sexta-feira, 22 de março de 2019

Tolerância tem limite?


Não se sabe, com certeza, se o festejado ex-juiz responsável pela Operação Lava-Jato imaginava que, ao ser alçado ao cargo de superministro do chamado governo das mudanças, iria se defrontar com a mixórdia dos altos e baixos da política praticada na capital federal.
No comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública, um dos mais importantes do governo, o ex-juiz vem sentido na pele e até na alma o que realmente é, na realidade, o núcleo nervoso do poder, carecendo de muito jogo de cintura para sentir o calor permanente da política apimentada com a presença do atávico e renitente sistema fisiológico, próprio de quem já está acostumado com situações nem sempre republicanas.  
Desde da posse até agora, o ex-juiz tem pisado em ovos e enfrentado situações desconfortantes para os seus padrões pessoais, sendo obrigado a engolir, de goela abaixo, situações que destoam da sua formação jurídica, a exemplo da criminalização do caixa dois, quando manobras políticas o obrigaram a retirá-la do pacote anticrime, enviado ao Congresso Nacional, obviamente a contragosto do que ele havia concluído, exatamente em harmonia com o seu pensamento moralizador da coisa pública.
          O mais grave dessa situação foi que ele ainda foi obrigado a mudar o decorado discurso sobre a costumeira prática deletéria que serviram de estudo e fundamento em diversas operações da força-tarefa da Lava-Jato, comandada por ele.
Ao ser obrigado a explicar a sua repentina mudança de concepção, evidenciando incômodo constrangimento ao tipificar o crime de caixa dois, o ex-juiz declarou que “Caixa dois não é corrupção. Existe crime de corrupção e o crime de caixa dois”, o que se sabe que caixa dois é espécie do gênero corrupção e sempre será.
Não obstante, talvez o maior constrangimento à sua autoridade ministerial deva ter sido a desautorizado, pelo presidente da República, da nomeação de uma cientista política, da sua confiança, para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
O aludido caso ficou conhecido como a queda de braço travada nas redes sociais, em que o ministro foi derrotado pelo Palácio do Planalto, sob a alegação de que a cientista política tinha posições contrárias aos programas de governo do presidente do país, a exemplo da flexibilização da posse e do porte de armas e por suas posições a favor do aborto.
A indicação em causa foi vetada pelo presidente brasileiro depois de agitada movimentação travada nas redes sociais, sendo que, ao final desse imbróglio, o ministro teria declarado, em desabafo: “acendeu a luz vermelha”, talvez dando a entender que o copo já teria enchido de água, faltando apenas o célebre pingo para o anúncio sobre o seu pedido de saída, elegantemente, do cargo.
Sobre a aludida indicação feita pelo ministro, o senador filho do presidente escreveu, ridicularizando-a, dizendo que ela aceitaria fazer parte de um governo que havia criticado, nestes termos: “É muita cara de pau junto com uma vontade louca de sabotar, só pode”.
O ministro, levando em conta que a referida nomeação seria sem relevância, de vez que se tratava de suplente no referido conselho, resolveu dá o assunto por encerrado.
Há forte evidência de que a serenidade emocional demonstrada pelo superministro pode ter muito pouca duração, a depender da prioridade ou mais precisamente falta dela sobre a tramitação do seu pacote anticrime, com muitos opositores no Congresso, porque ele o elegeu como sendo matéria de suma importância, em termos de contribuição ao governo e mais especificamente ao país, no imprescindível combate aos crimes de corrupção na gestão pública, à vista das suas experiência e especialização nesse nevrálgico segmento da criminalidade.
Há de se notar que essa matéria não teria a mesma preferência governamental, ficando certamente a reboque da reforma da Previdência, que tem sido a menina dos olhos do Palácio do Planalto, em termos de prioridade de exame e aprovação pelo Congresso, por se relacionar com o controle do déficit fiscal, enquanto o pacote anticrime, na visão governamental, pode esperar, mesmo que possa desagradar o superministro, que terá que administrar mais um incômodo aborrecimento.
Na cronologia dos fatos desagradáveis, o superministro da Justiça e Segurança Pública vem colecionando episódios que jamais ele gostaria que acontecessem na sua curta cátedra político-administrativa, bastante adversa da área judicial, onde ele teve brilhante atuação, justamente porque ele se guiava pela própria cartilha e ditava, com sabedoria e autonomia, os rumos da exitosa Operação Lava-Jato, que contabiliza centena de condenações de criminosos de colarinho branco e recuperação de milhões ou bilhões de reais para os cofres públicos.
O ex-juiz vem sendo obrigado a enfrentar novas e surpreendentes experiências na vida, quase sempre desagradáveis para o seu estilo pessoal, depois que se desfez da toga e passou a usar a vestimenta própria da política tupiniquim, que, ao que tudo indica, ele não estava preparado para cuidar muito bem delas.
O caso mais emblemático ocorreu com a questão das armas de fogo, quando ele foi vencido pelo Palácio do Planalto, que decidiu autorizar a compra de quatro armas por pessoa, enquanto a ideia dele seria de apenas duas, embora isso também fosse superado com naturalidade, por ele ter se convencido que se tratava de matéria que dizia respeito ao cumprimento de importante promessa de campanha eleitoral e não conviria comprar briga por assunto de interesse direto do presidente.
Por último, o caso mais complicado e de maior repercussão no mundo político diz respeito à sua queda de braço com o presidente da Câmara dos Deputados, que demonstrou tremenda irritação contra o superministro, tão somente porque ele gostaria que houvesse maior interesse na apreciação do pacote anticrime, que tem merecido pouco caso na sua apreciação, em dissonância da sua relevância para o combate aos crimes de corrupção e insegurança, no geral.
Enfim, diante dos fatos, resta enorme expectativa por parte dos brasileiros em saber até onde podem ir a paciência e a capacidade de tolerância do superministro da Justiça e Segurança Pública para aguentar os incômodos solavancos próprios da relevância do cargo que ocupa, por opção pessoal, principalmente à vista do prestígio que conseguiu contabilizar, no âmbito nacional e no exterior, à frente de órgão reconhecidamente decisivo para enfrentar a influência e o superpoder de criminosos de colarinho branco, cujos resultados foram traduzidos em merecidos reconhecimento e respeito dos brasileiros honrados e dignos.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 22 de março de 2019

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