terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Fim do foro privilegiado

Em que pese haver alguma resistência, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal tem se manifestado contra o foro privilegiado e defendido a mudança da Constituição nessa matéria, tendo por finalidade contribuir para desafogar o acúmulo de trabalho daquela Corte.
A maioria dos ministros da Primeira Turma do Supremo já declarou publicamente seu desejo de que o fim do foro privilegiado contribui para minorar a gigantesca carga de trabalho deles, que atualmente já se encontra além do limite tolerável, justamente em razão do aumento dos processos originários da Lava-Jato, envolvendo congressistas usufrutuários desse injustificável privilégio.
O debate desse assunto tomou conta das discussões, em Brasília, diante da participação de políticos com mandato investigados pela Lava-Jato, os quais têm como foro o Supremo e somente o perdem se eles deixarem o mandato de parlamentar ou não se reelegerem, quando então seus processos são enviados para a primeira instância da Justiça Federal, com vistas à continuidade da investigação e do julgamento.
Como não poderia ser diferente, há quem defenda a criação de Vara Federal especializada em Brasília, para cuidar exclusivamente da enorme demanda composta por parlamentares, que já são capazes de assoberbar o trabalho da Justiça.
Um ministro do Supremo disse que "O importante é acabar com esta reminiscência aristocrática, que traz impunidade e desprestígio para o STF. Se a maioria preferir que a competência vá para a Justiça comum, também estou de acordo".
O mencionado ministro entende que, na Justiça Estadual, parlamentares podem ser protegidos ou perseguidos. Ao passo que, na Justiça Federal do Distrito Federal, este problema inexistiria, porque "Brasília fica muito longe do Brasil". 
A verdade é preciso que seja dita, de forma direta, em se tratando de país mergulhado na corrupção como o Brasil, que chega a ser crime se falar em foro privilegiado, que existe para proteger e blindar criminosos de colarinho branco, à vista da realidade nua e crua.
A justiça precisa de caminhos largos e livres, para chegar rapidinho até os corruptos contumazes, que estão sugando os cofres públicos e normalmente permanecem na impunidade, exatamente porque o gargalo da Justiça se encontra no topo da pirâmide do Judiciário, que já não consegue desincumbir-se da sua incumbência constitucional de julgar os criminosos incrustrados também no Congresso brasileiro.
A verdade é que, tudo que possa constituir estorvo ao trabalho da Justiça, precisa ser alterado e aperfeiçoado, de modo que os casos prejudiciais ao interesse público possam ser saneados, para o bem e o dinamismo das ações que se encontram emperradas nos escaninhos do Supremo, com grande possibilidade de prescrição, por decurso de tempo, ou seja, por não ser possível o seu julgamento em tempo hábil, fato que representa gigantesco retrocesso, à luz da evolução da humanidade, em todas áreas do conhecimento, enquanto a Justiça se mostra passiva à lentidão crônica, permitindo que criminosos fiquem impunes.   
Não se pode afirmar, de maneira categórica, que a existência do foro privilegiado possa servir de anteparo às práticas de reiteradas irregularidades na administração pública, com o envolvimento de parlamentares, porque parte expressiva deles é acusada da prática de corrupção, mas a impunidade certamente contribui para estimular essa pouca-vergonha, justamente por parte de quem deveria dar o exemplo de decência e dignidade, como lídimo representante do povo.
Nessa condição de representante do povo, que não tem privilégio de coisa alguma, o parlamentar não deveria ser diferenciado de ninguém com o foro especial, porque ele é cidadão igual ao seu representado, apenas com poderes para defender o interesse público, sem necessidade, para tanto, de qualquer privilégio, como fazem normalmente as nações sérias e civilizadas.
Em sumo, o foro privilegiado é sinônimo de impunidade, que é alcançada normalmente por autoridades públicas apenas das republiquetas onde, em pleno século XXI, ainda subsiste, de forma injustificável e inadmissível, a excrescência da subversão natural da ordem de que todos são iguais perante a lei, exatamente para privilegiar castas de autoridades que não passam de servidores públicos, muitos dos quais eleitos pelo povo, com mandato determinado para apenas servir ao povo, sem ser beneficiado pelo mecanismo da impunidade, que tem sido uma constante no país tupiniquim, porque os congressistas são os fazedores das normas legais em seu benefício, a exemplo da recente aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto conhecido como “pró-corrupção”, em substituição às dez medidas anticorrupção, que foram transfiguradas.  
Convém que as autoridades públicas incumbidas do Poder Judiciário sejam tocadas pelo senso de responsabilidade cívica e pela sensibilidade para a questão referente ao anacrônico emperramento da dinâmica dos julgamentos, em especial no que se refere à jurisdição criminal, como no caso do foro privilegiado, para que haja vontade política no sentido se equacionar e  solucionar os casos que estão travando a celeridade e a eficiência da importante missão da Justiça, que funciona com notável deficiência exatamente em razão da falta de empenho e interesse para se encontrar os caminhos livres e necessárias à fruição dos julgamentos e da prática da tão ansiada justiça. Acorda, Brasil! 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
          Brasília, em 20 de dezembro de 2016

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