sexta-feira, 29 de março de 2019

Autêntica excrescência


Por mais que tenha sido debatida, nos últimos tempos, a importante questão relacionada com o foro privilegiado, ela ainda continua sem solução e parece que não há o mínimo interesse, por parte dos envolvidos nela, que esse tema seja resolvido e definido tão cedo, por sintetizar a defesa, em forma de blindagem, dos criminosos de colarinho branco, que estão justamente entre aqueles que têm competência privativa para examinarem e decidirem sobre essa autêntica excrescência na vida pública.
Ou seja, os parlamentares, que são os principais privilegiados com essa indecência, não se garantem com os devidos caráter e dignidade no desempenho de atividades públicas, para abrir mão dessa forma de imunidade, quando também o exercício de cargo público eletivo exige que eles se comportem com o máximo de honradez e dignidade, o que implicaria na desnecessidade de blindagem contra o julgamento de seus atos.
Na verdade, o que está em jogo é a dignidade do homem público, que não pode se beneficiar de algo que o cargo em si não pode conceder, em forma de qualquer prerrogativa, ou seja, os congressistas e demais ocupantes de cargos públicos, não importando as funções mais relevantes que sejam, inclusive do presidente da República, são nomeados ou eleitos para o exercício de funções públicas específicas, com o compromisso de bem exercê-los, independentemente de qualquer forma de imunidade, o que vale dizer que o cargo em si não pode, em termos jurídicos, diferenciar seus ocupantes dos demais brasileiros, quando a Constituição Federal diz claramente que todos são iguais perante a lei, tanto em direitos como em obrigações.
Esse primado constitucional põe por terra a excrescência jurídica de exceção jurisdicional, para que se possa eleger privilégio para determinados servidores públicos, que precisam responder por seus atos, nas mesmas instâncias judiciais e condições dos demais brasileiros, não importando o grau da gravidade da infração penal, no tocante ao crime comum ou de responsabilidade.
Ou seja, não se trata da importância da origem da infração penal, se crime comum ou crime de responsabilidade, porque toda forma de agressão à legislação penal praticada por servidores públicos, de qualquer nível hierárquico, precisa cair na vala comum dos brasileiros, para o fim de julgamento na Justiça Federal, sem qualquer privilégio ou prerrogativa, porque já é exatamente assim que se processa nos países civilizados, sérios e desenvolvidos, em termos jurídicos e politicamente democráticos.
Nesses países, não existe essa abusiva forma discriminatória cidadã de prerrogativa, justamente porque não existe ninguém melhor do que ninguém diante da lei, quando é sabido que quem exerce cargo público apenas recebe da sociedade o poder de representá-la em atividade que esses delegados podem exercer com a devida disponibilidade, com a obrigação apenas de defender o interesse do povo, sem necessidade de qualquer prerrogativa, muito menos de ficar imune ao julgamento justo por seus erros que, em princípio, jamais eles poderiam ter praticados, mas os fazem justamente diante da certeza de que não podem ser abrangidos pela Justiça comum, ou seja, a tal da excrescência do foro privilegiado os põe à margem da responsabilidade legal de prestar contas sobre seus atos, em evidente aberração contrária ao sentimento ínsito de cidadão responsável e digno.
Com muito mais razão, quem se compromete a exercer cargo público, de qualquer natureza, tem não somente o dever de desempenhá-lo com o maior zelo possível, mas também de se cuidar de não cometer qualquer deslize, sob pena de ser, necessariamente, obrigado a se submeter aos rigores da lei, ou seja, é preciso prestar contas sobre seus atos, que devem ser revestidos sempre de regularidade, em harmonia com as finalidades próprias da administração pública, onde ninguém deve merecer indevido e injusto privilégio, de natureza alguma, porque isso conspira contra o princípio isonômico que todos são nivelados igualmente perante a Lei Maior do país, cujo descumprimento simplesmente incorre na afronta à seriedade constitucional.
É induvidoso que a sociedade já caducou na exigência, com muito ardor, de reiteração, até com veemência, da imperiosa moralização da administração pública, partindo do presidente da República, de quem precisa partirem os bons exemplos de respeito aos salutares princípios da ética e da moralidade, uma vez que qualquer forma de privilégio ou prerrogativa somente contribui para fragilizar o ansiado desejo popular em defesa da moralização do Brasil, porque esta não tem como se consolidar, perante a opinião pública, se houver alguma forma de privilégio no serviço público, que é exatamente o que ocorre na atualidade.
Como visto, essa ridícula história de foro privilegiado não passa de brutal excrescência do ordenamento jurídico pátrio, por contrariar frontalmente especial princípio constitucional, segundo o qual todos são iguais perante a lei, fato que desmoraliza e ridiculariza, sem qualquer justificativa plausível, o sentimento de igualdade entre brasileiros, diante da existência de privilégio para alguns, quando o titular da prerrogativa tem o dever de agir estritamente como modelo de moralidade e dignidade públicas, obviamente sem necessidade de blindagem, que tem sido prejudicial exceção para benefício apenas de alguns.
É óbvio que nos países sérios e civilizados inexiste essa imoralidade jurídica, possivelmente pelo fato de que essa forma de privilégio não condiz com o princípio próprio de tratamento isonômico, que precisa ser alinhado com as relações sociais, em termos de paridade de direitos e obrigações.
Sob o prisma da uniformidade jurídica, é evidente que o foro privilegiado se contrapõe ao princípio constitucional da isonomia, o que implica que um dos dois precisa ser eliminado da Carta Magna, ante a incompatibilidade jurídica entre ambos, fato que se recomenda a eliminação do foro privilegiado ou da igual entre brasileiros, como forma de se evitar verdadeira esculhambação na mesma carta política, em termos de hermenêutica.
O instituto do foro especial para servidores públicos não condiz com a realidade dos fatos, porque essa indignidade foi instituída justamente com a finalidade de proteção de pessoas de pouca ou nenhuma seriedade moral, em época possivelmente necessária para privilegiar e proteger pessoas mal intencionadas para se beneficiar de algo ilegal.
Não obstante, esse enquadramento diferenciado, notoriamente imoral e indigno, certamente precisa ser aperfeiçoado e modernizado à luz da realidade dos fatos da atualidade, em que os homens públicos têm o dever de se conscientizar de que o exercício de cargo público tem por desiderato exclusivamente a defesa do interesse público e o representante do povo tem o dever moral de desempenhá-lo com o devido zelo e ainda responder por seus atos, inclusive na forma da legislação penal, quando cometerem atos indecorosos ou de improbidade administrativa, em atenção aos modernos princípios constitucionais, republicanos e democráticos.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 29 de março de 2019

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