quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Absurda "generosidade"

De forma surpreendente e absolutamente inexplicável, o governo aproveita o final do ano para tentar agradar a sua base aliada no Congresso Nacional, com o anúncio da liberação de emendas parlamentares.
Informações provenientes do Palácio do Planalto asseguram que o total de recursos a ser liberado pode atingir, pasmem, o montante de R$ 7,29 bilhões, compreendendo o valor de R$ 6,45 bilhões correspondentes a emendas impositivas e restos a pagar desde 2007 e o restante, no valor de R$ 840 milhões, às emendas de bancada.
Os valores em apreço foram acertados entre o governo e os parlamentares, mas o montante ainda pode passar por ajustes.
Segundo interlocutores, a liberação das emendas tem o especial condão de consolidar as boas relações do Palácio do Planalto com o Congresso, cuja forma de mimo já se notabilizou como instrumento de o governo facilitar a aprovação de projetos de seu interesse.
O presidente do país resolveu liberar o repasse de verbas em um momento crucial para o governo, em razão da necessidade da manutenção da base unida para votações importantes, a exemplo da reforma da Previdência, em que pese ele ter contabilizado taxa recorde de apoio na Câmara dos Deputados, com fidelidade a ele em torno de 88% das votações nominais, mas alguns reveses no Congresso obrigaram essa forma de “generosidade” com recursos públicos.
É evidente que a tentativa da criação da agenda positiva surgiu depois que o presidente do vetou a decisão da Câmara de derrubar as contrapartidas que Estados precisam cumprir compromisso com a recuperação fiscal, no que se refere ao projeto de renegociação das dívidas.
Na votação dessa matéria, o governo foi surpreendentemente derrotado na Câmara, a par de dias antes o governo haver conseguido aprovar, no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição que limita os gastos públicos, mas com oito votos a menos em relação à primeira votação, embora o governo não admite problemas com a base aliada.
Por meio de emenda constitucional, tornou-se obrigatória a execução da maior parte das emendas individuais, mas parte dos recursos fica a critério do governo para a liberação e as emendas respectivas precisam ser previamente inscritas no Orçamento do ano subsequente, fato que resulta peregrinação de parlamentares ao Palácio do Planalto e aos ministérios, até o último dia do ano.
Causa espécie que, em um passe de mágica, surge dinheiro de mais sete bilhões de reais para agradar a base aliada, com vistas a mantê-la unida e não prejudicar os projetos do governo no Congresso, deixando muito evidente a recriminável prática da velha política do toma lá, dá cá, uma vez que a liberação de verba corresponde à boa vontade na compra da consciência dos parlamentes, que não se conscientizam sobre a sua real função de apenas atender ao interesse público.
Enquanto tem dinheiro para atender às emendas dos parlamentares, faltam recursos para a educação, saúde, segurança pública, infraestrutura, aposentados etc., tendo como consequência a precariedade dos serviços públicos prestados à população, permitindo que doentes continuem  sofrendo nos hospitais, por falta de recursos materiais médico-hospitalares e pelo sucateamento das instalações e dos equipamentos, entre tantas deficiências que permanecem prejudicadas, enquanto os parlamentares têm suas emendas fartamente atendidas.
A liberação de verbas para as emendas parlamentares é forma esdrúxula da aplicação de recursos públicos, pelo completo desvirtuamento do princípio constitucional de orçamento público, que tem por principal característica constitucional a incumbência privativa de a sua execução ser do Executivo, quanto à arrecadação da receita e à realização da despesa, enquanto a função primordial e constitucional do Legislativo é somente de discutir e aprovar os programas governamentais dispostos nos orçamentos públicos.
As emendas parlamentares não passam de verdadeira excrescência legislativa que jamais deveriam ter existido, porque, à toda evidência, a execução da despesa, no caso das referidas emendas, não condiz com a função parlamentar, demonstrando forma muito clara de como o princípio orçamentário brasileiro não pode ser considerado sério, justamente por destoar do que é feito nos países com o mínimo de seriedade e evolução, em termos de consciência sobre a responsabilidade cívica e político-administrativa, tendo em vista que se trata de forma de despesa que se submete ao sabor e à conveniência dos interesses da inescrupulosa classe política, que utiliza, de forma injustificável e abusiva, parcela significativa do orçamento em benefício de suas causas pessoais e políticas, conforme o próprio nome das emendas cuidam de especificar, sem nenhum disfarce.
Convém que a aplicação dos recursos referentes às emendas parlamentares tenha, no mínimo, os devidos controle e fiscalização, na forma da legislação aplicável à realização da despesa pública, de modo que seja possível se aquilatar a sua verdadeira efetividade, no que se refere à aplicação nas finalidades indicadas nas emendas dos interessados, com vistas à moralização do princípio constitucional referente aos orçamentos públicos, que devem atender com exclusividade ao interesse público. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 29 de dezembro de 2016

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