Por mais que tenha sido debatida,
nos últimos tempos, a importante questão relacionada com o foro privilegiado,
ela ainda continua sem solução e parece que não há o mínimo interesse, por
parte dos envolvidos nela, que esse tema seja resolvido e definido tão cedo,
por sintetizar a defesa, em forma de blindagem, dos criminosos de colarinho
branco, que estão justamente entre aqueles que têm competência privativa para
examinarem e decidirem sobre essa autêntica excrescência na vida pública.
Ou seja, os parlamentares, que
são os principais privilegiados com essa indecência, não se garantem com os
devidos caráter e dignidade no desempenho de atividades públicas, para abrir
mão dessa forma de imunidade, quando também o exercício de cargo público
eletivo exige que eles se comportem com o máximo de honradez e dignidade, o que
implicaria na desnecessidade de blindagem contra o julgamento de seus atos.
Na verdade, o que está em jogo é
a dignidade do homem público, que não pode se beneficiar de algo que o cargo em
si não pode conceder, em forma de qualquer prerrogativa, ou seja, os
congressistas e demais ocupantes de cargos públicos, não importando as funções
mais relevantes que sejam, inclusive do presidente da República, são nomeados
ou eleitos para o exercício de funções públicas específicas, com o compromisso
de bem exercê-los, independentemente de qualquer forma de imunidade, o que vale
dizer que o cargo em si não pode, em termos jurídicos, diferenciar seus
ocupantes dos demais brasileiros, quando a Constituição Federal diz claramente
que todos são iguais perante a lei, tanto em direitos como em obrigações.
Esse primado constitucional põe
por terra a excrescência jurídica de exceção jurisdicional, para que se possa
eleger privilégio para determinados servidores públicos, que precisam responder
por seus atos, nas mesmas instâncias judiciais e condições dos demais
brasileiros, não importando o grau da gravidade da infração penal, no tocante
ao crime comum ou de responsabilidade.
Ou seja, não se trata da
importância da origem da infração penal, se crime comum ou crime de
responsabilidade, porque toda forma de agressão à legislação penal praticada
por servidores públicos, de qualquer nível hierárquico, precisa cair na vala
comum dos brasileiros, para o fim de julgamento na Justiça Federal, sem
qualquer privilégio ou prerrogativa, porque já é exatamente assim que se
processa nos países civilizados, sérios e desenvolvidos, em termos jurídicos e
politicamente democráticos.
Nesses países, não existe essa
abusiva forma discriminatória cidadã de prerrogativa, justamente porque não
existe ninguém melhor do que ninguém diante da lei, quando é sabido que quem
exerce cargo público apenas recebe da sociedade o poder de representá-la em
atividade que esses delegados podem exercer com a devida disponibilidade, com a
obrigação apenas de defender o interesse do povo, sem necessidade de qualquer
prerrogativa, muito menos de ficar imune ao julgamento justo por seus erros
que, em princípio, jamais eles poderiam ter praticados, mas os fazem justamente
diante da certeza de que não podem ser abrangidos pela Justiça comum, ou seja,
a tal da excrescência do foro privilegiado os põe à margem da responsabilidade
legal de prestar contas sobre seus atos, em evidente aberração contrária ao
sentimento ínsito de cidadão responsável e digno.
Com muito mais razão, quem se
compromete a exercer cargo público, de qualquer natureza, tem não somente o
dever de desempenhá-lo com o maior zelo possível, mas também de se cuidar de
não cometer qualquer deslize, sob pena de ser, necessariamente, obrigado a se
submeter aos rigores da lei, ou seja, é preciso prestar contas sobre seus atos,
que devem ser revestidos sempre de regularidade, em harmonia com as finalidades
próprias da administração pública, onde ninguém deve merecer indevido e injusto
privilégio, de natureza alguma, porque isso conspira contra o princípio
isonômico que todos são nivelados igualmente perante a Lei Maior do país, cujo
descumprimento simplesmente incorre na afronta à seriedade constitucional.
É induvidoso que a sociedade já
caducou na exigência, com muito ardor, de reiteração, até com veemência, da
imperiosa moralização da administração pública, partindo do presidente da
República, de quem precisa partirem os bons exemplos de respeito aos salutares
princípios da ética e da moralidade, uma vez que qualquer forma de privilégio
ou prerrogativa somente contribui para fragilizar o ansiado desejo popular em
defesa da moralização do Brasil, porque esta não tem como se consolidar,
perante a opinião pública, se houver alguma forma de privilégio no serviço
público, que é exatamente o que ocorre na atualidade.
Como visto, essa ridícula
história de foro privilegiado não passa de brutal excrescência do ordenamento
jurídico pátrio, por contrariar frontalmente especial princípio constitucional,
segundo o qual todos são iguais perante a lei, fato que desmoraliza e
ridiculariza, sem qualquer justificativa plausível, o sentimento de igualdade
entre brasileiros, diante da existência de privilégio para alguns, quando o titular
da prerrogativa tem o dever de agir estritamente como modelo de moralidade e
dignidade públicas, obviamente sem necessidade de blindagem, que tem sido
prejudicial exceção para benefício apenas de alguns.
É óbvio que nos países sérios e
civilizados inexiste essa imoralidade jurídica, possivelmente pelo fato de que
essa forma de privilégio não condiz com o princípio próprio de tratamento
isonômico, que precisa ser alinhado com as relações sociais, em termos de
paridade de direitos e obrigações.
Sob o prisma da uniformidade
jurídica, é evidente que o foro privilegiado se contrapõe ao princípio
constitucional da isonomia, o que implica que um dos dois precisa ser eliminado
da Carta Magna, ante a incompatibilidade jurídica entre ambos, fato que se
recomenda a eliminação do foro privilegiado ou da igual entre brasileiros, como
forma de se evitar verdadeira esculhambação na mesma carta política, em termos
de hermenêutica.
O instituto do foro especial para
servidores públicos não condiz com a realidade dos fatos, porque essa
indignidade foi instituída justamente com a finalidade de proteção de pessoas
de pouca ou nenhuma seriedade moral, em época possivelmente necessária para
privilegiar e proteger pessoas mal intencionadas para se beneficiar de algo
ilegal.
Não obstante, esse enquadramento
diferenciado, notoriamente imoral e indigno, certamente precisa ser
aperfeiçoado e modernizado à luz da realidade dos fatos da atualidade, em que
os homens públicos têm o dever de se conscientizar de que o exercício de cargo
público tem por desiderato exclusivamente a defesa do interesse público e o
representante do povo tem o dever moral de desempenhá-lo com o devido zelo e
ainda responder por seus atos, inclusive na forma da legislação penal, quando
cometerem atos indecorosos ou de improbidade administrativa, em atenção aos
modernos princípios constitucionais, republicanos e democráticos.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 29 de março de 2019
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