteza e dinamismo, o crescimento do volume do trabalho da sua competência são visíveis, à vista do que vem sendo feito, comparativamente, pelo juizado de instância inferior, que julga muitos casos numa dinâmica bastante incomparável e satisfatória, correspondendo plenamente às expectativas da sociedade, que anseia por que o julgamento de criminosos seja o mais próximo possível da realização dos delitos, para que a reparação do dano possa se realizar sem muita delonga e com menos prejuízo para as partes prejudicadas.
Não à toa que vem sendo debatida a lentidão do Supremo para investigar e julgar os processos em que políticos são réus ou deveriam ser, quando muitos nem chegam a ser importunados por aquela corte, durante o seu mandato, sendo que, em muitos casos, o crime é prescrito e o processo é simplesmente arquivado, sem que haja a reparação do dano, ou seja, o caso é encerrado, o criminoso beneficiado e a vítima prejudicada, pela compulsória assunção do dano.
A propósito, certa feita, o procurador-geral da República disse que, embora o Supremo esteja “fazendo o que pode”, o ritmo das ações relativas à Lava-Jato naquela Corte tem sido “mais lento” que o verificado na primeira instância, o que é realidade visível e incontestável.
Ele tentou mesclar sua crítica com a afirmação que se trata de fenômeno que decorre da “inversão da lógica” sobre a função do Supremo. A última instância judiciária, para ele, deveria “julgar recurso”, e não “formar processo”, ou seja, ela deveria apenas avaliar a apelação, ao invés de cuidar e examinar de todas as fases dos autos, nos casos em que são julgadas autoridades com prerrogativa de foro.
A resposta de um integrante do Supremo foi rápida, quando ele afirmou: “Eu acho que há morosidade nas investigações na Procuradoria-Geral da República”, que também disse, a propósito da Lava Jato, que “é evidente” que o tribunal de primeira instância em Curitiba tem sido “muito mais célere do que a Procuradoria-Geral” – responsável por oferecer ao Supremo as denúncias para que autoridades sejam julgadas, tendo acrescentado que “Quantos inquéritos estão abertos que não tiveram ainda denúncias oferecidas? Talvez centenas de inquéritos abertos, que estão no Supremo, mas quantas denúncias oferecidas? Portanto, a lentidão é da Procuradoria-Geral”.
Nessa mesma linha de reação teve o relator dos processos da Lava-Jato no Supremo, ao rebater as acusações sobre a lentidão da corte, tendo afirmado que “às vezes a crítica que se faz a respeito da demora nos julgamentos do Supremo é uma crítica importante, mas nem sempre é uma crítica justa”.
Para ele, o ritmo dos processos daqueles que têm foro no Supremo “é legalmente mais demorado” porque essas ações “começam e terminam no Supremo”, enquanto os processos de natureza penal são abertos na primeira instância e percorrem longo caminho até o trânsito em julgado.
É evidente que os casos submetidos ao crivo do Supremo diferenciam das demais instâncias da Justiça, mas parece injustificável a lentidão do Supremo para concluir o julgamento das demandas sob a sua jurisdição direta, não importando se de grande ou pequena repercussão, à vista dos embaraços pelos quais elas precisam superar.
Há até emblemático julgamento de caso referente ao reconhecimento de paternidade, que tramitava no Supremo há, pasmem, 33 anos, que somente foi encerrado em setembro passado, porém os envolvidos nem ficaram sabendo do veredicto, porque eles já estavam mortos.
Não obstante, a demora do julgamento de políticos é que melhor representa a falta de esperança do pleno cumprimento da incumbência constitucionalmente atribuída ao Poder Judiciário, ficando à mostra a visível incapacidade da Justiça de cumprir com eficiência e efetividade a sua nobre missão, o que seria motivo mais do que suficiente de preocupação, no sentido de se buscar, com a devida urgência, medidas capazes de sanear os graves gargalos que estão emperrando a dinâmica da Excelsa Corte.
Outro caso estranho se refere ao que foi noticiado, certa feita, pela A Folha de S.Paulo, segundo o qual um famoso deputado federal por São Paulo se tornou réu no Supremo, há 15 anos, em processo no qual é acusado de movimentação irregular de dinheiro em paraísos fiscais, mas, conforme o seu advogado, ele está “exercendo seu direito de defesa”, tendo negado a menor morosidade, por considerar que “todo caso complexo leva tempo”.
Ainda na opinião do citado advogado, “as pessoas muitas vezes cobram que os casos emblemáticos sejam julgados logo, mas não é assim que o Judiciário funciona”. E justifica dizendo que, para os cidadãos comuns, a Justiça costuma ser bem menos amistosa, os quais só podem interpretar esse fato com estranheza.
Há que se notar ainda que as decisões do Supremo não podem ser adotadas sem o devido cuidado técnico-jurídico, à vista da sua indiscutível repercussão nos mundos jurídico, político, econômico e administrativo, mas nem por isso há justificativa para que somente um ministro mantenha sob seus cuidados mais de mil habeas corpus, aguardando despacho em matéria que exige urgência e não constitui, em princípio, a menor complexidade que não possa ser deliberado tempestivamente.       
Outras situações que suscitam ponderação dizem respeito aos regulares “pedidos de vista”, até mesmo quando a matéria já se encontra com votação suficiente para o seu veredicto, ou seja, quando a maioria dos ministros já tenha votado sobre a causa, mas isso tem o condão de suspender por tempo indeterminado o julgamento do feito, que voltará à pauta posteriormente, a bel-prazer do ministro, quando ela já poderia ficar livre e liberada para a apreciação de outros processos.
É evidente que o Supremo não demonstra o mínimo interesse em promover a celeridade e o dinamismo de seus julgados, ao simplesmente aceitar passivamente que a sua a carga de trabalho se torne cada vez assoberbada de processos que poderiam passar normalmente para a instância inferior, como no caso dos processos pertinentes às autoridades envolvidas em atos de corrupção, bastando, para tanto, que fosse revista, pela medida constitucional e/ou legal, a sua competência institucional sobre o julgamento de quem detém foro diferenciado e privilegiado.
À toda evidência, já é de longa data que o Supremo demonstra exaustão quanto à sua capacidade de atendimento da demanda dos processos acumulados nos seus escaninhos, paralisados sem a menor perspectiva de solução, justamente porque as dificuldades operacionais são monstruosas e, por incrível que possa parecer, nada, absolutamente se esboça para solucionar essa gravíssima questão, ou seja, as autoridades da Corte quedam-se diante do fato e o imobilismo e a omissão são apenas testemunhos desse monumental retrocesso jurídico, que tem o condão de funcionar como verdadeira chaga da burocracia do país.
Não há dúvida de que o sistema em prática no Supremo precisa ser urgentemente reformulado, em sintonia com os avanços da modernidade, que não permitem que os fatos degradantes se consolidem por si mesmos, em clara demonstração de impotência e incompetência das autoridades responsáveis pela administração da coisa pública, que passam a ser responsáveis pelos prejuízos causados à nação, ante a sua complacência com a lamentável situação, por permitirem passivamente que os gargalos persistam apenas em ritmo acelerado de crescimento, com capacidade ideal para iminente asfixia do sistema reinante.  
Urge que os péssimos exemplos de morosidade no julgamento e na prescrição de casos sob a incumbência constitucional do Supremo Tribunal Federal sirvam de inspiração para que sejam adotadas medidas de desafogo quanto aos casos passíveis de transferência para instância inferior, capazes de contribuir para a celeridade da dinâmica de apreciação dos processos que se acumulam naquela corte, com motivação justamente pela notória falta das condições humanas e materiais para o atendimento da sua demanda sempre crescente, em ritmo galopante. Acorda, Brasil! 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 03 de dezembro de 2016

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