sexta-feira, 7 de junho de 2019

Omissão e irresponsabilidade


Segundo dados do Atlas da Violência, edição de 2019, o Brasil contabilizou alarmantes 65.602 homicídios, no ano de 2017, constituindo o maior índice da história do país, enquanto, em 2016, o número de homicídios atingiu 62.517, cujos dados em ambos os anos são preocupantes, porque eles demonstram que a violência só vem aumentando.
As informações daquela entidade mostram que a violência não é distribuída de maneira uniforme entre todos, em termos de segmentação pelo quesito raça/cor, visto que os pretos e pardos, categorias que compõem o grupo negro, despontam como as principais vítimas de homicídio.
De acordo com os estudos, para cada indivíduo não negro assassinado, em 2017, corresponde à perda de vida de 2,7 negros, ou seja, um branco para quase três negros, e que 43,1 negros foram mortos para cada grupo de 100 mil habitantes, enquanto 16 não negros foram executados para cada grupo de 100 mil habitantes.
          As estatísticas mostram avanço na letalidade de negros, que havia sido de 40,2 para cada grupo de 100 mil habitantes, em 2016, não tendo havido variação significativa com relação a não negros.
Outro fato ilustrativo evidencia que, em 2016, 71,5% dos assassinados no Brasil eram negros, esse número avançou para 75,5%, em 2017.
Em que pese não ser novidade de que negros são as principais vítimas de violência, uma das pesquisadoras do Atlas da Violência e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acredita que há aumento da discrepância entre negros e brancos, no quesito homicídios.
Ela disse que “O que é mais preocupante é que a gente tem um acirramento desse processo de desigualdade racial absolutamente profundo, que no Brasil se manifesta de formas distintas”.
Nesse contexto da violência, o Nordeste é uma das regiões que melhor sintetiza essa disparidade e Alagoas sobressai na taxa de homicídios de negros, superando em 18,3 vezes a de não negros, o que evidencia que ali há verdadeira insegurança para quem é negro e maior segurança para quem é não negro.
O Rio Grande do Norte também evidenciou indicadores preocupantes, por ter registrado 87 negros mortos para cada grupo de 100 mil habitantes, sendo que, em 10 anos, o índice de letalidade contra negros cresceu 333,3%.
A mencionada pesquisadora disse que “São dados estarrecedores, que mostram como somos uma nação que convive com o racismo, que não consegue tirar da vulnerabilidade metade da sua população, que é negra. É como se negros e não negros vivessem em dois países diferentes”.
Com certeza, é preciso que o governo seja realmente interessado em criar políticas destinadas a cuidar dessa vergonhosa e deprimente questão relacionada com o racismo e as condições lastimáveis dos negros no Brasil, que evidencia que muito do que acontece de ruim tem o envolvimento deles e absolutamente nada é despertado como forma de mobilização, tanto do governo como da sociedade, com vistas a cuidar especificamente de seus problemas.
É verdade que, governos do passado implantaram as cotas raciais, muito mais com conotação eleitoreira, porque o seu benefício aos negros ainda é muito tímido, porque ele atinge parcela inexpressiva, por abranger poucas pessoas, deixando multidões à margem de qualquer política de reafirmação do negro, além de ter criado forma antidemocrática e discriminatória, com relação aos brancos igualmente carentes, que não têm direito aos benefícios concedidos aos negros, dando a entender que estes são inferiores e somente eles são dignos do apoio por meio de políticas públicas, na forma de cotas raciais.
Na verdade, a par da criação das cotas raciais, que não passam de política pública paliativa, mas mesmo assim o governo deveria ter institucionalizado cotas sociais, com a finalidade de estender benefícios, de forma isonômica, aos  negros, pardos, amarelos, brancos etc., todos pertencentes à raça humana, para que se cumprisse o princípio constitucional de igualdade entre brasileiros carentes e necessitados de oportunidades, diante das dificuldades de concorrência existente entre aquelas que têm melhores condições financeiras.
A crítica se faz necessária porque a criação de cotas raciais tem origem em governos socialistas, que tinham o vezo de enxergar as questões sociais tão somente sob o prisma que melhor atendia aos seus interesses políticos, quando fica muito claro, em análise desapaixonada de ideologia, que as políticas públicas devem beneficiar toda sociedade e não apenas uma raça, porque isso tem o condão de ferir princípios constitucionais, quando eles estabelecem a sagrada igualdade de direitos e obrigações para os brasileiros, sendo absolutamente imprópria e fora de propósito a criação de política pública exclusivamente para a satisfação de raça única, em detrimento de outras raças igualmente carentes dos mesmos benefícios, fato este que demonstra clara e indiscutível vantagem concedida a alguns, quando outros estão nas mesmas condições, em termos socioeconômicos.
Ao invés da institucionalização das cotas raciais, é preciso que o governo se preocupe em levar investimentos, de forma maciça, para as regiões mais carentes do país, por meio do incentivo e da facilitação da instalação de indústrias e obras que possibilitem a criação de emprego e de oportunidade de desenvolvimento localizado, com o que serão estabelecidos mecanismos capazes de contribuir para a melhora das condições socioeconômicas das regiões pobres, onde são localizados múltiplos problemas sociais, que seriam resolvidos apenas com vontade política séria, democrática e responsável, por meio de gestão genuinamente competente e eficiente, com embargo dos recrimináveis jeitinhos de populismo, hipocrisia e demagogia com o uso do dinheiro público.    
Voltando à questão dos homicídios, alguns especialistas da violência acreditam que as desgraças pertinentes à letalidade poderão ser incrementadas, com o advento da liberação da posse e do porte de armas de fogo, quando as pessoas poderão imaginar que se tornaram poderosas e as mortes se tornarão incontroláveis.
          Vejam o que disse um especialista da violência: “Uma maior difusão de armas de fogo na sociedade tende a aumentar o número de mortes e gerar resultados provavelmente catastróficos. Isso muito provavelmente vai impactar seriamente na violência e a gente sabe que isso necessariamente vai se traduzir no crescimento da mortalidade entre a população que é mais vulnerável, que é a jovem e negra”.
Não há a menor dúvida de que maior quantidade de armas de fogo em poder da população a tendência é aumentar substancialmente a mortalidade por homicídio, caso o governo não adote medidas eficientes para se evitar verdadeira catástrofe no âmbito da população, que cada vez mais é obrigada a fazer as vezes do Estado, que tem o dever de proteger as pessoas e o patrimônio, em condições nada seguras e absolutamente indevidas, ante o despreparo quanto ao traquejo com as armas de fogo.
Nem precisa ser especialista em armamento para se perceber que a sociedade não pode se defender senão em condições de emergência ou calamidade pública, porquanto compete ao Estado, na forma prescrita no art. 144 da Constituição Federal, proteger, com meios adequados e suficientes, a sociedade e o seu patrimônio, constituindo extrema irresponsabilidade transferir a competência constitucional para a população destituída dos recursos próprios da segurança pública.
Infelizmente, muitos brasileiros ingênuos terminam participando, em cumplicidade com esse crime, de se permitir que o Estado transfira para a sociedade a obrigação de se defender, quando, ao contrário, até poderia aceitar essa esdrúxula forma de liberação da posse e do porte de armas de fogo, com a inarredável condição de que o presidente da República se obrigasse, mediante termo de compromisso, a cumprir fielmente o dever insculpido na Carta Magna, em especial de adotar urgentes políticas destinadas a desarmar os criminosos, além da criação de mecanismos de rigoroso controle sobre as entradas clandestinas de arma no Brasil.
É deplorável que os brasileiros consintam que as políticas sobre segurança pública continuem sob os mesmos descasos e irresponsabilidades de governos do passado, que simplesmente deixaram de investir, de forma prioritária e maciça, no sistema, permitindo que ele fosse irremediavelmente sucateado e perdesse a qualidade e o preparo suficientes para combater a criminalidade, tendo como consequência a alarmante tristeza de tantos homicídios, cujas estatísticas somente servem como números, quando, nos países sérios, civilizados e evoluídos, em termos de gestão pública responsável, eles têm a finalidade de alertar às autoridades públicas sobre a urgente necessidade da adoção de providências visando ao saneamento de tão cruel realidade que exige investimentos prioritários e urgentes.
Os brasileiros precisam se despertar dessa terrível letargia, não aceitando passivamente que essa debilidade da liberação da posse e do porte de armas de fogo tenha o condão de resolver a caótica e falida situação da segurança pública, visto que o governo, mesmo diante dessa realidade dramática de insegurança, com a visível falta proteção às pessoas e ao patrimônio, não tenha esboçado qualquer iniciativa no sentido de investir, maciça e prioritariamente, em política pública voltada para a melhoria, o aperfeiçoamento e a modernização da segurança da população, que apenas se cala e permite a continuidade desse estado de penúria, em visível evidência de omissão e irresponsabilidade completamente inaceitáveis, nas circunstâncias.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 7 de junho de 2019

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