domingo, 6 de fevereiro de 2022

A indignidade orçamentária

 

A imprensa noticia que as determinações do Supremo Tribunal Federal sobre os critérios de transparência no repasse de verbas públicas não estão sendo cumpridos pelo Congresso Nacional, uma vez que é notória a farra bilionária com recursos alocados no orçamento secreto.

No período de 13 e 31 de dezembro último, houve registro, no site do Congresso Nacional, das indicações de repasses do valor de R$ 4,3 bilhões, mas os nomes dos congressistas que apadrinharam ou patrocinaram os pedidos foram normalmente ocultados, em 48% das verbas.

Com a finalidade de ocultar os nomes dos responsáveis, foram indicados prefeitos, vereadores, representantes de entidades sem fins lucrativos e até pessoas que não têm cargo público, quando deveriam constar os nomes do verdadeiro parlamentar diretamente vinculado com os repasses, mas, sem justificativas, seus nomes foram preservados no anonimato, dando a impressão de algo estranho, embora haja o envolvimento de recursos públicos.

O saldo dos repasses mostra que o principal beneficiado, com o valor de R$ 616 milhões, foi o Progressistas, partido do Centrão que abriga o presidente da Câmara dos Deputados, e o ministro da Casa Civil, este como atual responsável pela chave do Tesouro Nacional, mesmo que ele integre o discutível grupo político símbolo do fisiologismo conhecido pelo toma lá, dá cá.

Logo em seguida, aparecem o PSL, sigla do relator-geral do Orçamento, que amealhou o valor de R$ 555 milhões e o PSD, legenda do presidente do Senado Federal, com a destinação do valor de R$ 438 milhões, ou seja, fica mais do que evidente que o único critério na concessão de repasse é a influência política e a proximidade com o governo, como visto acima, o Centrão.

O Estado do presidente do Senado, Minas Gerais, foi o mais favorecido, com o valor R$ 553 milhões, embora o nome dele não apareça nos pedidos, em que pese a nítida influência exercida por ele sobre o repasse dos recursos, por ser o presidente da Casa.

Enquanto isso, as indicações de prefeitos, vereadores, secretários municipais e estaduais, além de representantes da sociedade civil, em Minas Gerais, chegaram ao valor de R$ 250 milhões, sem a indicação do real patrocinador.

Causa espécie que, na crise instalada no Congresso, diante da decisão adotada pelo Supremo, de tentar barrar a execução do orçamento secreto, o presidente do Senado defendeu a boa-fé do Legislativo, no sentido de dar mais transparência ao processo, tendo afirmado, verbis:A má-fé não pode ser presumida”.

A demonstração da falta de transparência fica patente nos pedidos de repasse tornados públicos, que totalizam a cifra de R$ 4,3 bilhões, ficando bastante distante dos R$ 6,6 bilhões de emendas do relator-geral, empenhados naquele mesmo período.

A ilação que isso pode suscitar é a de que o relator-geral não divulgou todos os pedidos que recebeu ou a verba foi direcionada pelo Executivo, como bem quis, em dissonância com o discurso do presidente do país e dos seus ministros, no sentido de que o comando e a distribuição recursos do orçamento secreto são da incumbência do Congresso. 

A propósito dessa afirmação, nos termos do art. 165, incisos I, II e III, da Constituição Federal, há clara e exclusiva competência ao presidente da República para cuidar das receitas e despesas da União, quando estabelece, verbis: “Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais.”.

Ou seja, na forma estabelecida na Lei Maior do país, somente o presidente da República tem competência para cuidar dos Orçamentos da União, porque, do contrário, se o Poder Legislativo também tivesse competência para tanto, inclusive para executar o “orçamento secreto”, teria que constar expressamente no texto do aludido dispositivo, precisamente assim redigido: “Leis de iniciativa dos Poderes Executivo e Legislativo estabelecerão: (...)”.

Conclui-se que o famigerado “orçamento secreto” é verdadeira excrescência à margem dos princípios constitucionais orçamentários, criado com a finalidade de se permitir a generalização da pouca-vergonha com o emprego do já escasso dinheiro dos sacrificados contribuintes brasileiros, que aceitam normalmente que seus indignos representes no Congresso manejem ao seu bel-prazer recursos públicos a torto e a direito, sem a necessidade da precisa e regular prestação de contas sobre os gastos aos órgãos da República, instituídos de poderes de controle e fiscalização.

É bem de se ver que as indiscutíveis esculhambação e farra com recursos públicos têm o beneplácito, pasmem, do presidente da República, porque, se há cristalina usurpação da sua competência constitucional, à luz do disposto no supratranscrito art. 165, pelo Congresso, ele teria primacial obrigação de questionar, junto ao Poder Judiciário, a inconstitucionalidade do nítido desvio de finalidade pública com o emprego de recursos públicos, por iniciativa de congressistas, diante da mais clara aberração orçamentária, que certamente jamais aconteceria nas piores republiquetas.    

 A verdade é que a grave irregularidade não provém somente no descumprimento da determinação do Supremo, por falta de regulamentação do próprio Congresso, sobre a necessidade da mais ampla transparência para as emendas de relator, mas sim, em especial, por falta de amparo legal e constitucional para o Congresso manejar orçamento público, ex-vi do disposto no art. 65 e isso é muitíssimo estranho, além de gravíssimo, uma vez que somente o Executivo, como o próprio nome diz, executa e realiza as despesas da União, na forma dos planos e diretrizes anuais, formulados por ele, cabendo apenas ao Legislativo aprová-los, na forma da sua competência igualmente definida na Constituição.

É extremamente deplorável a capacidade recalcitrante do emprego do dinheiro público, em finalidades extremamente obscuras e ilegítimas, a exemplo do que acontece com o famigerado orçamento secreto, sob o comando do Congresso Nacional.

A verdade é que orçamento com a finalidade de atender planos políticos pessoas, como logo o secreto, que foi denominado com esse nome justamente para se permitirem as falcatruas, jamais existiria em país com o mínimo de seriedade e evolução de princípios, em termos políticos e democráticos, onde há rigorosa observância dos princípios constitucionais e republicanos, inclusive orçamentários, ante o sentimento próprio das saudáveis conquistas da sociedade, em defesa do interesse comum, com embargo do que acontece presentemente no país tupiniquim, onde os homens públicos não têm o menor escrúpulo para defenderem seus interesses escusos, à vista do retratado, de forma transparente, nesse recriminável e deprimente orçamento secreto.

Convém que os brasileiros, com o mínimo de sentimento de amor ao Brasil, criem vergonha patriótica e se encorajam à recriminação, por meio do seu precioso voto, aos atos nitidamente espúrios, por que contrários aos interesse público, de modo que sejam eliminados da vida pública, o mais rapidamente possível, todos os indignos políticos profissionais que utilizam o poder para se beneficiarem, à vista das benesses decorrentes do uso indevido do orçamento secreto.    

 Brasília, em 6 de fevereiro de 2022

Nenhum comentário:

Postar um comentário