A
Polícia Federal, que tinha a incumbência de colher o depoimento presidente da
República, concluiu o seu trabalho, tendo informado ao Supremo Tribunal Federal
que o mandatário “cometeu crime quando divulgou informações sigilosas de uma
investigação, em uma live.”.
Não
obstante, aquele órgão não indiciou o presidente do país, tendo apenas
apresentado justificativa no sentido de que ele tem foro privilegiado e que o
caso foi encerrado, evidentemente naquela polícia, cujas informações são desnecessárias,
uma vez que ele cumpriu fielmente a missão lhe competia, no caso.
Trata-se
de inquérito que investiga se o presidente do país teria divulgado, em live, nas
redes sociais, em 2021, material sigiloso, o que é proibido por lei.
Na
ocasião, o presidente do país, que estava acompanhado de um deputado federal (possível
fornecedor dos dados divulgados), mencionou informações sigilosas sobre apuração
da lavra da Polícia Federal, versando acerca de ataques virtuais ao Tribunal
Superior Eleitoral.
As
informações tidas por sigilosas foram usadas pelo presidente do país para
defender a sua tese falsa de que as urnas eletrônicas são passíveis de invasão
externa e que as eleições presidenciais de 2018 teriam sido fraudadas.
Naquele
evento, o presidente do país afirmou que as informações contidas nos relatórios
eram de interesse "para todos nós" e, por isso, decidiu por
divulgá-las normalmente, em redes sociais.
Posteriormente,
em parecer da lavra da Advocacia Geral da União, divulgado no final de janeiro
último, foi afirmado que o inquérito divulgado pelo presidente do país não
estava sob sigilo, no momento do compartilhamento dos documentos nas redes
sociais, mas essa opinião havia sido rejeitada pelo ministro do Supremo, que
houve por bem intimá-lo para depor junto à Polícia Federal.
A
Polícia Federal também comunicou ao Supremo que o fato de o presidente do país
não ter comparecido ao depoimento, para prestar informação no inquérito, não
impediu a análise do caso.
Ao
deixar de comparecer, o presidente do país justificou o fato dizendo que estava
exercendo seu "direito de ausência" e que o tribunal ainda não
definiu como deve ser tomado o depoimento do presidente do país: se
presencialmente ou por escrito.
Os
investigadores da Polícia Federal concluíram que houve crime de divulgação de
segredo, mas não indicaram o presidente do país, por ele ter foro privilegiado.
A
Polícia Federal devolveu o inquérito ao Supremo, acompanhado da seguinte informação:
“Decorrido o prazo estabelecido, não houve atendimento à ordem judicial
mencionada, inviabilizando-se a realização do ato e a consequente obtenção da
perspectiva do sr. Jair Messias Bolsonaro a respeito dos fatos. Essa situação,
entretanto, não teve o condão de impedir a correta compreensão e o
esclarecimento do evento“.
Ressalte-se
que a importância significativa da conclusão da Polícia Federal é o seu posicionamento
no sentido de que, no caso sob exame, houve prática de crime, mas os envolvidos
não foram indiciados por possuírem foro privilegiado, incumbência para a qual
esse órgão não tem competência legal, segundo entendimento esposado pelo
Supremo.
É
importante frisar que a conclusão da Polícia Federal, de não indiciar o
presidente do país, não significa que ele esteja livre de imputação de alguma
forma de sanção, uma vez que deve ter ficado provado que houve crime e não há
crime sem castigo, na forma da legislação penal.
Convém
que se esclareça que o instrumento do indiciamento constitui ato formal de
delegados de polícia, que, na prática, resume na manifestação da sua opinião acerca
do fato em discussão, mostrando que, a seu juízo, o indiciado é o provável
autor do delito de que se trata.
Impende
seja salientado que, caso a Procuradoria Geral da República decida pela denúncia do presidente da República
à Excelsa Corte de Justiça, o Congresso Nacional terá de autorizar o
prosseguimento do processo, com vistas ao posterior julgamento dele pelo
Supremo.
Aquele
que comete o crime de vazamento de dados sigilosos fica passível à sanção prevista
no artigo 325 do Código Penal brasileiro, onde há a estipulação de pena que
pode variar de 2 a 6 anos de prisão, mais multa.
Segundo
a opinião de juristas especializados, não é fácil se prevê o entendimento da Procuradoria
Geral da República, nesse caso, mas eles acham que as provas contra o presidente
do país são fortes, em especial porque o principal envolvido admite que
compartilhou os documentos na live e, não havendo dúvidas sobre o delito, torna-se
mais difícil o arquivamento do inquérito em apreço.
A
verdade é que, em termos técnicos, são robustos os elementos capazes de embasar
a denúncia contra o presidente do país, uma vez que o Ministério Público
Federal já tem provas consolidadas pela Polícia Federal para denunciá-lo e se
permitir a deflagração da ação penal, da competência do Supremo.
Ao que se sabe, nas circunstâncias, o pronunciamento do
Ministério Público Federal é de praxe e faz parte da tramitação processual, na
forma da lei.
Ressalte-se
que a falta do comparecimento do presidente do país não prejudica em nada a investigação,
tendo-se a compreensão de que o interrogatório é muito mais ato de defesa, ou
seja, em benefício do acusado, de modo que, na ausência do depoimento, os fatos
permaneceram aferíveis e passíveis de avaliação por meio das provas constantes
dos autos.
Agora,
é muito estranho que, em plena democracia, o presidente da República deixe de
prestar meras informações, que até poderiam funcionar como importante instrumento
de defesa, em forma do contraditório aos fatos, sob suspeita da dúvida do suposto
“direito de ausência”, que não assegura absolutamente nada a favor dele,
com relação ao mérito do objeto do inquérito, que somente tem o condão de adiar
o desfecho do inquérito.
O
certo é que o presidente da República é o principal alvo do inquérito aberto
para a apuração sobre possível ato irregular praticado por ele, que poderia ter
o mínimo de sensibilidade pública e o máximo de interesse patriótico em
esclarecer os acontecimentos, com vistas à viabilização do mais rápido encerramento
do lamentável episódio.
Infelizmente,
o presidente do país preferiu o caminho menos aconselhável, que foi a insensata
ausência ao depoimento, que teve apenas o condão de contribuir para a tentativa
de mostrar força de poder entre ele e o Supremo, dando a entender ainda que há
má vontade para a melhor solução para a situação, fato este que só contribui
para prejudicar o relacionamento entre os poderes da República.
Conviria
que o presidente da República tivesse a sensibilidade de entender que, no
Estado Democrático de Direito, as demandas judiciais devem e precisam ser dirimidas
pela via do bom senso e da racionalidade, com o melhor emprego da inteligência e
dos mecanismos de compreensão, tolerância e boa vontade, mesmo que haja o
entendimento de injustiçamento, que somente se resolve pelos caminhos do
diálogo e do respeito às instituições e ao ordenamento jurídico, com base na
ampla defesa e no contraditório.
Brasília,
em 3 de fevereiro de 2022
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