sexta-feira, 15 de março de 2019

Desprezo ao interesse público

Com o placar de 6 votos a 5, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que a Justiça Eleitoral tem competência para julgar crimes comuns - não eleitorais -, como corrupção e lavagem de dinheiro.
O aludido resultado é considerado duro golpe ao trabalho empreendido, com competência exemplar, pela Lava-Jato, diante da possibilidade do esvaziamento da operação, tendo em vista que a maioria dos processos ali examinados envolve a associação criminosa entre caixa dois e delitos como corrupção e lavagem de dinheiro.
Essa decisão também ignora o pleito da Procuradoria Geral da República, que entende que os tribunais eleitorais carecem de estruturas próprias para investigar e processar crimes complexos como os que estão sendo investigados pela Lava-Jato.
Segundo notícia publicada pelo jornal a Folha de S.Paulo, “os tribunais eleitorais têm deixado em segundo plano investigações da Lava Jato. As próprias defesas dos políticos suspeitos têm pleiteado que seus casos tramitem na Justiça Eleitoral.”. Com informações da Folhapress.
A história mostra que os corruptos preferem ser julgados pelo crime de caixa dois pela Justiça Eleitoral, diante da enorme possibilidade das excelentes vantagens que eles podem usufruir ali, em razão da mais rápido prescrição do crime, da redução das penas, que são menores do que na Justiça federal, e principalmente da benevolência por parte dos juízes, que, quando julgam e aplicam punição, a penalidade é sempre bem levinha, a despeito de casos comuns de prescrição de pena e arquivamento de processos.
Não há a menor dúvida de que a corrupção brasileira foi extremamente beneficiada, com as alvissaras da Suprema Corte do país, com o alívio de que a Justiça Eleitoral passe a ter competência para o julgamento não somente dos casos de caixa dois, mas também do demais crimes que lhe for “conexos”, como lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção e tudo o mais agregado ao delito de propina.
A Justiça Eleitoral tem participação para a sua manutenção com base no Orçamento que cabe à Justiça Federal, estimada em apenas 6%. Não tem nem 3 mil juízes espalhados pelo Brasil (ante mais de 18 mil), em geral magistrados emprestados de outras áreas, que desempenham seu dever eleitoral num sistema de revezamento, o que bem demonstra extrema fragilidade quanto à sua atuação com base constitucional.
As críticas que se possam ser feitas à decisão em causa dizem respeito, basicamente, à desproporcionalidade entre as estruturas da Justiça Eleitoral, com orçamento e pessoal indiscutivelmente reduzidos, diante da incumbência gigantesca sobre a obrigatoriedade de julgar imensuráveis casos de roubalheira do dinheiro público, notadamente por ocasião das campanhas eleitorais.
Ou seja, não se trata, necessariamente, da incapacidade de julgamento dos juízes da Justiça Eleitoral nem de inferioridade do seu trabalho, mas, ao contrário, há forte evidência de que não é possível, em tal quadro de pletoras situações de desvios de recursos públicos, órgão com estrutura minguada possa dá conta, com eficiência e efetividade que se esperam dele, ficando muito clara a predisposição para o enorme beneficiamento dos cultores da corrupção, diante desse especial estímulo à prática da criminalidade e à banalização da impunidade, à vista da fragilização dos sistemas de controle e combate à criminalidade.
Em análise bem estrita da decisão do Supremo, à luz da precariedade funcional do atual contexto que se apresenta a Justiça Eleitoral, não há a mínima dúvida de que isso somente poderia ter acontecido comparavelmente em qualquer desprezível republiqueta, onde dificilmente são ponderáveis os parâmetros razoáveis para a sustentabilidade sobre o mínimo desempenho do aparato da Justiça, em vista do seu combate à criminalidade contra os delinquentes de colarinho branco.
Os criminosos adeptos do caixa dois jamais deveriam ser beneficiários de clamorosa deliberação adotada pela principal corte do Poder Judiciário, que tem obrigação de zelar pelas consistência, eficiência e efetividade do sistema judiciário, não permitindo a sua fragilização logo em proveito da criminalidade, como parece ser o caso sob exame.
Há reconhecimento, por parte de especialistas da área, que a Justiça Eleitoral está desconectada da realidade dos fatos, em termos da sua estruturação, o que impossibilita assumir, em pleno vapor, atribuição espinhosa, com eficiência e efetividade, a despeito da tamanha responsabilidade, com o devotamento que precisa corresponder aos reclamos do interesse público, sabendo que a sua manutenção é feita exatamente pela sociedade que exige que os corruptos sejam devidamente punidos, de modo que a corrupção pudesse ser extirpada da administração pública.
Em tese, não se pode afirmar peremptoriamente que a decisão do Supremo esteja precipuamente errada, sob o prisma da juridicidade, eis que o Código Eleitoral prevê o julgamento dos crimes ligados a caixa dois pela Justiça Eleitoral, mas, repita-se, é preciso que ela tenha condições estruturais, em termos organicamente funcionais para assumir, na plenitude, a sua função legal, conquanto, nas condições atuais, os corruptos estão rindo à toa com a abertura de avenidas em seu benefício, que a partir de agora elas ficam livres e escancaradas para a prática de seu principal hobby: desvio de dinheiro do contribuinte, com o beneplácito de quem devia dificultar atividades corruptivas.
É evidente que não é justo se afirmar que o Supremo seja órgão incentivador da corrupção, mas fica patente que a sua decisão é o resultado da disputa política travada entre juízes e procuradores de instâncias inferiores, em que a decisão reflete verdadeiro estrago contra o interesse público, em que o tribunal quis mandar recado no sentido de que ele é instituição independente, superior, que não admite nenhuma forma de pressão da opinião pública ou das redes sociais, mesmo que o seu decisum seja visivelmente desastroso para os objetivos de moralização do Brasil.
Em síntese, tem-se que a decisão do Supremo certamente tem o condão de impactar o importante trabalho da Lava-Jata na corajosa luta contra a corrupção, pondo em dúvida a seriedade dos julgamentos sobre os crimes de colarinho branco, além de colocar sob risco real o combate à criminalidade contra a administração pública e ainda contribuindo para estimular a impunidade, porquanto há visível fragilidade das campanhas corajosas contra os abusos protagonizados pelos contumazes corruptos.
Caso na considerada nova República florescesse um pingo de esperança de moralidade dos princípios da administração pública, haveria alguma possibilidade de se manterem abertas as saudáveis janelas por onde, há cinco anos, entram os benfazejos ares de corajoso combate à corrupção na política, bastando que fosse aprovada emenda à Constituição estabelecendo que os julgamento dos crimes referentes ao caixa dois é da competência da Justiça federal, quando conexos com outros comuns, como lavagem de dinheiro, corrupção etc., além de estabelecer os casos da alçada da Justiça Eleitoral, tudo em benefício do interesse público, deixando bem claro que o poder de legislar é exclusivamente do Congresso Nacional e que o Supremo apenas deve cuidar dos casos previstos constitucionalmente sob a sua jurisdição.
No fundo, o que o Supremo fez, nesse caso singular, de definir atribuição à Justiça Eleitoral, não foi mais do que ato usurpador da competência do Poder Legislativo, que, agora, precisa, com urgência, pôr as coisas nos devidos lugares, dizendo exatamente quem pode julgar quem, a par de mostrar, em definitivo, que cada poder tem o dever de cumprir exclusivamente a sua missão institucional, nos limites da sua nobre jurisdição constitucional.
É visível que a decisão do Suprema ignorou, por completo, os anseios dos brasileiros, que têm extraordinária importância tão somente na manutenção das monstruosas estruturas funcionais daquela corte, por serem obrigados a arcar com pesados tributos, muito além da sua capacidade contributiva, mas a sua lídima vontade de moralização do Brasil não tem a mínima ressonância ali, onde pontifica a prepotência de alguns ministros, para mostrarem autoridade, porque, se tivesse, certamente que eles teriam pensando melhor no interesse público e não na possibilidade de beneficiar e facilitar a vida de criminosos de colarinho branco, os ratos malfeitores da dignidade na administração pública, diante do direito de serem julgados por Justiça Eleitoral, sem as devidas estruturas compatíveis com a excepcional missão de julgá-los, em ambiente completamente favoráveis aos interesses desavergonhados de péssimos políticos.
Brasil: apenas o ame!
       Brasília, em 15 de março de 2019

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